Durante a entrevista ao programa “Roda Viva”, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez acenos ao governo Lula e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Disse que fará tudo o que estiver ao seu alcance para aproximar o BC da gestão petista, depois de críticas recorrentes de Lula e aliados ao Banco Central e a atual taxa de juros do país, de 13,75%.
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Campos Neto também fez referência ao “esforço” do Executivo para arquitetar uma nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos, dizendo que ele deve trazer resultados positivos. O dirigente, no entanto, foi enfático ao dizer que não concorda com uma mudança da meta da inflação neste momento.
O presidente do BC concedeu a entrevista após sofrer uma série de ataques de Lula, que chamou os juros de “vergonha”, a autonomia do BC de “bobagem” e se referiu ao presidente do BC como “esse cidadão”.
Ao falar por duas horas no programa da TV Cultura, Campos Neto mandou uma série de recados ao governo Lula. Veja os principais:
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Sem mudança na meta
Campos Neto disse que uma mudança da meta de inflação teria como “efeito prático a perda de flexibilidade”. Neste ano, a meta é de 3,25%, enquanto que em 2024 é de 3%. O patamar é definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que, além de Campos Neto, é formado pelos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet (Planejamento).
A mudança nas metas permitiria uma inflação maior e abriria, em tese, caminho para uma queda mais rápida dos juros.
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O presidente do Banco Central disse fazer parte de uma corrente de economistas que entende que uma mudança de meta neste momento, “sem ter um ambiente de tranquilidade, vai gerar um efeito contrário ao desejado”. Ele afirmou que discorda do grupo de economistas que defendem que a meta atual é muito difícil de ser atingida porque foi fixada num momento de inflação mundial baixa.
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— Se mudar a meta, vai ter o efeito contrário. O mercado vai pedir um prêmio de risco maior ainda. O que vai acontecer é o efeito contrário. Em vez de ganhar flexibilidade, vai acabar perdendo flexibilidade. Não existe ganho de credibilidade aumentando a meta — disse.
‘Vontade’ não derruba juros
O presidente do BC reiterou que a “vontade” não é suficiente para derrubar a taxa básica de juros. O Banco Central estabelece a Selic, mas a curva de juros, precificada pelo mercado, que é usada como referência inclusive pelo Tesouro Nacional para se financiar.
— Eu não consigo simplesmente falar assim “vamos cair o juros porque precisamos cair o juros”. Os juros são determinados pelo mercado, eu determino um pedaço dos juros. Para isso se propagar pela curva, é preciso ter credibilidade, e a credibilidade não se ganha simplesmente porque tem uma vontade de cair os juros — disse.
Comunicado não é político
Campos Neto também afirmou que as mensagens do Comitê de Política Monetária (Copom) não tem cunho político, mas um teor técnico. O Copom é formado pelo presidente do BC e seus diretores.
Ao estabelecer a Selic, o Copom divulga um comunicado e depois uma ata (mais detalhada) para explicar a decisão. Ao manter a Selic em 13,75% no começo de fevereiro, o Copom não mencionou as medidas fiscais anunciadas por Haddad, o que foi mal recebido pela equipe da Fazenda.
— Nada é uma mensagem política. É meramente uma linguagem técnica — afirmou. — Em nenhum momento foi desviado nada para fazer nenhum tipo de menção ou tomar qualquer tipo de posição política.
Copom é colegiado
O presidente do Banco Central também reforçou que não toma as decisões sozinho. Afirmou que tem um dos votos no Comitê de Política Monetária e que muitas vezes o presidente é voto vencido. E mencionou um caso desse tipo recente no Banco da Inglaterra, o banco central do Reino Unido.
— Todos as decisões (no Copom) são colegiadas, o presidente do Banco Central não decide sozinho — disse Campos Neto.
Inflação penaliza o mais pobre
Campos Neto afirmou que a instituição “não gosta de juros altos”, disse que quer fazer o melhor possível para ter o juro baixo. Mas afirmou ser necessário manter a inflação controlada para haver bem-estar social. Porque, segundo o presidente do BC, a inflação penaliza mais as camadas mais pobres da população.
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— A nossa agenda toda do Banco Central é (pensando) no social. Então, a gente acredita que é possível fazer fiscal junto com o bem-estar social. Mas a gente acredita que é muito difícil ter bem-estar social e inflação descontrolada porque a inflação é um imposto que afeta muito a classe média baixa — disse.
Sinalização fiscal melhora cenário
O economista negou que tenha faltado reconhecimento, por parte do Banco Central, do esforço fiscal do ministro da Fazenda. Segundo ele, o comunicado divulgado logo após o encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) é mais sintético, e não havia espaço para desenvolver o assunto. Isso foi feito, afirmou, na ata do Colegiado.
Ele disse que a aprovação de medidas propostas por Haddad encurtaria o período de juros no atual patamar, de 13,75% ao ano. Entre as medidas, está a mudança no voto de minerva do Carf (o tribunal administrativo da Receita Federal, que julga queixas dos contribuintes), que permite ao governo reforçar a arrecadação, já que o desempate volta a ser da Fazenda.
Campos Neto: ‘Vou ao Congresso quantas vezes for preciso’
Campos Neto também citou iniciativas como a reforma tributária. Ele argumentou que, em dezembro, o cenário-base dizia que a “meta (de inflação, de 3,25%) era exequível, com corte de juros a partir de junho”. Segundo ele, porém, “ruídos” teriam alterado o cenário. Ele se referia às críticas de Lula e de aliados do governo em relação à atuação do BC, que manteve a taxa de juros em 13,75% na última reunião.
— Se a gente voltar para novembro, o mercado chegou a precificar, chegou a estar esperando corte de juros entre março e maio. Isso, em novembro. É claramente possível, se a gente conseguir passar uma mensagem de tranquilidade de que se está avançando em diversos pontos, eu acho que pode (encurtar) — disse.
Diálogo com Lula
Em aceno ao presidente Lula, ele disse que as eleições de outubro foram legítimas e que gostaria de conversar mais com o chefe do Executivo sobre a política monetária no país.
— Estou disponível sempre para conversar, não só com o presidente, mas com todos os ministros. Quero explicar a agenda do Banco Central e quero trabalhar em harmonia. O ambiente colaborativo é o melhor ambiente para a sociedade, não só para o Banco Central — afirmou Campos Neto.
Perguntado sobre a intenção de parlamentares do PT de convocá-lo para dar explicações no Parlamento sobre juros, Campos Neto afirmou que está disponível:
— É meu trabalho, vou quantas vezes precisar.
Por Manoel Ventura