A reeleição estava envolta em incerteza e dependia de uma aritmética complicada entre os quatro partidos centristas.
Ursula von der Leyen foi reeleita presidente da Comissão Europeia numa votação decisiva, na quinta-feira, que representou o maior teste ao seu legado político, forjado ao longo de uma sucessão de crises que abalaram os alicerces do bloco.
A atual Comissária recebeu 401 votos a favor e 284 contra, uma ampla maioria para apoiar o seu segundo mandato de cinco anos. Da última vez que enfrentou o hemiciclo, conseguiu passar com uma margem muito pequena de nove votos.
“Os últimos cinco anos mostraram o que podemos fazer juntos”, disse ela. “Vamos fazer isso de novo. Vamos fazer a escolha da força. Façamos a escolha da liderança”.
A resolução é o culminar de dias intensos de negociações à porta fechada, durante os quais a política alemã de 65 anos se reuniu freneticamente com os principais grupos políticos do Parlamento Europeu – em alguns casos, várias vezes – para garantir o maior número possível de apoios.
Apesar de os três grupos centristas – o Partido Popular Europeu (PPE), os Socialistas e Democratas (S&D) e os liberais do Renew Europe – terem lugares suficientes para a reconduzir, as divergências internas indiciavam uma aritmética instável, obrigando von der Leyen a procurar apoio adicional junto dos Verdes e dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE).
A sua abertura à direita radical do CRE, liderada pelo Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni e pelo Lei e Justiça (PiS) da Polónia, revelou-se controversa para as forças progressistas, que a viram como uma ameaça à coligação centrista. Von der Leyen procurou acalmar esses receios prometendo “nenhuma cooperação estruturada” com o grupo de Meloni e comprometendo-se novamente com os objetivos do Pacto Ecológico, que a sua família de centro-direita tem vindo a contestar cada vez mais.
O carácter secreto do escrutínio não permite saber quem votou a favor e contra a sua candidatura. Mas o discurso proferido na quinta-feira de manhã, com várias referências à ação climática, sugere que foram os Verdes que acabaram por se tornar cruciais.
“Garantimos compromissos sobre o Pacto Ecológico, tornando a UE mais justa do ponto de vista social e protegendo a democracia”, afirmaram os Verdes, confirmando o seu apoio.
Em contrapartida, o grupo CRE afirmou que uma “grande maioria das delegações nacionais” se iria opor ao candidato. A votação dos eurodeputados de Meloni não foi imediatamente conhecida.
Uma infinidade de promessas
Não foram apenas os Verdes, todos os grupos centristas receberam algo de von der Leyen.
O seu discurso incluiu ideias claramente adaptadas aos socialistas, como um novo comissário para a habitação e um roteiro para os direitos das mulheres, e aos liberais, que exigem que os Estados-membros respeitem o Estado de direito em troca de receberem fundos da UE.
O PPE viu um grande número dos seus projetos favoritos incluídos nas orientações de von der Leyen, como um Fundo Europeu de Defesa, um aumento para o triplo do pessoal da Frontex e um “controlo das PME e da competitividade” para reduzir a burocracia. Von der Leyen também apresentou uma nova agenda para desenvolver “parcerias abrangentes” com os países mediterrânicos, código para acordos financiados pela UE para travar a migração irregular.
As suas diretrizes não apoiam explicitamente a ideia de deslocalizar os procedimentos de asilo, que o PPE incluiu no seu manifesto de campanha e a que os progressistas se opõem veementemente. No entanto, o documento diz que o executivo vai “continuar a refletir sobre novas formas de combater a migração irregular, respeitando o direito internacional e garantindo soluções sustentáveis e justas para os próprios migrantes”.
Em suma, von der Leyen conseguiu encontrar um equilíbrio entre ambição legislativa e realismo político, dando aos partidos centristas algo para defender sem os alienar. Também criticou a polémica “missão de paz” de Viktor Orbán, que descreveu, sob fortes aplausos do hemiciclo, como uma “simples missão de apaziguamento”.
“A Europa não pode controlar os ditadores e os demagogos de todo o mundo, mas pode optar por proteger a sua própria democracia”, afirmou von der Leyen aos deputados.
“A Europa não pode determinar eleições em todo o mundo, mas pode optar por investir na segurança e na defesa do seu próprio continente. A Europa não pode impedir a mudança, mas pode optar por abraçá-la, investindo numa nova era de prosperidade e melhorando a nossa qualidade de vida.
A rejeição da escolha do candidato preferido pelos dirigentes da UE não teria tido precedentes. Diplomatas, falando sob condição de anonimato, afirmaram que tal constituiria uma “crise institucional” sem saída fácil devido à falta de alternativas credíveis. O ambiente global volátil, incluindo as guerras na Ucrânia e em Gaza, ajudou a construir o seu caso como uma presidente de continuidade e segura.
O seu próximo passo será entrevistar os candidatos a comissários, apresentados por cada Estado-Membro, e decidir a estrutura do seu novo executivo. Este processo será delicado, uma vez que muitas capitais estão a exigir pastas de alto nível para os seus candidatos.
Uma vez formado o Colégio, este será objeto de uma votação de confirmação no Parlamento Europeu ainda este ano. Se for aprovado, os 27 comissários tomarão posse e iniciarão o seu trabalho.