Por: Reginaldo Silva (Jornalista)
Continua no segredo dos deuses o conteúdo da proposta de “ajustamento estatutário” que o 8ºCongresso Extraordinário do MPLA deverá apreciar quando se reunir proximamente em Luanda entre os dias 6 e 7 de Dezembro do corrente ano.
Na verdade e por tudo quanto tem transpirado, o pretendido “ajustamento” é muito mais do que isso, por todas as implicações que o mesmo irá ter na vida do país e de todo o processo político em curso. Dito de outro modo, é uma alteração que, caso venha a ser introduzida, está muito longe de se esgotar no espaço partidário do MPLA.
Esta importância transversal do MPLA foi destacada muito recentemente pelo Presidente João Lourenço que a propósito afirmou que “ninguém fica indiferente sempre que nos reunimos para analisar a nossa vida interna e a situação política, económica e social do nosso País, coisa que o fizemos com maior abertura e transparência possível, porque não somos nenhuma organização clandestina.”
Seria uma boa oportunidade para o Líder do MPLA falar um pouco mais das razões desta extraordinária importância sistémica do seu partido, num país que se prepara para celebrar o seu primeiro meio século de existência como nação independente dentro de mais um ano, sem nunca ter conhecido qualquer alternância política, para além da devastadora guerra civil que durou 27 anos e que já terminou há mais de vinte e dois.
Antes de aprovarem a “misteriosa proposta”, caso a mesma não venha a ser rejeitada, os delegados ao Congresso do MPLA vão necessariamente ter de a discutir com alguma profundidade.
Sendo um documento que ninguém conhece ou a que muito poucos tiveram acesso para além dos seus autores/mentores, em tese é de admitir que desta vez os delegados ao conclave estarão predispostos para animarem do ponto de vista do contraditório, um debate mais animado/acalorado sobre esta alteração.
O actual contexto, por tudo quanto se tem conhecimento, assim parece apontar, embora se saiba que as pessoas directamente afectas ao MPLA, ou seja os seus militantes, de uma forma geral, são melhores a discutir os assuntos fora das reuniões onde se tomam as decisões mais definitivas.
Essas pessoas quando chega a altura de, em sede própria, defenderem as suas posições, normalmente costumam ser muito menos faladoras, quando, como se diz, não entram nas reuniões mudas e saem caladas para depois voltarem a falar novamente.
Desde logo o que mais alimenta a curiosidade de quem de fora tem vindo a acompanhar esta movimentação interna do MPLA é o facto da opinião pública e publicada ainda não ter uma ideia até este momento sobre os contornos exactos da proposta.
A reforçar esta curiosidade dos observadores está, sobretudo, o facto de fazerem igualmente parte desta opinião desinformada os cerca de 700 membros do próprio Comité Central do MPLA a ter em conta a forma como saíram da última reunião realizada no inicio do mês de Outubro.
Fácil é de admitir que as bases do Partido ainda estejam menos informadas sobre esta estratégia da actual direcção.
Para já, só mesmo pela via da especulação com base no que vai “pingando”, se consegue perceber para onde a mesma aponta exactamente, com todos os riscos desta leitura passar ao lado da letra e do espírito do seu proponente que tem cada vez mais a cara chapada do próprio João Lourenço a pensar no seu futuro, particularmente depois daquilo que aconteceu a José Eduardo dos Santos.
Como mais recente desenvolvimento de todo este processo, tivemos a reunião do Bureau Político este sábado, dia 16 de Novembro, que aprovou toda a documentação que será levada ao Congresso Extraordinário, mas que pelos vistos ainda será apreciada pelo Comité Central que já tem uma nova reunião marcada para o próximo dia 25.
O comunicado final desta reunião do Bureau Político em termos de informação não acrescentou praticamente mais nada de substancial ao pouco que já se sabia.
Seja como for, e para quem já não se lembrava da última informação oficial sobre os temas a tratar no Congresso que se aproxima a passos largos e rápidos, foi dito que o mesmo fará também “uma avaliação ou uma análise sobre os estatutos do MPLA.”
Talvez tenha algum interesse recordar aqui que esta maratona de reuniões teve início no passado dia 26 de Agosto com o encontro de João Lourenço com milhares de responsáveis das organizações de base do seu partido, vulgarmente conhecidas por “CAPs”, entenda-se Comités de Acção do Partido.
Nesse encontro o Presidente do MPLA deu o primeiro sinal mais concreto de estar a trabalhar num plano relacionado já com seu próprio futuro político na sequência de um conjunto de rumores que começaram a circular no espaço público sobre a sua alegada intenção de rever a Constituição para concorrer a um terceiro mandato.
Nesse alargado encontro com as organizações de base, que foi até considerado histórico por uma fonte oficial do MPLA, João Lourenço disse que a “aposta devia ser feita nos jovens para prepará-los e dar-lhes todas oportunidades de ascenderem até onde as suas capacidades permitirem, inclusive para a assumpção do mais alto posto de Presidente da República.”
Foi nesta referência específica que alguns observadores viram a possibilidade do “plano lourencista” passar efectivamente pelo estabelecimento de uma bicefalia em que o próximo candidato do MPLA ao cargo de Presidente da República não teria de ser necessariamente o Presidente do Partido, como obrigam actualmente os seus estatutos revistos e aprovados pelo Congresso de 2018.
Depois, foi a vez do Comité Central reunir-se extraordinariamente a 10 de Outubro para ouvir João Lourenço dizer que “a política é um jogo e como em qualquer jogo ou competição só vencem as equipas cujos jogadores ou atletas se submetem à organização e disciplina do colectivo e respeitam as regras do jogo e a orientação da equipa técnica.”
Esta mensagem já era claramente dirigida a todos aqueles que no seio do seu partido têm estado a movimentar-se no sentido de contrariarem as suas alegadas intenções de permanecer no poder para além de 2027, quando se realizarem as próximas eleições gerais nas quais João Lourenço já não poderá ser candidato do MPLA por força do limite de dois mandatos imposto pela Constituição.
Não podendo concorrer mais às eleições gerais, João Lourenço tem necessariamente de abandonar a liderança do MPLA.
Na sua mensagem, João Lourenço advertiu mesmo os seus adversários para o risco da desqualificação caso comecem “o jogo sem ouvir o apito do árbitro”.
Um Congresso que pode vir a ser impugnado
Antes da reunião do Bureau Político que teve lugar este fim-de-semana em Luanda, João Lourenço convocou no passado dia 25 de Outubro o Conselho de Honra do MPLA que é um instância interna sem qualquer poder deliberativo onde têm assento os chamados “mais velhos” do Partido.
Curiosamente é neste Conselho de Honra onde João Lourenço tem alguns dos seus mais assumidos adversários, tendo com um deles já tido mesmo alguns amargos de boca que são do conhecimento público por via oficial.
Nas palavras com que abriu o encontro com os “kotas do MPLA”, João Lourenço admitiu que o Congresso Extraordinário está a ser objecto de uma intensa especulação sobre os seus propósitos e fins, mas nada disse em concreto sobre as razões que estão na origem deste clima menos positivo.
Limitou-se a acrescentar que os estatutos do MPLA têm provimento bastante para a convocação de congressos extraordinários sempre que for necessário, não sendo este o primeiro de um historial que já conta com mais sete realizados desde 1977, altura em que Agostinho Neto, na ressaca dos trágicos acontecimentos do 27 de Maio, transformou o então movimento de libertação nacional num partido marxista-leninista, “sob o olhar silencioso de Lénine”.
O que os críticos da realização deste conclave reprovam é a competência de um congresso extraordinário mexer nos estatutos que, de acordo com a sua interpretação, é da exclusiva responsabilidade do congresso ordinário.
Por esse e por outros motivos, sendo um deles a não consulta das bases, já se fala mesmo da possibilidade deste Congresso vir a ser objecto de um processo de impugnação junto do Tribunal Constitucional.