Por imposição do destino, Isaías Samakuva assume a UNITA nos dois momentos mais importantes da sua já percorrida história pós-Savimbi. O primeiro – que se estende grosso modo entre 2003 e 2012 – começa precisamente com o início da transição imposta pela morte de Jonas Savimbi.
Encostado literalmente às cordas, perante um agigantado MPLA vencedor da guerra, Samakuva destilou frieza, ao engolir os sapos necessários pelo objectivo maior de manter a UNITA em pé. Sujeitou-se às humilhações do poder, resistiu à traição de figuras históricas, com Jorge Valentim à testa, e, no fim de contas, cumpriu o propósito. Depois das legislativas de 2008 e, particularmente, dos resultados eleitorais de 2012, estava consolidada a recolocação da UNITA na condição de maior ameaça externa ao regime do MPLA. Samakuva tinha finalizado, portanto, a sua missão. Era, de facto, o presidente da transição e o resto que se seguiu até 2019 cheirou a bónus.
Agora, em 2021, Samakuva é chamado para um novo teste, tão exigente quanto à prova de gestão da sobrevivência da UNITA, realizada no passado. Só que, desta vez, há diferenças relevantes que não podem ser relativizadas, sob qualquer pretexto. Afinal, ao contrário do passado em que o ‘Galo Negro’ teve de contar mais consigo próprio e agir de acordo com uma leitura autónoma dos factos, hoje há uma inegável pressão da sociedade para que Samakuva conduza o partido num sentido específico. E, como confirma o inquérito da Ango- Barómetro que o Valor Económico divulga esta semana, este sentido específico é o da realização tempestiva do Congresso e a recolocação de Adalberto Costa Júnior na liderança do partido.
Com razão, Samakuva até pode evocar a necessidade de se manter a cultura das múltiplas candidaturas, iniciada justamente em 2003, com a morte de Savimbi. Mas, ao mesmo tempo, não pode negar que qualquer evento que, internamente, impeça a candidatura de Adalberto Costa Júnior às eleições gerais de 2022 levará à desmobilização do apoio popular e ao inapelável descrédito da UNITA.
Porque, mais do que as palavras, os factos não mentem. Os níveis de popularidade de Adalberto Costa Júnior, influenciados em parte pela perseguição irreflectida do MPLA, tornaram-no incomparável a qualquer outro nome cogitável da UNITA. Mais do que isso, consolidaram a sua mensagem de candidato suprapartidário, que se concretiza, de forma mais prática, na criação da Frente Patriótica Unida.
No fundo, Samakuva tem nas mãos o futuro do seu partido, com dois cenários previsíveis e únicos. O de uma crise existencial, precipitável por uma eventual anulação de Adalberto Costa Júnior, e o da credibilização definitiva, aos olhos dos que encontram no contexto político actual a oportunidade derradeira para a alternância. E estes, os que anseiam pela queda da autocracia, a julgar pelas sondagens e pelos factos, são indiscutivelmente a maioria.
Evaristo Mulaza | In editorial | Valor Económico