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Domingo, Novembro 24, 2024

Reni Eddo-Lodge: “O racismo é um problema estrutural e requer uma resposta política”

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O seu livro sobre racismo fez dela a primeira mulher negra britânica líder de vendas no Reino Unido. E uma referência do movimento Black Lives Matter.

Às vezes é preciso dar um soco na mesa para ser ouvido. Ou inventar um título provocativo para um livro. A jornalista Reni Eddo-Lodge (Londres, 31 anos) escreveu há três anos Por Que Eu Não Converso Mais Com Pessoas Brancas Sobre Raça, publicado no Brasil pela Letramento Editora e Livraria. Em Junho, no auge do movimento Black Lives Matter, ela se tornou a primeira autora negra britânica a liderar a lista de livros mais vendidos no Reino Unido. Nessa época, descobriu que há muitas pessoas brancas interessadas em escutar sua mensagem: não basta se convencer de que raça não importa. É preciso poder detectar o racismo estrutural, diferente em cada país, que afeta em maior medida o mundo do trabalho, acadêmico e político.

PERGUNTA. Porquê estrutural?

RESPOSTA. Eu estava tentando dar um nome concreto ao preconceito presente em nossas instituições. Há muitos anos comecei a olhar as estatísticas oficiais básicas sobre desemprego, habitação e saúde, simplesmente para ver qual o resultado obtido em todas essas instituições por pessoas de cor.

Eram dados coletados por organizações independentes ou pelo próprio Governo britânico. E os resultados com que me deparei eram espantosos. Uma desvantagem sistemática das pessoas de cor em comparação com a população branca. A pergunta que me fiz era óbvia.

Isto é produto de discriminação ou simplesmente as pessoas de cor não estão intrinsecamente capacitadas? E como não acredito que haja razões concretas pelas quais as habilidades ou a capacidade para ter sucesso sejam menores, concluí que se tratava de racismo estrutural. Outros preferem chamá-lo de institucional.

P. Seu compromisso antirracista se alimentou dos movimentos nos Estados Unidos, mas o mérito de seu livro está em investigar a sociedade do Reino Unido.

R. Acho que o fato de o livro ser tão específico inspirou colegas de outras partes da Europa a começar a examinar sua própria história, a recorrer a seus próprios arquivos.

E isso me desperta muito interesse, pois considero que este continente desempenhou um papel fundamental na construção de um conceito de raça. Desenvolveram-se teorias sobre a raça, aproveitando o tráfico intercontinental de escravos, nas quais se apontavam atributos físicos diferenciais, como o cabelo ou a cor da pele, para indicar supostas vantagens físicas ou intelectuais de uma raça sobre a outra.

Quero que cada país se concentre em sua própria história, não pretendo uma leitura homogênea do racismo. Gostaria que os pesquisadores locais trouxessem à luz aquela parte da história que o país preferiria não encarar.

P. Não basta uma resposta individual, você diz. É necessária a política.

R. Acho que isso requer um esforço colectivo. Claro que concordo que é necessária uma resposta política e penso que é uma vergonha absoluta que o Governo britânico, perante este desafio impressionante, tenha decidido aderir a uma política de guerras culturais.

Porque o ímpeto para a mudança existe neste momento na opinião pública, e é lamentável que as autoridades britânicas não sejam capazes de apresentar algum tipo de reforma interessante para alterar as condições estruturais.

P. A ideia de criar um partido político da negritude não a atrai?

R. Me preocupa muito que acabemos isolados em grupos concentrados no combate à discriminação. Venho de um terreno político baseado em coalizões, em que se potencializa a perspectiva geral compartilhada para se poder ser mais fortes e gerar resistência.

Quando eu era jovem, não andava exclusivamente em grupos de negros. Tínhamos muitos relacionamentos, por exemplo, com organizações de jovens judeus. Porque entendíamos que nenhum de nós se beneficiava da ascensão da extrema direita. Portanto, a ideia de um partido centrado na negritude não me interessa. Prefiro construir coalizões.

P. Você dedica um capítulo inteiro ao movimento feminista, do qual fez parte, para denunciar suas contradições com relação ao racismo.

R. Acho que melhorou um pouco, mas não sei se sou a mais indicada para dizer isso, porque o sucesso do meu livro me deu a vantagem de poder promover mudanças nesse aspecto específico. Mas ainda ouço argumentos ou histórias de jovens feministas que considero desanimadores.

Temos que entender que milhares de mulheres podem enfrentar discriminação em diferentes contextos, em espaços políticos ou culturais diferentes.

E temos que ser capazes de entender claramente essas diferenças para combater de modo eficaz o machismo. Não são as diferenças que nos dividem, mas nosso fracasso em entender essas diferenças e abraçá-las.

P. Poderia haver alguma semelhança entre essa rejeição inicial de incorporar a raça em seu discurso com as reticências atuais de algumas feministas em relação ao movimento trans.

R. Acho que as feministas que veem nossas irmãs trans como suspeitas prestam um péssimo serviço. Alguns dos argumentos que escuto hoje me lembram do discurso homofóbico dos anos oitenta. Apresentam as pessoas trans como predadoras sexuais, discutem sua escolha de gênero como algo distorcido, atormentado.

Como feminista, acredito na autonomia do corpo, como acontece com os direitos reprodutivos. Não quero que o Estado interfira no que decido fazer com meu corpo. Não entendo que, no Reino Unido, alguns grupos feministas estejam fazendo campanha para que o Governo limite a soberania das pessoas trans sobre os próprios corpos ou se imiscua em sua saúde mental. Acho isso muito preocupante.

P. Nota alguma mudança de atitude?

R. Desde que o livro foi publicado, a parte cínica que eu carrego descobriu com espanto a quantidade de pessoas que querem compreender, debater e abrir suas mentes. Tornei-me menos cínica, mas ao mesmo tempo um pouco mais.

Porque às vezes me incomoda que o discurso antirracista se tenha tornado moeda corrente, sem parar para pensar. Mas, sim, eu converso com muito mais pessoas brancas agora (risos).

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