No debate da TV Bandeirantes, realizado em 16 de outubro, o ex-presidente Lula (PT) acusou o golpe ao ser questionado por Jair Bolsonaro (PL) por que não anunciava quem seria seu ministro da Economia caso fosse eleito no domingo (30/10).
Na mesma pergunta, o presidente reiterou que seu nome para a pasta era Paulo Guedes e que havia um plano de continuidade em sua campanha.
O petista, criticado por pedir um cheque em branco aos eleitores, sem precisar definir sua equipe ou detalhes de propostas ao longo da campanha, ficou sem ter o que dizer.
No último debate, o da TV Globo, na sexta-feira (28/10), Lula ajustou a estratégia. Fugiu de indagações do tipo lembrando que o presidente era (ainda é) Bolsonaro. E quem deveria falar sobre gestão era ele.
Esta, afinal, é uma eleição duplamente plebiscitária: cada voto é uma escolha baseada na avaliação do governo de um ou outro. Pela primeira vez a disputa tem em campo dois candidatos já testados como presidentes.
Guedes, o trunfo de Bolsonaro no embate anterior, virou seu ponto frágil.
A campanha petista, nas últimas semanas, soube explorar na propaganda e na estratégia digital um plano ainda em fase de elaboração do chefe da Economia para ajustar as contas e pagar as faturas da gastança promovidas pelo chefe em ano eleitoral.
Foi o próprio Paulo Guedes quem afirmou, há cerca de uma semana, que o governo estudava desvincular o reajuste do salário mínimo e de aposentadorias a partir do índice de inflação do ano anterior.
O plano caiu como uma bomba na campanha de Bolsonaro, que sentiu o baque e não levou meio segundo de debate para contradizer seu próprio ministro e prometer aos espectadores um salário mínimo de R$ 1.400 caso reeleito. Era a deixa para o adversário questionar por que, nos anos anteriores, não houve aumento real no valor, e lembrar que e seu governo o ajuste ficava sempre acima do IPCA. Começava a ganhar o debate ali.
A estratégia era lembrar aos espectadores que quem deveria falar sobre sua gestão era Bolsonaro.
Como um jogo de futebol, Lula avançou as linhas de defesa e ocupou o campo adversário, sem dar tanta brecha para que Bolsonaro chegasse até sua área e questionasse sua atuação entre 2003 e 2010, período em que ocupou a Presidência.
Bolsonaro precisou responder sobre salário mínimo, reforma da Previdência, isolamento no plano internacional, postura antivacina, negacionismo na pandemia.
Ele se esquivava dos golpes tentando levar a conversa para o campo da corrupção. Dessa vez Lula não perdeu a oportunidade de lembrar que a família do adversário havia comprado 51 imóveis com dinheiro vivo e que ele e seus filhos estavam envolvidos em rachadinha.
Perdeu a chance de explicar que a palavra, no diminutivo, significa “corrupção”: a suspeita é que os Bolsonaro contratavam funcionários-fantasmas para seus gabinetes no Legislativo e embolsassem parte de seus salários pagos com dinheiro público para comprar imóveis de luxo e viver na boa vida.
Lula poderia ter sido mais didático e questionado o presidente sobre os motivos de ter desmontado estruturas de fiscalização e combate a crimes ambientais como o Ibama quando o tema da conversa era meio ambiente.
Poderia também, ao ouvir Bolsonaro pedir os créditos pelo programa de vacinação no país, lembrar de declarações do mandatário relacionado imunizantes a morte, anomalia e até à Aids. Timidamente, Lula o lembrou que quem iniciou a vacinação contra a Covid no país não foi ele, mas o governo de São Paulo através do Butantan – e parou por aí para não precisar citar o trabalho (fundamental, diga-se) de João Doria, que forçou o presidente a mudar a estratégia ao produzir a primeira vacina para coronavírus do país.
Lula poderia ter dito também que a postura antivacina deseducou tanto a população que doenças erradicadas no país, como sarampo e poliomielite, voltaram a assombrar as famílias brasileiras que ele tanto diz prezar.
A certa altura o debate virou um duelo de números, com Lula lembrando os tempos áureo da economia (que não cobriam, claro, o fim dos governos Dilma Rousseff) e Bolsonaro dizendo que tinha sim o que mostrar. Mas o presidente ficou sem reação ao ser perguntado quantos hospitais, UPAs e serviços como Samu foram criados em sua gestão. Bolsonaro respondeu com números de repasses obrigatórios, sem citar de cabeça nenhum projeto próprio que valesse menção.
Ele foi lembrado que não visitou nenhuma instituição de saúde durante a pandemia. Lula poderia ter lembrado que, em vez disso, o adversário preferiu passear de moto e jet ski enquanto promovia aglomerações aos finais de semana.
Um dos momentos mais tensos do debate foi quando Bolsonaro tentou associar a queda nos índices de homicídios no país à sua política de armamento civil – especialistas mostram que não é possível fazer uma relação entre as duas coisas; pelo contrário.
Lula aproveitou a deixa para dizer que na prática essa política de flexibilização estava armando criminosos como Roberto Jefferson até o dentes para atirar contra a polícia.
Bolsonaro não pensou duas vezes para alvejar pelas costas um de seus aliados mais leais. Ele já havia deixado Jefferson ferido na estrada desde o último domingo. Na TV, fez questão de balear o amigo e arrastar o corpo para o quintal petista – o que não fazia sentido, já que Jefferson, aninhado no bolsonarismo desde os primeiros dias de governo, é um desafeto histórico de Lula e do PT e desde a denúncia do chamado “mensalão” não fez outra coisa se não atacar o partido e o candidato a presidente.
Jefferson é o mentor e chefe do partido de Daniel Silveira (PTB), beneficiado por Bolsonaro com a graça do indulto, e Padre Kelman, escada e alma gêmea do extremismo presidencial nos debates do primeiro turno.
O petista poderia lembrar de uma série de assassinatos cometidos por criminosos que saíram da loja de armas e com um arsenal adquirido com nota fiscal, mas preferiu parar por ali.
Bolsonaro tinha uma missão quando chegou ao debate: desmentir a propaganda petista que o acusava de mirar nos trabalhadores ao fim da eleição e apresentar números que contesta a ideia, vendida pelos adversários, de que seu governo foi uma tragédia nos campos sanitário e econômico.
Ao fazer isso, precisou ajustar as linhas de defesa, o que deixou a ele menos espaço para machucar o adversário em seus pontos frágeis.
Ali os números importavam menos do que a postura dos adversários.
Bolsonaro tentou mostrar que o Tribunal Superior Eleitoral agia como cabo eleitoral do opositor ao dizer que a Jovem Pan estava sob censura devido a uma ação movida pelo PT.
“Por acaso é o seu canal de televisão?”, perguntou Lula, lembrando que a emissora fazia campanha descarada ao presidente e que seus advogados foram a Justiça apenas que lembrá-la de que é uma concessão pública e, portanto, deveria respeitar a noção de isonomia em uma campanha eleitoral.
Um dos momentos mais lamentáveis de toda a campanha foi quando os dois candidatos homens tentaram colar um no outro a pecha de abortista. Lula resgatou um discurso de Bolsonaro em seus tempos de deputado em que defendia a distribuição de pílulas abortivas para controle populacional.
Bolsonaro, ao tentar se esquivar, disse que se referia a “pílulas do dia seguinte”, mas acabou citando em TV aberta o NOME de um medicamento para induzir o aborto. Um balaço no pé.
Diferentemente do debate da Band, quando demonstrou cansaço e desatenção, Lula dessa vez conseguiu tirar o adversário do sério ao perguntar diversas vezes por que ele estava nervoso, por que não detalhava projetos sobre seu governo e planos para o Brasil, e se queria dar um tempo para tomar uma água, conversar com assessores e se preparar melhor para o debate.
“Pelo amor de Deus, diga alguma coisa com coisa”, pedia o petista a um adversário que foi a campo para lacrar e precisou passar a maior parte do debate na defensiva.
Bolsonaro tentou repetir a estratégia de chamar o rival para perto, na tentativa de desestabilizá-lo como no debate anterior. Dessa vez viu o ex-presidente virar as costas para ele dizendo “não quero ficar perto de gente como você”.
Olhando para a câmera, como se falasse aos olhos do eleitor, Lula, que terminou a semana à frente nas pesquisas, esperava cada vacilo do rival para questionar se aquela era a postura de um presidente da República.
Bolsonaro foi lembrado de que durante mais de três anos e meio não fez mais do que distribuir coices em parlamentares, juízes, prefeitos, governadores e ex-aliados. Bolsonaro respondeu com mais coices – no fim do debate, correu para trazer à baila os espantalhos da tal ideologia de gênero, do perigo comunista, etc.
Lula não perdeu um segundo em responder conversas do tipo. Parecia ter entendido que quem poderia ser alcançado por conversas do tipo já o foi. Quem não foi não será agora a menos de dois dias da eleição.
A estratégia era deixar Bolsonaro falar e falar e se enroscar sozinho para depois dizer que ele não estava à altura do cargo.
Deve ter funcionado. Em suas considerações finais, Bolsonaro pediu aos brasileiros a oportunidade de trabalhar novamente mais quatro anos como….deputado federal.
O ato falho mostrava que Bolsonaro pode até ter deixado o baixo clero da Câmara, mas o baixo clero nunca saiu dele.
A confissão acidental era tudo o que seus adversários queriam: mostrar que a Presidência da República e Bolsonaro viverão melhor longe um do outro.
Fonte Yahoo News
Port Matheus Pichonelli