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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

Um século depois de Tutancâmon, os egípcios reivindicam protagonismo na História

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FONTE:AFP

Na foto icônica, o britânico Howard Carter inspeciona o sarcófago de Tutancâmon com um egípcio ao fundo. A imagem do início do século XX ilustra dois séculos de egiptologia, segundo especialistas: o salvador ocidental que parece descobrir os tesouros sozinho; e os egípcios, ausentes na história da revelação dos segredos dos faraós.

A egiptologia, nascida nos tempos coloniais, criou “desigualdades estruturais” que ainda “ressoam hoje”, enfatiza a britânica Christina Riggs, egiptóloga da Universidade de Durham.

No momento em que o mundo celebra o bicentenário da decifração da pedra de Roseta pelo francês Jean-François Champollion e o centenário da descoberta do túmulo do menino-faraó Tutancâmon por Carter, cada vez mais vozes no Egito cobram a valorização da contribuição dos próprios egípcios nessas explorações.

Uma forma de reapropriação de sua história e a preservação do patrimônio de seu país ou a restituição de tesouros considerados “roubados” pelos ocidentais.

Os egípcios que escavaram “fizeram todo o trabalho”, mas “foram esquecidos”, lamenta Abdel Hamid Daramali, chefe de escavação em Qurna (sul), onde diz ter nascido sobre o túmulo de um escriba.

“É como se ninguém tivesse tentado entender o Egito antigo antes” de Champollion em 1822, acrescenta a pesquisadora Heba Abdel Gawad, especialista em herança egípcia.

– “Anônimos” –

Na famosa foto, “o egípcio sem nome poderia ser Hussein Abu Awad ou Hussein Ahmed Said”, especula Riggs. Esses dois homens foram, junto com Ahmed Gerigar e Gad Hassan, os pilares da equipe de Carter por quase uma década, mas nenhum especialista hoje pode nomear os rostos nas fotos.

“Os egípcios permaneceram nas sombras, anônimos e transparentes na história de sua história”, resume a historiadora.

No entanto, um nome se destaca: Abdel Rasul.

Hussein Abdel Rasul, o primeiro que, quando criança, foi quem descobriu involuntariamente o famoso túmulo em 4 de novembro de 1922 na margem oeste do Nilo, na necrópole de Tebas (hoje Luxor) em Qurna.

As versões variam entre que ele tropeçou nele, que foi seu burro ou que ele deixou cair uma jarra de água que expôs uma pedra.

A mitologia local também diz que seus ancestrais Ahmed e Mohammed descobriram em 1871 as 50 múmias de Deir el-Bahari, incluindo a de Ramsés II.

O sobrinho-neto de Hussein, Sayed Abdel Rasul, ri dessas histórias, questionado pela AFP.

Será que “realmente faz sentido” acreditar que uma criança com um jarro de água possa fazer tal descoberta, questiona.

Ainda assim, “se alguém salvou arquivos, não fomos nós”, acrescenta.

Christina Riggs ressalta que nas raras ocasiões em que as descobertas são atribuídas aos egípcios, são sempre “crianças”, ou “ladrões de túmulos”, senão seus “animais”.

“A arqueologia é acima de tudo geografia”, diz a pesquisadora Heba Abdel Gawad. E nesta área, os agricultores locais têm uma vantagem: “conhecem o terreno e o seu relevo”, podendo dizer, “dependendo das camadas e sedimentos se há objetos enterrados”.

Foi assim que, de geração em geração, o trabalho de escavação foi transmitido em Qurna, onde vivem os Abdel Rasul, e em Qift, ao norte de Luxor, onde na década de 1880 os habitantes foram treinados em arqueologia pelo britânico William Flinders Petrie.

O bisavô de Mostafa Abdo Sadek foi um deles.

No início do século XX, ele se estabeleceu a cerca de 600 quilômetros ao norte de Qift para escavar a necrópole de Saqqara, perto das pirâmides de Gizé.

Ele, seus filhos e netos ajudaram a desvendar os mistérios de dezenas de túmulos por um século, conta à AFP o neto, um renomado arqueólogo de Saqqara.

Apesar disso, “foram discriminados”, continua Mostafa Abdo Sadek, exibindo fotos de seus ancestrais cujos nomes não aparecem nos livros de história.

– “Filhos de Tutancâmon” –

“Os egípcios foram apagados da narrativa histórica devido à ocupação cultural do Egito nos últimos 200 anos”, diz Monica Hanna, reitora do Aswan College of Archaeology.

É preciso levar em conta “o contexto histórico e social do Egito sob ocupação britânica”, diz Fatma Keshk, professora do Instituto de Arqueologia Oriental do Cairo.

Em meados do século XX, em uma época de crescente anticolonialismo, a herança faraônica serviu para tocar o acorde nacionalista.

A batalha cultural tornou-se então política.

“Nós somos os filhos de Tutancâmon”, cantou a diva Mounira al-Mahdiyya em 1922, ano da descoberta do túmulo do menino-faraó no Vale dos Reis e da independência do Egito.

Por meio de campanhas que zombavam da dominação estrangeira sobre o patrimônio nacional, o Cairo conseguiu, no mesmo ano, acabar com o sistema colonial de partilha que garantia aos ocidentais metade das peças desenterradas em troca do financiamento das escavações.

Mas então, o Egito antigo foi dissociado do Egito moderno e, a partir daí, o primeiro “considerado como uma civilização universal” em um mundo que naquela época “se resumia ao Ocidente”, analisa Abdel Gawad.

Tutancâmon permaneceu no Egito, mas o país “perdeu os arquivos da escavação”, ferramenta essencial para qualquer publicação universitária, em benefício da coleção particular de Carter, conta Hanna.

“Ainda éramos colonizados, eles nos deixaram os objetos, mas tiraram nossa capacidade de produzir conhecimento sobre Tutancâmon”, diz.

E quando a neta de Howard Carter decidiu doar esses arquivos logo após a morte do arqueólogo britânico em 1939, ela escolheu a Universidade de Oxford ao invés do Egito.

Essa universidade é a que, paradoxalmente, está atualmente realizando uma exposição chamada “Tutancâmon: Escavação nos Arquivos para destacar os Egípcios Frequentemente Esquecidos das Equipes Arqueológicas”.

– Múmia em casa –

Em Qurna, Ahmed Abdel Rady, de 73 anos, lembra como, quando criança, encontrou a cabeça de uma múmia em um buraco em sua casa na necrópole de Tebas, onde cresceu.

“Minha mãe começou a chorar, implorando para que eu tratasse aquela ‘rainha’ com respeito”, explica à AFP, lembrando com alegria que ao mesmo tempo a mulher guardava as cebolas e o alho em um sarcófago de granito.

Hoje, a cidade nada mais é do que ruínas onde, entre túmulos e templos, os Colossos de Memnon, construídos há mais de 3.400 anos, parecem zelar pelos mortos e pelos vivos.

Em 1998, guindastes chegaram para destruir as pequenas casas de barro e tijolo dos 10.000 moradores locais, sob as quais jazem túmulos entre 1.500 e 1.200 aC.

Quatro moradores que se recusaram a ser despejados morreram em confrontos com a polícia.

Por estarem profundamente ligados à herança faraônica, os moradores de Qurna protestaram muito contra a demolição de sua aldeia, diz Abdel Hamid Daramali.

Mas a batalha pela história também se deu às custas dos egípcios, mesmo apesar das críticas da UNESCO.

“Tinha que ser feito” para proteger o patrimônio, insiste o então ministro das Antiguidades, Zahi Hawass.

Em 2008, quase todas as casas foram demolidas e seus moradores deslocados de seus meios de subsistência em torno dos sítios arqueológicos e das terras de seu gado.

Segundo Monica Hanna, foi a fama de “ladrões de túmulos” que levou as autoridades a transformar Luxor em um “museu a céu aberto”.

Sayed Abdel Rasul sofre com isso desde que, anos atrás, vários membros de sua família foram descobertos vendendo peças arqueológicas nos bastidores.

“Os franceses, os britânicos, todos roubaram”, diz seu sobrinho Ahmed.

Ou “quem disse aos habitantes de Qurna que eles poderiam ganhar dinheiro vendendo peças faraônicas?”.

– “Espólio de guerra” –

Ao longo dos séculos, um número incontável de antiguidades saiu do Egito.

Algumas, como o Obelisco de Luxor em Paris ou o Templo de Debod em Madri, foram presentes das autoridades egípcias para países amigos.

Outras foram enviadas para museus europeus sob o sistema de distribuição colonial.

E centenas de milhares foram contrabandeadas para fora do país para alimentar “coleções particulares em todo o mundo”, diz o pesquisador Abdel Gawad.

Agora, com sua nova cruzada, o ex-ministro Hawas quer lançar uma petição pela restituição da Pedra de Roseta, do busto de Nefertiti e do zodíaco Dendera, três peças que são objeto de polêmica há décadas.

A Pedra de Roseta, uma estela gravada em 196 aC em grego antigo, egípcio demótico e hieróglifos, está em exibição desde 1802 no Museu Britânico em Londres com a placa “tomado no Egito em 1801 pelo exército britânico”.

Um porta-voz do Museu Britânico garante à AFP que se trata de um “presente diplomático”.

Mas para Abdel Gawad, nada mais é do que “um espólio de guerra”.

O busto de Nefertiti desembarcou no Neues Museum em Berlim por meio de distribuição colonial, diz a Alemanha.

Para Hawass, esta escultura, pintada em 1340 aC, e que os arqueólogos alemães levaram em 1912, “saiu ilegalmente do Egito”.

O zodíaco Dendera chegou a Paris quando, em 1820, o prefeito Sébastien Louis Saulnier enviou uma equipe para explodir o baixo-relevo de um templo no sul do Egito.

É uma representação da abóbada celeste de mais de 2,5 metros de largura e altura, e está pendurada no teto do Louvre desde 1922.

Em Dendera, por outro lado, há uma cópia em gesso. “Isso é um crime”, denuncia Hanna.

Segundo ela, o que era aceitável na época não pode mais ser “compatível com a ética do século XXI”.

AFP

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