O Museu de Arte Moderna de Paris preparou a exposição “O poder das minhas mãos” que reúne 16 artistas africanas, nomeadamente as angolanas Keyezua e Ana Silva e a moçambicana Reinata Sadimba. A angolana Suzana Sousa é co-curadora desta mostra e leva-nos a descobrir as obras, as artistas, os temas e os questionamentos deste trabalho.
O Museu de Arte Moderna de Paris aguarda o levantamento das restrições sanitárias para abrir ao público uma exposição onde as mulheres têm o dom da palavra e da expressão. “O Poder das minhas mãos – Áfricas: artistas mulheres” é o nome da mostra que reúne 16 artistas africanas com carreiras consolidadas e outras mais jovens, nomeadamente as angolanas Keyezua e Ana Silva e a moçambicana Reinata Sadimba.
A exposição faz parte do programa “Temporada África 2020” [que também levou a Paris o fotógrafo moçambicano Mário Macilau] e foi concebida pela curadora independente angolana Suzana Sousa e pela curadora do Museu de Arte Moderna de Paris, Odile Burluraux.
“O foco principal é a experiência quotidiana dessas mulheres. A exposição chama-se ‘The Power of My Hands’ que é o título de uma obra da Keyezua. Escolhemos o título por ser um título forte mas também porque essa obra tem esta ideia de trabalho manual. É uma obra que usa cabelos falsos, tece os cabelos uns nos outros e comporta esta ideia de trabalho manual que a nós nos interessava e que, no fundo, resume um pouco os restantes trabalhos”, explicou à RFI Suzana Sousa, na entrevista que pode ouvir neste programa CONVIDADO.
As pinturas, cerâmicas, fotografias, vídeos e performances remetem para o corpo, a espiritualidade, a memória, a maternidade ou a família, temas universais contados pelas mãos de quem é largamente sub-representado nos museus do mundo inteiro.
“As artistas mulheres são altamente sub-representadas no mundo inteiro e, no caso da arte africana, mais ainda. Para nós tornou-se relevante que essa experiência e essa vivência fosse representada por mulheres. Há um conjunto de elementos que essas artistas apresentam que, efectivamente, diz respeito às mulheres africanas mas que nós acreditamos – eu em particular – acredito que faz eco com as mulheres do mundo inteiro”, descreveu a curadora angolana.
A exposição mostra obras de Stacey Gillian Abe, Njideka Akunyili Crosby, Gabrielle Goliath, Kudzanai -Violet Hwami, Keyezua, Lebohang Kganye, Kapwani Kiwanga, Senzeni Marasela, Grace Ndiritu, Wura-Natasha Ogunji, Reinata Sadimba, Lerato Shadi, Ana Silva, Buhlebezwe Siwani, Billie Zangewa e Portia Zvavahera. Nesta entrevista, Suzana Sousa leva-nos a descobrir as obras, as artistas, os temas e os questionamentos desta mostra que é, para ela, o primeiro projecto curatorial que realiza em França.
“Por exemplo, a Billie Zangewa, que é uma artista sul-africana, reporta-nos a vida doméstica, o lar, os momentos de simplicidade que todos nós temos – ler um livro, tomar um duche – e que chamam a atenção para como a vida acontece em cada um de nós. No caso deste grupo de mulheres, o facto de serem negras e serem africanas comporta ainda uma terceira dimensão do discurso neste momento do Black Lives Matters que eu acho que não podemos não olhar e que torna ainda mais relevante a exposição que é como a experiência humana é tão igual. Todos estes momentos que nós temos nesta exposição, vividos por estas artistas, são relacionáveis, independentemente das nossas crenças, da nossa cor da pele, de como nos pensemos como indivíduos. Todos nós passamos por momentos de perder a mãe, como uma das artistas apresenta em fotografia. Todos nós reconhecemos os momentos de introspeção e religiosidade que a obra da Portia Zvavahera comporta. Então, há aqui um reconhecer da experiência negra que, ao mesmo tempo, coloca essa experiência no mundo, num gesto de sublinhar a igualdade entre todos nós”, descreveu Suzana Sousa.
A exposição é percorrida pelos temas da intimidade, memória, família, espiritualidade, a fisicalidade. “A divisão por temas foi para facilitar a leitura da exposição, mas há uma série de diálogos que as obras estabelecem entre si e entre temáticas. Por exemplo, o tema da memória surge em várias artistas mas a forma como elas usam essa memória por vezes liga-se à questão espiritual, outras vezes liga-se à questão familiar (…) Pretendemos deixar um espaço aberto para que houvesse uma interpenetração nos temas e isso permite depois ligar as artistas entre si e ligar inclusive gerações porque há artistas de gerações muito distintas.”
A moçambicana Reinata Sadimba, nascida em 1945, trabalha apenas cerâmica e representa “essa invisibilidade das mulheres e das artistas mulheres em particular” porque “é uma artista que tem já muitos anos de trabalho mas que infelizmente não é visível”. Além disso, ela tem alguns “elementos muito particulares na sua obra como a herança maconde e a forma como ela explora em todos os seus trabalhos essa herança através das tatuagens que essas figuras têm e que são muito semelhantes às que ela própria carrega”.
A angolana Ana Silva, nascida em 1969, apresenta a obra “O Fardo”, no qual ela borda no plástico dos sacos que transportam roupas usadas que vêm do Ocidente para o continente africano. “A nós interessava-nos não só este gesto do bordado, de criar beleza a partir de algo usado e que seria descartado de outra maneira, mas também o que esses sacos significam. Os fardos têm um impacto económico no continente africano e interessava-nos olhar como estes trânsitos vêm cheios de significados e têm consequências concretas na vida das pessoas. A obra dela, de uma maneira muito subtil, permitia-nos olhar para estes trânsitos globais, para este lado mais de economia e de política global, ao mesmo tempo que ela está a explorar especificamente a sua própria memória.”
A angolana Keyezua, nascida em 1988, apresenta, então, a obra que inspirou o título da exposição, “The Power of My Hands”. “Os cabelos falsos – que são muito populares em África e representam uma economia de biliões de dólares – vêm também eles com uma história que nos reporta ao período colonial, à construção de conceitos de beleza e como esses conceitos de beleza estão tão presentes até aos dias de hoje e quais são as consequências disso. Tem também o lado que eu falava inicialmente do trabalho manual, deste trabalho que é feito por pessoas e, no caso particular do continente, os penteados têm uma história própria e muito antiga que vem dos seus significados ao nível dos reinados africanos pré-coloniais que continuam até hoje e que têm sido recriados dentro desta tal economia global dos cabelos”, acrescentou a curadora.
As expectativas da exposição são grandes porque “colocam estas artistas no panorama da arte internacional”, algo que “para algumas delas não era tão acessível”, e também dá a conhecer o seu trabalho através do catálogo criado para o evento. A mostra deveria, inicialmente, estar patente de 22 de Janeiro a 30 de Maio, mas o fecho dos museus em França devido à pandemia de Covid-19 obrigou também ao adiamento da abertura desta exposição ao grande público, ainda sem data prevista.