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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Sobre Waldemar Bastos

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Waldemar Bastos, que faleceu esta semana com 66 anos, foi uma das pessoas mais interessantes que conheci. Conheci-o em 1991, em Lisboa. O meu falecido irmão, Jaka Jamba, viveu com a família Bastos nos anos sessenta, quando estava no liceu, na então cidade de Nova Lisboa, já que a nossa casa era no Katchiungo.

A minha irmã mais velha, que foi colega de Waldemar Bastos, no liceu, foi trocando histórias com ele — incluindo do tempo em que ele foi preso pela a PIDE. O regime colonial temia um Waldemar Bastos porque ele era um jovem músico que dizia o que pensava.

Também, havia a influência que a música tinha sobre os jovens, mesmo naquele tempo em que os “Waldemar Bastos” e os seus colegas tocavam os Beatles, Shakers etc, havia ritmos dos jovens que continham tons insurrecionistas, que disputavam o espírito de submissão da Mocidade Portuguesa.

Em 1991, quando jantei na sua casa, Waldemar Bastos já estava em Lisboa, naquele meio barulhento da diáspora angolana. Naquele momento, Waldemar insistia na importância da reconciliação.

Lembro-me de Waldemar Bastos numa conferência sobre Angola, em Lisboa, onde, na sua intervenção, quase lagrimando, insistia que o futuro do nosso país só seria garantido se todos estivessem de mãos dadas.

Waldemar Bastos sempre insistiu que nunca tinha deixado Angola. Para aqueles que encaram o mundo ao pé da letra, isto é um pouco difícil de imaginar, mas para nós, que crescemos na diáspora africana, isto faz sentido.

Numa mensagem que recebi do Waldemar Bastos, nos Estados Unidos, quando ele estava no estado de Califórnia e eu no da Florida, ele disse que ia para uma séries de concertos para mostrar algo profundamente angolano para o resto do mundo.

Quando Waldemar Bastos cantava temas como “Humbi Humbi” ou “Mbiri Mbiri” para uma audiência americana, que obviamente não entendia Umbundu ou Kimbundu, havia uma magia que ocorria : Waldemar Bastos, com aquela sua voz e sinceridade, transportava os americanos para um outro mundo, para aquela pureza, quase indefinível, da essência Bantu africana.

Quis sempre escrever a biografia de Waldemar Bastos. Ultimamente tudo já estava no lugar, incluindo, como Waldemar Bastos gostava de dizer, a disposição psicológica

O que é impressionante, é que para alguém que viveu tanto tempo na diáspora, Waldemar Bastos é apreciado por várias gerações de angolanos. A sua canção “Margarida,” que também tem uma versão do Eddy Tussa, é um hino que faz todos dançar aqui no Planalto.

Os jovens aderem àqueles gritos típicos do planalto que fazem referências aos nossos grandes temperos. Estes mesmos jovens choram ao ouvir o sombrio e majestoso “Velha Xica.”

Este alcance músical e criativo faz de Waldemar Bastos um artista sem igual. Eu queria tanto ajudar Waldemar Bastos a reatar aquele seu laço profundo com o Planalto, que queria organizar workshops com músicos jovens e até mesmo com comunidades no interior.

Waldemar Bastos foi um homem muito profundo — é por isso que era sempre convidado para conferências e festivais sobre a cultura africana em várias partes do mundo. Muita gente lá fora queria aprender mais da identidade africana, e grandes músicos como Waldemar Bastos, que tinham deixado a sua marca na “world music” ou “música do mundo,” eram ouvidos atentamente.

Nas entrevistas nos Estados Unidos, Waldemar Bastos fala minuciosamente do génesis das suas canções. A Tia Xica é a sua avó paterna, que ficava de pé até às cinco da manhã para ter garantia de que os seus netos tinham regressado dos concertos.

É está a avô que aconselhava aos meninos a não falar de política. O meu irmão mais velho, Augusto, primogénito da nossa família, conheceu muito bem o jovem Waldemar Bastos (que também praticava desporto) e me disse que o espírito da época consistia em não dizer nada que poderia questionar o sistema colonial.

Imagino, então, a ansiedade da Avó Xica. Há umas canções angolanas que são grandes narrações poéticas. Alberto Teta Landu tem uma canção “Mama Grande” em que fala de uma velha na diáspora que sonha com o país e faz perguntas sobre como é que a terra vai. Nós, da diáspora, parávamos para escutar estas grandes narrativas dos nossos artistas.

Quis sempre escrever a biografia de Waldemar Bastos. Ultimamente tudo já estava no lugar, incluindo, como Waldemar Bastos gostava de dizer, a disposição psicológica. Quando trocamos mensagens sobre a sua biografia, Waldemar Bastos escreveu-me o seguinte, “A minha perspectiva sem ego exacerbado é que esta biografia venha dar num filme realizado pelo Spike Lee pois a história da minha vida é um filme desde nascer ali como filho de enfermeiros, correr por toda Angola, e ser adoptado pelo Huambo.

Fui preso pela PIDE e depois perseguido pelos nossos conterrâneos. A minha vida tem muita realidade vivida para ser contada com o grande tema do amor ao próximo. Isto foi um pequeno intróito…”

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