Governo e Congresso deram um grande passo para transparência e racionalidade do sistema de impostos. Se este será o Plano Real da presidência Lula, vai depender da implementação no longo prazo, opina Alexander Busch.
Poucos dias atrás, os baianos vivenciaram uma dessas apresentações folclóricas com que tradicionalmente governos estaduais e empresas ostentam em público sua coesão: ao som dos tambores dos blocos afro Ilê Aiyê e Olodum, a montadora BYD anunciou a intenção de construir um complexo tecnológico em Camaçari. Lá se produzirão carros, caminhões e ônibus elétricos, assim como matérias primas para baterias de automóveis.
Dois anos atrás, a Ford fechava em Camaçari sua maior fábrica da América do Sul. O que governo e empresa não fazem questão de propalar, é que para a BYD o investimento vem adoçado com uma redução de 95% do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), até o ano 2032.
Com a reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (06/07), isso não será mais possível. Os estados poderão continuar atraindo companhias com benefícios fiscais; também continuam sendo possíveis reduções do futuro imposto sobre bens e serviços, que unirá os atuais ICMS
Além disso, as subvenções terão que ser registradas no orçamento oficial. Isso impossibilita, tanto às empresas quanto aos estados, de presentearem-se mutuamente com vantagens, na pouco transparente selva tributária do Brasil.
Para qualquer governo estadual, é mais difícil justificar politicamente por que se subvenciona uma fabricante de automóveis com vários milhões, enquanto faltam verbas para hospitais e escolas. Por outro lado, ninguém realmente repara num corte tributário, como tem sido praticado até agora – com exceção do tesoureiro, que se queixa das receitas perdidas.
Êxito comparável ao do Plano Real?
No geral, a atual reforma tributária é um imenso passo adiante, tanto para o governo federal como para o Congresso. Ela intensifica a transparência do sistema tributário e evita impostos em cascata na produção – os quais elevam a carga tributária a cada fase de processamento, e no fim quem paga a conta é o consumidor.
Os impostos elevados, pouco justificáveis e que sobrecarregam a produção, são o motivo principal por que o Brasil é hoje um país onde consumir é tão caro: muitos artigos do dia a dia custam tanto ou até mais do que em países industrializados com salários médios muito mais altos.
A reforma tributária pode ser o Plano Real do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, tem dito o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Para recordar: com esse programa econômico, em 1994 Fernando Henrique Cardoso conseguiu conter uma inflação há décadas galopante, e estabilizar a moeda nacional.
Até hoje, mais de 30 anos depois, o real ainda é a moeda brasileira corrente. A estabilização do poder aquisitivo concedeu, em meados dos anos 90, um impulso à economia e investimentos no Brasil de que até o presidente Lula se beneficiou em 2003.
A atual reforma tributária não terá um êxito de efeito tão rápido assim: um fim da inflação é registrado imediatamente pelo consumidor – sobretudo o mais pobre, que não tem como se proteger –, com a renda adicional no bolso. A reforma, em contrapartida, precisará de mais tempo para ser implementada.
O Ministério das Fazenda conta com um incremento do crescimento econômico entre 12% e 20%, nos próximos 15 anos, o que equivale a mais R$ 470 por cidadão brasileiro e 12 milhões de novas vagas de trabalho.
Decisivo é o sucesso da implementação de longo prazo. No momento, parece improvável implementar uma segunda fase da reforma, com a tributação das rendas e dividendos mais altos – embora, na realidade, ela seja urgentemente necessária para tornar mais justo o sistema tributário nacional.
Ainda assim, governo e Congresso têm motivos para se orgulhar de sua realização: são poucas, em todo o mundo, as democracias em que atualmente seria possível uma reforma tributária tão abrangente como a aprovada nesta quinta-feira pela Câmara.