O financiamento do Global Gateway da UE tem sido “muito disperso” e deve ser concentrado se quisermos ter alguma hipótese contra Pequim, afirma uma análise interna da Comissão Europeia.
A União Europeia precisa de levar a sério a competição com a China pela influência em todo o mundo, especialmente em Africa, com um mega plano para investimentos internacionais.
Esta é a mensagem contida num documento interno da Comissão Europeia sobre o programa de infraestruturas globais EU Global Gateway que Bruxelas espera rivalizar com a vasta Iniciativa Cinturão e Rota de Pequim.
Neste momento, “os nossos esforços estão muito dispersos por demasiadas frentes e carecem de enfoque estratégico”, afirma o documento da Comissão Europeia.
O documento, visto pelo POLITICO , adverte que os esforços até agora no âmbito do plano Global Gateway de 300 mil milhões de euros da UE fracassaram porque estão “muito dispersos”.
A próxima ronda de investimentos – prevista para ser decidida ainda este ano – deverá centrar-se nos chamados “corredores” geográficos onde o impacto do financiamento pode acumular-se em múltiplos projetos – por exemplo, a construção de novas infraestruturas energéticas, de matérias-primas e de transportes, afirma o documento.
Os projetos que poderiam receber dinheiro incluem a extração de cobre e cobalto desde a Zâmbia até à República Democrática do Congo, e um maior envolvimento com a Ásia Central.
O programa Global Gateway foi lançado numa tentativa de projetar o poder e a influência europeia como um parceiro internacional, especialmente para as economias em desenvolvimento em todo o mundo.
A China está anos à frente na consolidação de relações com governos em África e noutros lugares, investindo dinheiro em projetos como portos, estradas e caminhos-de-ferro, telecomunicações e centrais elétricas.
A iniciativa Global Gateway da UE, lançada formalmente no ano passado, visa desbloquear até 300 mil milhões de euros até 2027 em fundos públicos e privados. Até agora, mais de 200 projetos recebem financiamento no âmbito do programa.
O tom crítico do documento da Comissão Europeia representa um reconhecimento de que a iniciativa até agora ficou aquém do seu potencial.
A liderança política em Bruxelas está prestes a sofrer uma reviravolta, com as eleições para o Parlamento Europeu marcadas para junho e uma nova Comissão a ser nomeada pouco depois. Os funcionários públicos da UE decidirão sobre os candidatos para um novo lote de investimentos após o verão.
A nova Comissão deve “maximizar o impacto e mostrar que a UE pode produzir resultados concentrando-se num número limitado de iniciativas emblemáticas transformacionais do Global Gateway que mostram claramente o impacto”, afirma o documento.
Cobre, cobalto e o Corredor do Lobito
Um corredor bem conhecido que já se enquadra no projeto é o Corredor do Lobito, entre o Cinturão de Cobre na Zâmbia e a República Democrática do Congo, ligado por via-férrea ao porto do Lobito, em Angola. Além do cobre, a região também é a principal fonte mundial de cobalto. Os Estados Unidos também estão interessados em investir no corredor do Lobito.
A canalização financeira já está em curso, através de um acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento e de um acordo de investimento com Angola, além de parcerias de matérias-primas com a RDC e a Zâmbia. Os investimentos do Lobito não se destinam apenas a desbloquear minas, mas também a construir ligações digitais e agrícolas.
O documento conclui que “permanecem os principais desafios para garantir uma coordenação eficaz”, sugerindo que o programa terá dificuldades se a Comissão Europeia não reorientar a estratégia, uma vez que necessita também da contribuição dos países da UE, dos bancos e das empresas privadas.
“Os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento vivem num mundo à la carte e escolherão num menu conforme acharem adequado. Há uma batalha de ofertas”, observa o documento.
As ofertas vêm de Pequim, Washington e agora também de Bruxelas. A referência, claro, é à iniciativa Belt and Road da China e à Lei de Redução da Inflação de Washington.
Contudo, nem todos estão entusiasmados com a ideia de transformar a ajuda ao desenvolvimento numa estratégia de investimento. Rilli Lappalainen, presidente da ONG de desenvolvimento CONCORD, disse estar “chocado” com o que “é basicamente uma estratégia de comércio e investimento para a UE baseada nos seus interesses geopolíticos”.
Acrescentou: “Em nenhum lugar vemos uma preocupação com as prioridades dos países parceiros, muito menos um interesse em garantir que a vida das pessoas melhore”.
A Comissão Europeia argumenta que proporcionar oportunidades de industrialização aos países em desenvolvimento – especialmente nos sectores da saúde ou da energia verde – proporcionará empregos e conhecimentos locais a longo prazo.