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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

O problema da justiça em Angola

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Quando uma pessoa é suspeita de ter cometido um crime, a sua culpa deve ser determinada por meio de processos judiciais. Neste contexto, deve ser respeitado um conjunto de princípios fundamentais e regras de procedimentos para assegurar o direito a um julgamento justo e o direito a uma defesa eficiente.

Esses princípios e regras, que constam de diversos tratados internacionais, como o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e das Pessoas ou a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, são salvaguardas efetivas que previnem que os cidadãos sejam deixados à mercê de um Estado arbitrário.

Tal como qualquer outro Estado, Angola está sujeita a esses princípios. No entanto, embora a Constituição e a legislação angolanas assegurem em teoria o respeito por esses princípios, pelo menos até certo ponto, é lamentável que, na prática, eles sejam ignorados pelas autoridades judiciais, cuja independência do governo é claramente inexistente.

Diversas organizações internacionais têm criticado, de há muitos anos a esta parte, esta total falta de independência e imparcialidade, sem as quais não pode haver qualquer justiça digna de um Estado que se afirma ser de direito.

Já desde 2008, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas para a Detenção Arbitrária expressou a sua “preocupação sobre o papel fraco dos juízes no âmbito do sistema atual, que é dominado pelo Ministério do Interior e pelo Ministério Público”.

Esta observação alarmante não sofreu melhorias com o passar dos anos. De facto, no seu relatório de 2019 sobre Angola, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos assumiu esta posição:

“A Comissão para os Direitos Humanos continuou preocupada ao ler relatórios que referem falhas persistentes na administração da justiça, em particular a falta de independência da magistratura e o número insuficiente de juízes, procuradores e advogados qualificados. […] A Comissão para os Direitos Humanos referiu que Angola deve reforçar a independência da magistratura e da procuradoria, intensificar os seus esforços para eliminar a corrupção no sistema judicial […]”.

O Departamento de Estado dos EUA também critica, nos seus relatórios anuais, a fraqueza institucional do sistema judicial angolano, sobretudo no que se refere à interferência do poder político na tomada de decisões.

Devido às falhas no seu sistema judicial, Angola surge no 114.º lugar (num total de 139) da lista do Projeto para a Justiça Mundial, a principal fonte de dados independentes quanto ao estado de direito. O índice de imparcialidade do sistema criminal angolano é de apenas 0,33/1 (sendo que 0 indica um sistema totalmente arbitrário e 1 um sistema totalmente imparcial), ao passo que o índice de independência do governo é de apenas 0,34/1. No que se refere ao respeito pelo direito a um julgamento justo e de defesa, Angola surge com 0,33/1. Angola tem pontuações semelhantes a países como o Afeganistão e o Paquistão.

De acordo com diversas organizações internacionais e meios de comunicação social, a falta de independência e de imparcialidade das autoridades judiciais angolanas reflecte-se na alegada campanha anticorrupção atualmente implementada pelo governo, que apenas se dirige a personalidades selecionadas devido às suas relações, confirmadas ou suspeitas, com o regime do anterior Presidente dos Santos. Isto acontece apesar de haver membros ou pessoas próximas do governo atual implicados, por parte da sociedade civil, em alegados crimes da mesma natureza.

Neste contexto, muitos observadores criticam a instrumentalização da magistratura para fins políticos, sublinhando que os métodos utilizados pelo governo para combater a corrupção são “extremamente ambivalentes“, ocorrendo no âmbito de “práticas arbitrárias e motivadas politicamente”. De acordo com os meios de comunicação internacionais, muitas pessoas começam a questionar-se se esta alegada campanha anticorrupção não se trata de facto de uma “vendeta” contra antigos rivais, mais do que o início a uma verdadeira era de transparência, sugerindo que esses procedimentos são utilizados como mera arma política.

A falta de transparência e de imparcialidade da magistratura angolana também se reflecte em diversos decretos presidenciais. A este respeito, um recente Decreto Presidencial (N.º 69/21 de 16 de Março de 2021) distribui parte dos bens confiscados no âmbito de processos criminais directamente ao Ministério Público e aos tribunais. Em violação dos princípios fundamentais que devem reger quaisquer processos criminais, estas autoridades têm, obviamente, um interesse pessoal em condenar os réus e em confiscar os bens.

Outro decreto presidencial recente (N.º 154/21 de 8 de Setembro de 2021) distribui mais de 12 milhões de dólares norte-americanos para a aquisição de habitações de alto nível para utilização privada pelos juízes do Supremo Tribunal, do Tribunal Constitucional e do Ministério Público.

Os constitucionalistas e advogados criminais de melhor reputação consideram que estas medidas são um truque do governo para “domesticar” a magistratura. Outros vão ainda mais longe, afirmando que “a magistratura está de joelhos perante o poder político”.

Esta situação desastrosa tem o efeito de minar a credibilidade dos processos judiciais em Angola. Na realidade, o Supremo Tribunal espanhol pronunciou-se recentemente sobre um pedido de extradição angolano e recusou conceder a Angola a extradição de um cidadão angolano com base no argumento de que o Ministério Público, que tinha feito o pedido de assistência jurídica mútua, era uma autoridade com falta de independência e directamente sujeita às instruções do governo.

Como tal, a Espanha decidiu, de modo apropriado, recusar a cooperação com Angola, um Estado que claramente não garante o respeito pelos princípios fundamentais do processo criminal.

Só resta esperar que estas decisões instem Angola a levar a cabo uma reforma completa do seu sistema judicial, para garantir que tem a independência necessária para realizar processos credíveis regidos pelo respeito pelos direitos humanos. No entanto, no momento da redacção deste texto, essa realidade parece estar ainda muito longínqua.

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