No limiar do ano 2001, Jonas Savimbi tinha um plano de paz bem assente e por isso chamou para ir ao seu encontro o General Lukamba Gato que se encontrava nas áreas do Lwandu (a Sudeste da província de Malanje), para em conjunto com o General Dembo, Mais Velho A. Sakala e os outros membros da Direcção do Partido e das FALA que já se encontravam na caravana presidencial, e os representantes no exterior esmiuçarem e materializarem esse plano.
Houveram vários episódios num concurso infeliz de circunstâncias que não permitiram a materialização do plano de paz de Jonas Savimbi.
Eis aqui um dos infortúnios:
Com o plano de paz praticamente assente, por ironia do destino, a caravana de Jonas Savimbi é atacada e todos os telefones satélites que dispunham foram capturados. Dada a importância das telecomunicações nesse processo e não tendo ninguém na coluna presidencial conhecedor da Zâmbia, em finais de Dezembro de 2001 o velho Jonas encarregou um membro da sua coluna, o Tenente Coronel Sachilombo, com algum dinheiro para ir ao nosso encontro para juntos comprarmos um telefone satélite na Zâmbia. Era imperioso!
A missão me foi transmitida verbalmente pelo Coronel Adalberto Chaly (ex-Secretário Municipal da UNITA no Bailundo) num jango improvisado nas matas do Ninda Kasanga. Para o cumprimento da mesma, deram-me o Tenente Kapanda (treinado em Burkina Faso…) e o Alferes Beto, ambos comandos da guarda presidencial de Jonas Savimbi que já tinham escalado as áreas do Ninda Kasanga em Dezembro de 2001, onde eu já me encontrava desde Janeiro do mesmo ano.
Nós apanharíamos a linha fronteiriça na localidade do Hangana de onde levariamos o Major Kambembe que era melhor conhecedor do terreno (a Zâmbia no caso); e o TC. Sachilombo saiu das áreas do Makena seguindo a mesma linha fronteiriça em sentidos convergentes. Ambos sem rádio de comunicação, a coordenação foi feita nos pontos de partida. Em 3 dias de marcha bem esticada daríamos encontro aproximadamente na zona do Mussuma Mitete e, daí efectuarmos a operação.
Depois de um dia de marcha da nossa posição, chegamos à nossa base fronteiriça do Hangana comandada pelo Maj. Kambembe. Ao entramos na base notamos um silêncio estranho, afinal já tinha sido tomada na noite anterior pelas FAA (a base não tinha rádio de comunicação). Estávamos num cerco fulminante e seria praticamente impossível sairmos daí. Estávamos tão cercados que nem lhes possibilitava abrirem fogo contra nós, porque algumas das vítimas seriam eles próprios! Desde aquele dia nunca mais duvidei da existência de Deus, porque nesse dia vi algo que se pode considerar MILAGRE! – De repente começou a chover tão forte, mas tão forte mesmo (nunca que vi chuva igual) ao ponto dos objectos a 40 metros de distância se tornarem invisíveis. No meio daquela chuva torrencial vimos a brecha de não nos rendermos e nem de nos deixarmos capturar! Mas no momento do “escape/evasão” (os comandos conhecem esse termo 🙈), o Ten. Kapanda foi capturado…
Naltura, na táctica das FAA, quem fosse capturado lhe era entregue imediatamente um novo fardamento e uma arma para virar-se contra os seus. Depois de integrado nas FAA sem sofrer nenhum maltrato, na mesma noite o Ten. Kapanda fugiu e dia seguinte por volta das 11h00 encontrou-nos na linha fronteiriça em direcção ao Mussuma Mitete (por sorte, instinto e bravura sua). O Ten. Kapanda era um comando de uma fidelidade incrível, não revelou a nossa missão (espero que ele o Beto estejam vivos e que lhes chegue este testemunho)… Segundo ele, tinha sido guiado pela fé segundo a qual, se o Paiva e o Beto saíram ilesos do cerco, então não vão abortar tão importantíssima missão, por isso seguiu-nos instintivamente até nos encontrar… O Kapanda contou-nos também como foi a sua captura e que reconheceram-se com o comandante dos comandos caçadores das FAA que o capturou, pois foi um dos instrutores de comandos na coluna presidencial (este comandante agora é meu tio, por conta do meu casamento com a sobrinha dele, coisas da vida…🙈).
Algum dia vos darei mais detalhes… Mas, hoje resumo dizendo apenas que 20 anos depois, até aqui nunca me encontrei com o Tenente Coronel Sachilombo para então comprarmos o telefone satélite… Soube mais tarde (já no tempo de paz) que, o TC Sachilombo desconhecedor da zona, e porque a linha fronteiriça estava irreconhecível de tantos arbustos, houve um momento da sua trajectória em que pisou (sem saber) no território zambiano e foi preso pela tropa daquele país por supostamente violar a fronteira. Foi liberto depois do fatídico 22 de Fevereiro, e permanece na Zâmbia até hoje.
Portanto, houve um conjunto de circunstâncias que não permitiram a materialização do plano de paz de JMS, que aos poucos serão conhecidas, e uma delas foi a falta de telecomunicações. Eu, até hoje acredito que se não fosse esse concurso infeliz de circunstâncias, Jonas Savimbi teria o meio de comunicação com o qual teria mantido contactos com a comunidade internacional e não só, que lhe permitiria declarar o cessar-fogo unilateral o mais tardar em Janeiro de 2002, que era uma das difíceis concessões que lhe era exigida naltura.
HONRA E GLÓRIA À MEMÓRIA HERÓICA DO JAGUAR NEGRO DOS JAGAS!!!
Huambo, 22 de Fevereiro de 2022
✍️✍️ ZITO PAIVA, Maj. Ref. – In Facebook