Entre muitas outras Reflexões e Pensamentos que deixou para a Humanidade e para a sua África do Sul, o Presidente Nelson Mandela disse em Londres a 16 de Julho de 2013 que e cito “a Educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”. De facto, é uma realidade inquestionável e depois de ter escrito o artigo com o título “Evocar a Escravatura” no Diário de Notícias, entendi depois desta publicação, abordar a necessidade da criação de um Museu da Escravatura em Lisboa ou em Portugal.
Citar este importantíssimo olhar do histórico Presidente Nelson Mandela decorre do facto de a Educação ser um pilar fundamental que ao longo dos tempos mostrou-se essencial, por um lado, pelo acesso ao Conhecimento e por outro, ser a Educação no sentido mais lato do termo servir para que haja uma sensibilização constante face a múltiplos factos históricos que devem ser parte integrante do Sistema de Ensino Público e Privado e das Organizações em geral.
Não se pode ignorar que a construção de um Museu da Escravatura em Portugal tem também um papel fundamental face ao que deve ser a Humanização das Sociedades contemporâneas num reencontro com a História e claramente com consciência do que marcou irreversivelmente esta inesquecível realidade que todos os dias nos interpela.
A eventual alegação que possa existir da autarquia de Lisboa uma opção por um Memorial não é suficiente para honrar com dignidade o que foi infelizmente a Escravatura.
Existe imenso acervo em múltiplas Instituições em Portugal e não só para que a construção do Museu da Escravatura seja uma realidade em Lisboa ou noutra cidade portuguesa cujos decisores autárquicos e culturais tenham a consciência que avançar para este urgente projecto, representa não só um acto de coragem histórica, mas o reconhecimento de que a existência do mesmo, é quebrar também o silêncio institucional instalado.
Pude referir no artigo “Evocar a Escravatura” que negar e fechar nas gavetas a existência da triste realidade Escravocrata em Portugal, é não assumir a compreensão da história política, social e cultural do que foi a Escravatura em Portugal e noutros países europeus.
Quando fiz referência ao ” Atlas do Comércio Transatlântico de Escravos ” da autoria de David Eltis e David Richardson e publicado em versão inglesa em 2010 pela Yale University Press, David Brion David, autor do Prefácio desta relevante obra , refere e cito que “em 1453, os Turcos Otomanos capturaram Constantinopla e logo desviaram o fluxo de cativos do Mar Negro e dos Balcãs para os mercados islâmicos”, disse David Brion David que salienta que “embora essa conquista reduzisse drasticamente o suprimento de açúcar e escravos da Europa, os Portugueses já haviam começado a importar um numero significativo de escravos negros africanos (que em 1550 constituíam 10 por cento da população de Lisboa ).
Como referem as Investigadoras brasileiras Simone Pondé Vassalo, da Universidade Federal Fluminense em Niterói e Luz Stella Rodríguez Cáceres da Universidade Federal do Rio de Janeiro no Artigo “Conflitos, Verdades e Política no Museu da Escravidão e da Liberdade no Rio de Janeiro” e cito que “Por um museu sobre a verdade” foi um slogan que acompanhou a campanha publicitária pensada pela Secretaria Municipal da Cultura do Rio de Janeiro para divulgar a execução do provisoriamente denominado Museu da Escravidão e Liberdade (MEL), institucionalizado pela administração do preceito Marcelo Crivella , no inicio de 2017″, citando Simone Pindé Vassalo e Luz Stella Rodríguez Câceres.
À época (2017), Nilcemar Nogueira, responsável pelo Projecto que permitiria que as portas do Museu se abrissem em 2020, tal não aconteceu.
E o objectivo era “construir um ponto de referência no Brasil e no mundo em estudos e pesquisas relacionados com o resgate e à preservação da Memória e da Cultura negra e dar visibilidade ao passado do Rio de Janeiro como um dos maiores portos negreiros e dar a conhecer que quase metade de todos os africanos trazidos como escravos para as Américas vieram para o Brasil, sendo que, entre estes, uma imensa maioria teria desembarcado pelo Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, espaço reconhecido como Património Mundial pela UNESCO em 2017, decorrente da dimensão material e imaterial que simboliza a tragédia do tráfico de africanos e sua escravização”. Ora importa algumas perguntas por analogia a esta pertinente reflexão sobre o Museu da Escravidão e da Liberdade que não avançou:
À Câmara Municipal de Lisboa ao longo destes anos e pós 25 de Abril porque nunca houve uma proposta a Património Mundial da Humanidade dos Lugares, Espaços bem identificados na capital portuguesa da presença de seres humanos tornados Escravos? Prevaleceu e permanece o silêncio ouvindo-se um restrito número de pessoas para fazer um Memorial.
E quando me reporto à autarquia lisboeta, igualmente penso no silêncio dos sucessivos governos de Portugal que neste domínio pouco ou nada fizeram e claramente muitos governos africanos não tiveram uma atitude proactiva em torno desta causa. Logo, a musealização autónoma, com direcção própria e a construir, é um claro apelo do que foram cativeiros vergonhosos da condição humana e relevante importância de “lutar” pela preservação dos Direitos Humanos e o quanto estes constituem suportes fundamentais para não repetir a tragédia em termos contemporâneos.
Trazer ao espaço público o fim do Silêncio da Escravatura é um exame à História acautelando a violência e as teorias intencionais do Esquecimento porque não é politicamente correcto. Essa postura não é a Avenida da Consciência Colectiva e Individual que habita a realidade e a negação de uma sensibilidade que urge colocar no mapa da histórica Lisboa.
Como dignificar e honrar quando as desculpas colectivas negam a transformação na relação com o tempo histórico?
Quem desce a conhecida Rua das Pretas quase no fim com o cruzamento com a Avenida da Liberdade está no passeio uma placa que se confunde com a calçada, mas existe uma quase invisível referência em vinte centímetros por vinte centímetros aludindo à existência da Dona Violante, inicialmente tornada Escrava para posteriormente tornar-se proprietária de vários palacetes na envolvente urbana da Freguesia de São José. Esta opção autárquica é dar visibilidade à Escravatura que aconteceu em Lisboa?
Curiosamente descobri esta placa no dia 24 de Abril do corrente ano, vésperas do dia celebrar a Revolução de Abril.
Mas não obstante esta constatação, no Largo de São Domingos junto a uma parede onde durante muitos anos e em diferentes línguas estava escrito “Lisboa, a Cidade da Tolerância”, é necessário estar muito atento para verificar que uma outra placa com alusão à Escravatura tem o mesmo diâmetro que a referida na Rua das Pretas. Este olhar escondido na cidade calada sobre a Escravatura evidencia até para um Turismo cultural, científico não mostrar esse túnel escuro e doentio para ocultar o que foi a submissão e a Escravatura. O respeito por quem sofreu de modo não traduzível, é querer esconder dos diferentes olhares as marcas inesquecíveis da Escravatura reduzindo a visualização mais notória da História.
Em contrapartida, no próximo dia 12 de Setembro é inaugurada uma nova Visão do Museu da Cidade de Lisboa, onde existirá um Espaço dedicado à Escravatura entre outras iniciativas. Mas esta decisão obedeceu a que critérios? Uma vez mais fica claro que em vez de se abordar a questão com realismo e com diferentes activistas e estudiosos do tema muito forte, opta-se por excluir a participação de quem possa ter um Olhar próprio e outras Ideias sobre como fazer acontecer a criação do Museu da Escravatura. A segregação cultural a qualquer nível não só não é aceitável como não ajuda a construir a importância da Diversidade Cultural num país como Portugal que é membro da ONU, da União Europeia, da CPLP entre outras organizações.
A criação do Museu da Escravatura, ideia que defendo há muitos anos e que concorri em 2018 no âmbito de Projectos de Ideias a apresentar a Câmara Municipal de Lisboa e a implementar na cidade não pode ser silenciada. Não se pode esvaziar símbolos sagrados da narrativa Escravocrata em Lisboa e Portugal porque o sonho e o Valor Sagrado da Memória minam a Liberdade factual da História.
Por Gabriel Baguet Jr (Jornalista e Escritor)