As orgias evocam imagens da antiguidade greco-romana, devido aos filmes mais ou menos eróticos protagonizados por imperadores devassos — ou ao filme Satyricon (1969), de Federico Fellini.
O termo é utilizado atualmente para descrever todo tipo de excesso. Para nós, a orgia parece uma celebração absoluta dos prazeres da carne em uma sociedade antiga, livre das restrições morais.
Mas o que eram as orgias, na realidade?
Do grego orgia
A palavra vem do grego. Orgia se refere aos rituais realizados em homenagem a divindades como Dionísio, cujo culto celebrava a regeneração da natureza.
Esses cultos eram conhecidos como “cultos de mistério”, ou seja, reservados a homens e mulheres iniciados que haviam se comprometido anteriormente a não divulgar os seus segredos.
A palavra “orgia” evoca uma ideia de paixão e excitação. Os ritos das orgias, pouco conhecidos devido ao seu status misterioso, podem ter incluído a manipulação de objetos com formato sexual durante práticas de êxtase e violência, cujo objetivo teria sido buscar a embriaguez coletiva.
Somente no final do século 18 e ao longo do século 19, sobretudo na literatura francesa, o termo “orgia” passou a designar práticas sexuais em grupo, geralmente associadas ao excesso de comida e bebidas alcoólicas.
O escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) , no seu conto Smarh (1839), se refere a “uma festa noturna, uma orgia toda cheia de mulheres desnudas, belas como Vênus”.
Prostitutas… e peixes
Mas a orgia como evento não é uma invenção moderna. Os banquetes que combinavam prazeres alimentares e eróticos são bem documentados em textos antigos.
No século 4 a.C., por exemplo, o orador grego Ésquines, em seu discurso Contra Timarco, acusou seu inimigo de ter se entregue aos “mais vergonhosos prazeres da volúpia” e a “todas as coisas com que um homem livre e nobre não deve se deixar soterrar”.
Quais eram esses prazeres proibidos? Timarco convidava à sua casa flautistas e outras mulheres venais e promovia festas com elas.
É preciso destacar que as flautistas, neste caso, não são meras artistas, convocadas apenas por seu talento musical, mas também jovens prostitutas, dispostas a satisfazer as exigências sexuais dos convidados.
Da mesma forma que a contratação de cortesãs, o consumo de peixe, que era muito caro, era objeto de atenção especial por parte dos oradores do século 4 a.C. Demóstenes combina estas duas facetas da libertinagem em seu discurso Sobre a Falsa Embaixada.
No ano 346 a.C., a cidade de Atenas havia enviado embaixadores ao rei Filipe 2° da Macedônia, ameaçando militarmente a Grécia. Mas o soberano havia subornado alguns dos enviados atenienses para que apoiassem suas ambições imperialistas.
Demóstenes acusou um dos embaixadores, subornado pelo rei da Macedônia, de ter desperdiçado o dinheiro da corrupção com “prostitutas e peixes” — um duplo delito de gula, tanto sexual quanto alimentícia.
A libertinagem romana
Os historiadores romanos também descrevem suntuosos banquetes que combinavam sexo e comida.
Nos anos 80 a.C., o ditador romano Sila teria sido o primeiro dirigente político de Roma a organizar festas sexuais. Ele teria importado o modelo do oriente grego, onde havia conduzido uma campanha militar.
Plutarco relata em sua biografia de Sila que o ditador começava a beber pela manhã com atrizes, músicos e mímicos.
A coreografia lasciva era uma atividade complementar praticada pelas cortesãs, de forma que não era incomum que prostitutas trabalhassem como mímicas. Elas se contorciam, às vezes simulando atos sexuais.
O historiador latino Suetônio apresenta Tibério como a personificação do imperador libertino. No seu palácio de Capri, ele organizava atrevidos espetáculos pornográficos.
Tibério havia recrutado um grupo de jovens atores que, diante de seus próprios olhos, se entregavam aos acasalamentos aconhecidos como spintriae — termo latino, muito provavelmente formado a partir do grego sphinktèr (“ânus”), que remete à sodomia em série.
Suetônio afirma que Calígula, sucessor de Tibério, dormia com suas irmãs à vista dos seus convidados. Incestuoso e exibicionista, ele transgredia assim duas proibições ao mesmo tempo.
Calígula também mostrava sua esposa Cesônia a cavalo, vestida de guerreira ou totalmente nua. Suetônio conta que a imperatriz, cúmplice do marido, apreciava muito essas sessões especiais, pois “se perdia na libertinagem e no vício”.
Cerca de 20 anos depois, o imperador Nero “fazia com que suas festas durassem do meio-dia até a meia-noite”, segundo Suetônio.
Durante esses longos banquetes, todos os sentidos precisavam ser satisfeitos. Era uma sinfonia de comida, música e corpos servis para serem vistos ou acariciados, enquanto os escravos faziam chover flores do teto do salão e pulverizavam perfumes.
Dizem que durante um dos banquetes promovidos pelo imperador Heliogábalo, perto do ano 220 d.C., alguns convidados teriam morrido asfixiados “por não terem conseguido se libertar”, conforme narra o autor do livro História Augusta.
Mas estes banquetes não eram mais comuns no Império Romano do que são hoje em dia.
Por isso, não devemos nos enganar sobre o significado das descrições das orgias feitas pelos escritores antigos. O objetivo é sempre moral: condenar a “libertinagem”, em nome da moderação e da temperança.
A denúncia cristã
A cristianização do Império Romano apenas reforçou esta perspectiva moral. Um bom exemplo está na obra de Santo Agostinho, no Sermão 16 pela Decapitação de João Batista.
A evocação do banquete de Herodes Antipas, governador da Galileia, e sua grande quantidade de alimentos destaca a gula dos convidados. Soma-se a isso a ideia de que a luxúria seria exclusivamente obra de Satanás.
Antipas pede à sua sobrinha-neta Salomé que dance. E, depois de exibir os seios na sua frenética coreografia, a jovem maléfica exige a cabeça de São João Batista, servida em uma bandeja, como pagamento pelos seus encantos.
De Roma à Babilônia
Rompendo com esses textos antigos, o filme Babilônia (2022), de Damien Chazelle, apresenta uma grande cena de orgia, sem adotar claramente uma postura de condenação moral.
Talvez esta seja uma das razões que levaram a uma recepção tão variada por parte do público — enquanto críticos denunciaram o filme como escandaloso, admiradores o louvaram como uma milagrosa “orgia visual”.
Por Christian-Georges Schwentzel