A cadeia de produção, distribuição e consumo de bens produzidos nos campos agrícolas do país continua a enfrentar sérios problemas, com grandes prejuízos para os agricultores, que perdem parte significativa da sua produção.
Na base do problema, vivido há várias décadas pelos profissionais do campo, em grande parte do território nacional, está o débil sistema de escoamento de produtos.
Em alguns casos, as perdas nas zonas de produção decorrentes do não escoamento para os centros de consumo chegam um terço e noutros a 50 por cento da produção, apurou a ANGOP, com base numa amostra feita em seis, das 18 províncias do país.
O problema da falta de escoamento de produtos, principalmente os da cesta básica, agudiza-se pela falta de meios de transporte e devido à degradação acentuada das estradas.
Diante dessa realidade, o dia-a-dia dos homens do campo é de muita luta e sacrifícios.
Os profissionais fazem de tudo para comprar sementes, equipamentos e fertilizantes, mas acabam por ficar bloqueados na hora da colheita, por não haver estradas para escoar.
Essa realidade é vivida, em particular, na província da Huíla (sul do país), com uma produção de 514 mil e 579 toneladas de produtos diversos, correspondente a três por cento do total da produção nacional (21 milhões de toneladas).
Naquela localidade, os camponeses perdem, anualmente, em média, um terço da sua produção, ou seja, 171 mil e 526 toneladas, por falta de meios de transporte e estradas.
Com condições climáticas propícias para a prática da agricultura o ano todo, a Huíla, com tradição na fruticultura, perde, constantemente, frutas, legumes e hortícolas.
A título ilustrativo, em 2019, mais de 80 mil toneladas de fruta, entre maçã, pêssegos, pêra e morangos, estragaram-se na Humpata, e outras 20 mil de hortícolas ficaram degradadas na Chibia, Cacul e Quilengues, por dificuldade de transporte.
Sempre que isso acontece, a batata-rena estragada é transformada em semente para o ano seguinte, um problema crónico que inibe pequenos, médios e grandes produtores a expandir as terras agricultáveis e fazer a revolução verde em Angola.
Apesar das perdas sistemáticas da sua produção, a presente campanha envolve 314 mil e 604 famílias camponesas, inseridas em 835 associações de camponeses.
Estes cultivaram uma área de 605 mil 354 hectares e estão a colher perto 514 mil e 579 toneladas de produtos diversos, 417.579 do quais cereais.
A dificuldade de transporte está a olho de todos e à beira das estradas nacionais, onde se acumulam enormes quantidades de produtos agrícolas à espera de transporte para os fazer chegar às cidades, sobretudo aos municípios da Matala, Quipungo, Caluquembe, Quilenges, Humpata, Cuvango, Caconda e Chipindo.
Conforme Simão Candjuvi, agricultor de Caluquembe, que vive o dia-a-dia dessas dificuldades, na presente época agrícola colheu mais de 37 toneladas de produtos diversos, com realce para 21 toneladas de milho e tubérculos. Todavia, grande parte da batata rena deteriorou-se no campo.
Afirma que não adianta colher sem garantias de conservação em câmaras de frio, que não existem, e pela falta de transporte para tirar a produção do campo e mandá-la para os principais mercados das províncias de Benguela, Cuanza Sul e Luanda.
Comerciante há 15 anos, Justo Macedo adquiriu este ano 59 toneladas de milho, em quatro municípios da província, mas teve antes de encetar contactos com os agricultores que tiveram de acumular a safra à beira das vias com recurso a carroças de boi.
A razão disso é a mesma de sempre: falta de transporte.
Para si, é um esforço que ajuda os camponeses, mas reduz as margens de rendimento, devido aos custos em fretes que custam metade do valor investido na aquisição.
Aponta a agricultura como sector cada vez mais apetecível dos investidores e empreendedores, cada vez mais encarada como uma oportunidade de negócio, daí encorajar a recuperação de estradas que ligam os centros de produção.
A propósito, a directora do gabinete da Agricultura, Pecuária e Pescas, Mariana Soma, admite que das mais de 400 mil toneladas de produtos diversos colhidas anualmente um terço acaba por apodrecer nos campos, por dificuldades de transporte.
Porém, assegura que o governo da Huíla está a estudar uma solução que passa por estabelecer acordos com proprietários de frotas viaturas pesadas, a fim de facilitar o transporte de mercadorias do campo para os centros de consumo. Adianta que as conversações já em curso.
Por sua vez, o director do Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA) na Huíla, Carlos Kamwenho, revela que a província necessita de reabilitar dois mil km de estradas secundárias e terciárias, mas a maior parte delas estava inserida no PIP.
Explicou que essas obras não têm financiamento nessa altura, sublinhando que,
no âmbito do PIIM, estão em obras de terraplenagem perto de 300 quilómetros, nos municípios da Matala, Quilengues, Chicomba, Humpata e Quipungo.
Benguela
Em Benguela, província do litoral com produção anual estimada em mais de 800 mil toneladas, a realidade é a mesma, sendo a falta de escoamento um problema constante.
Na primeira fase da campanha agrícola 2019/2020, essa província atingiu uma produção de 248 mil toneladas, das 289 mil e 626 toneladas previstas.
Segundo as autoridades locais, 35 por cento dessa safra degradou-se nas áreas de cultivo, por falta de escoamento.
A par das dificuldades para fazer chegar a produção aos principais centros de consumo, os produtores enfrentam problemas climáticos, inundações e escassez de fertilizantes
Esses factores influenciaram para a quebra em mais de 41 mil toneladas, segundo o chefe de departamento provincial da Agricultura, Martinho Gabriel.
Apesar da limitação de recursos financeiros, o Governo continua a incentivar o aumento da produção e, em Janeiro último, distribuiu 50 tractores a 10 brigadas dos municípios.
Distribuiu ainda mil e 849 charruas, sendo 350 para a Ganda, igual número ao Cubal, 250 distribuídos no Caimbambo, quantidades idênticas para o Chongoroi, Bocoio e Balombo, 50 outras ao Lobito, 50 e 49, respectivamente, para Baía Farta e Benguela.
Já na Ganda, município que dista a mais de 200 quilómetros da cidade sede (Benguela), famílias camponesas e fazendeiros tem vivenciado muitas dificuldades, sobretudo nas áreas produtoras do Casseque, Chicuma, Munguavolo e Kalussipa.
Conforme relatos dos produtores, não é possível o acesso com qualquer tipo de automóvel àquela localidade, por haver troços em que as viaturas rodam sobre pedregulhos, crateras, riachos e pontes improvisadas de troncos de árvores.
Orlando Dumbo, que produz no Casseque e na Chicuma, considera triste ver toneladas de diversos a estragar-se, porque os camionistas não arriscam em colocar os veículos nestas zonas produtivas, cujas vias não oferecer condições de segurança.
A propósito da problemática da oferta de transporte de carga, o director do gabinete provincial dos Transportes, Tráfego e Mobilidade Urbana, André Ricardo, disse, à ANGOP, que Benguela está bem servida em termos de camionagem.
Segundo o responsável, estão registados mais de mil 500 camionetas, todavia, a grande questão tem a ver com a degradação continuada das estradas.
“As vias que ligam às comunas, àquelas chamadas terciárias, estão praticamente intransitáveis, porque nunca receberam obras de melhoria”, afirma, sustentando que, por esta razão, o negócio da camionagem em Benguela deixou de ser rentável.
Acrescenta que, com excepção dos utentes de viaturas de capacidade de até três toneladas, os demais vivem pura estagnação, já que a maioria prefere o uso de motorizadas de três rodas para chegar aos campos, do que viatura que não têm acesso às zonas de cultivo.
André Ricardo considera que, nas zonas de cultivo, durante o período de chuvas, nem mesmo as viaturas com tracção “4×4” podem circular, aumentando a grandeza da dificuldade do escoamento dos produtos de produção local.
Explica que os municípios servidos pela linha do Caminho-de-Ferro de Benguela recorrem ao comboio para atenuar as dificuldades de mobilidade com os bens agrícolas.
Lunda Sul
Na Luanda Sul, Leste do país, os estragos do não escoamento da produção são assustadores. A província regista, na presente campanha agrícola, redução de mais de 100 por cento, ou seja, a colheita baixou de 500 mil para 200 mil e 624 toneladas.
Na campanha agrícola 2018/2019 foram preparados, manualmente, 101 mil e 241 hectares e 426 mecanizados, tendo sido colhidas mais de 800 mil toneladas de produtos diversos, como mandioca, batata-doce e feijão.
Além de falta de transporte, a província não dispõe de indústria transformadora absorver a produção que os agricultores familiares e empresariais não conseguem escoar.
Segundo o director do Gabinete provincial da Agricultura e Florestas da Lunda Sul, Nelson Senguetali, noutras épocas as perdas situam-se em 50 por cento, situação que torna insustentável a actividade de pequenos e médio-agricultores.
Nessa região do Leste, a maior produção recai para a cultura da mandioca, que ocupa uma área de cultivo com mais de 71 mil hectares, com previsão de colheita de 200 mil toneladas.
Segue-se a batata-doce e o milho, produzidos numa área de 12 mil e 559 hectares, com previsão de colheita de 33 mil 268.
Outras culturas agrícolas produzidas na região são milho, girassol, arroz, massango, abacaxi, massambala, soja e banana.
De acordo com os profissionais locais, não basta o Governo apoiar os camponeses e os agricultores com sementes, equipamentos (tractores) e fertilizantes, devendo reabilitar e construir novas vias, para facilitar o escoamento dos produtos.
Para a campanha em curso, o Governo disponibilizou um kit de desmatação 36 tractores agrícolas, que resultaram na constituição de 10 brigadas de mecanização, distribuídos por todos os municípios desta parcela do território.
O Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) disponibilizou ainda 40 toneladas de adubos compostos, 13 de ureia, 14 de sulfato de amónio, cinco mil enxadas, duas mil e 901 catanas e mil machados.
De acordo com Bela Masseca, proprietária de uma fazenda no Sombo, que produz mandioca em grande escala, numa área de 20 hectares, banana, batata-doce e abacaxi (em pequena escala), maior parte dos produtos colhidos degradou-se.
Em média, informa, perde cinco toneladas de mandioca. Quando aluga uma viatura fica oneroso, devido às más condições das vias de acesso.
Já o proprietário da fazenda agropecuária, António Chilala, que dista a 30 quilómetros de Saurimo, produz mandioca em 78 hectares e 46 de abacaxi, cinco de frutas e três de hortícolas.
A sua dificuldade é a comercialização da produção e indústrias para a transformação da manga e outras espécies existentes.
Bié
No Bié, província com potencialidades e tradição no cultivo do milho, feijão, arroz e mandioca, produtos que também fazem parte da cesta básica, há previsão de colher mais de 840 mil toneladas de produtos diversos, este ano.
Entretanto, a grande dúvida reside no escoamento integral dessa produção, à semelhança das demais, o que desanima os profissionais do campo.
A província conta com 431 fazendas, destas 172 no município do Cuito, Catabola com 79, Camacupa com 49, Chinguar 41, Chitembo 35, Andulo com 28, Cunhinga 19, Nhârea com cinco e Cuemba com dois, tendo somente uma com categoria de grande fazenda agro-industrial, em Camacupa.
O agricultor Afonso Satula, detentor de uma fazenda de 200 hectares, diz ter reduzido a produção, nos últimos anos, porque apenas 30 hectares têm estado a servir no cultivo de café, milho, soja, banana e hortícolas, devido à falta de escoamento destes produtos.
O profissional conta à ANGOP que, em média, perde anualmente mais de 10 milhões de kwanzas pela deterioração dos seus produtos do campo.
Por sua vez, Alféu Vineval afirma que perto de 200, dos 230 hectares de uma fazenda com trigo, equivalentes a 200 toneladas do cereal, no Chinguar (Bié), deterioram na última campanha agricola (2019), por falta de máquinas para a colheita.
O fazendeiro produziu o cereal em 230 hectares, mas, por falta de máquinas, apenas colheu 30 hectares (duas toneladas por HA) de forma manual, por 50 pessoas, em três meses, sendo que os restantes estragaram no campo, por falta de máquinas para colheita.
Apesar dos problemas serem os mesmos, na campanha em curso a sua fazenda vai colher duas mil e trinta toneladas de trigo e milho, no município do Chinguar.
Neste momento, segundo a fonte, está a efectuar a colheita de milho nos 229 hectares de terra cultivados e posteriormente será a cultura do trigo, numa área de 129 hectares.
Alféu Vinevala estima um aumento de 600 toneladas de milho, ao passo que a de trigo poderá subir para cerca de 200 toneladas, comparativamente à colheita de 2019.
Quanto à batata-rena, assegura que os níveis de produção vão se manter nas oito mil toneladas, em 200 hectares, num investimento de mais de cem milhões de kwanzas.
Lunda Norte
O mau Estado da Estrada Nacional 225, numa extensão de 26 quilómetros, condiciona o escoamento dos produtos da cesta básica produzidos na parte sul da Lunda Norte.
Por esta razão, produtores do município de Xá-Muteba, cerca de 500 quilómetros da cidade do Dundo, optaram por escoar a sua produção para a província de Malanje.
O produtor Henrique Quitumba, proprietário da maior fazenda na região sul da província, com cerca de 800 hectares preparados, diz ter dificuldades de escoar para o principal mercado da província da Lunda Norte, Dundo, por não possuir um camião.
Informa que, na presente campanha, pretende colher 90 toneladas de mandioca, banana, batata-doce, ananás, milho, cebola, batata rena, couve, repolho, alho e maracujá, que serão todos escoados para Malanje.
Já a Fazenda Cacanda, a maior da província da Lunda Norte, baixou o seu nível de produção em 70 por cento, por observar-se quebra na procura local, segundo o seu responsável, Telmo Lopes.
A fazenda já teve muita produção, sobretudo de ovo, carne e hortícolas, mas o seu escoamento era deficiente, o que obrigou a reduzir de 100 para 70 a sua produção.
Actualmente, aposta na criação de um mercado específico para a comercialização de produtos do campo, no modelo de férias.
Nasceu da reabilitação e modernização da antiga Fazenda Cacanda, construída há mais de 40 anos, pela extinta Diamang, e comporta 12 aviários e seis naves.
Tem ainda fábrica de rações, igual número de matadouro, oficinas, viveiros de plantas, centros de formação agrícola e de sementes, habitações para gestores e trabalhadores.
Actualmente, o projecto conta com dez mil galinhas, 160 cabeças de gado bovino, 60 suínos e cerca de cinco hectares para a produção de hortícolas.
Em relação à estrada EN-225, recentemente o governador da Lunda Norte, Ernesto Muangala, anunciou que o Ministério da Construção contratou seis empresas para recuperar o troço, sobretudo nos 26 quilómetros que faltam asfaltar.
Cabinda
Em Cabinda, nos municípios de Cacongo, Belize e Buco Zau, há produção diversificada de banana, mandioca, café, amendoim, dendém, citrinos, e feijões.
Entretanto, a falta de meios inibe os camponeses e empresas agrícolas de aumentar a produção e escoar para a cidade sede ou para os mercados de Ponta Negra, República do Congo.
A produção média mensal de banana nesta província mais ao norte do país é acima de 20 toneladas, mas, muitas vezes, essa safra estraga-se, porque as estradas ou picadas estão em estado avançado de degradação.
O agricultor Victor Manuel, coordenador da Cooperativa Cubongo, no município de Cacongo, diz ser este um dos principais constrangimentos dos agricultores, que tem provocado a deterioração de grande parte dos produtos, sobretudo os citrinos.
Por sua vez, o agricultor Bernardo Faria lamenta o facto de Cabinda não ter qualquer indústria para transformar os produtos agrícolas, facto que ajudaria na diminuição das importações e criaria maiores incentivo aos agricultores para aumentar a produção.
Informa que este ano agricultores colheram 4,6 toneladas de café mabuba, que aguardam por escoamento, e outras quantidades por contabilizar, incluindo o cacau.
O problema do escoamento da produção agrícola no país e não só é generalizado, tanto mais que investidores de outros segmentos de actividade dificilmente procuram optar por aportar investimento longe dos centros urbanos.
Por isso, de acordo com os homens do campo, há necessidade de o Governo pôr em marcha e em velocidade cruzeiro o plano nacional de salvação de estradas e, no âmbito do PIIM, reabilitar e construir novas vias secundárias e terciárias.
A fazer fé ao desejo dos camponeses, o país tem recursos humanos para continuar a produzir produtos da cesta básica que tornar-se, a médio prazo, autossuficiente. Para tal, os agentes económicos só exigem uma coisa: boas estradas para escoar os produtos.