Depois da entrevista, em Setembro, o Valor Económico volta a conversar com Francisco Viana, líder da CEA. O mote foi a “vergonhosa” postura dos empresários, de acordo com a expressão de João Lourenço, face à linha de financiamento de mil milhões de euros do Deutsche Bank. Para mostrar que “não é uma vergonha de empresário”, Francisco Viana devolve a crítica e faz questão de mostrar o que tem estado a fazer.
Antes de iniciar a entrevista, convidou-nos a conhecer o World Trade Center para, como disse, testemunharmos o seu trabalho enquanto empresário… Que projecto é este?
É um projecto à medida de Angola. Participamos e somos membros da organização dos World Trader Centers do mundo. Em termos de espaço territorial, cobrimos aqui 100 hectares. O segundo maior projecto de World Trade Center a nível do mundo está localizado na Turquia e cobre 50 hectares. Quando acabarmos o projecto, teremos um milhão de metros quadrados, é um destaque na própria organização mundial dos World Trade Centers. Em vez de termos vergonha do que fazemos, temos muito orgulho.
Para quando a conclusão do projecto?
Já estamos com 80% das infra-estruturas organizadas como estrada, energia e água e fibra óptica. Estamos a fazer um projecto de categoria mundial.
Em quanto está avaliado o projecto?
Podemos dizer que nas dezenas de milhões de dólares. Estamos a falar de uma área coberta de um milhão de metros quadrados. Se for, no mínimo, de mil dólares por metro quadrado, vamos chegar aos mil milhões de dólares.
Disse que fez recurso a financiamento externo…
Pouca coisa. Para arrancar com o projecto, arranjei um financiamento a nível internacional e arranjei um banco nacional para fazer funcionar este financiamento.
O financiamento está pago?
Só temos um pequeno montante, nem chega a 100 mil dólares, por pagar.
E como é que alguém que consegue fazer recurso ao financiamento externo para este projecto não consegue concorrer à linha de financiamento do Deutsche Bank, a cuja fraca adesão o Presidente da República considerou vergonhosa?
Primeiro é que há uma grande diferença entre envergonhar o país e envergonhar o Presidente da República. Não envergonhamos o país, somos empresários, fazemos o nosso melhor para, dentro das circunstâncias, seguir o nosso papel, que é o desenvolvimento empresarial. Há um hábito de irem buscar dinheiro, pensando só nos grandes. É o caso desta linha tanto que o mínimo que se pode apresentar de garantia são 10 milhões de dólares.
Quantos angolanos têm 10 milhões de dólares para investir?
O senhor Presidente da República deveria concertar connosco para irmos ao encontro daquilo que é o verdadeiro empresário angolano. O verdadeiro empresário angolano, até para ter 100 mil dólares, hoje em dia, está com grandes dificuldades.
Porque é que não negociamos para que estes mesmos mil milhões fossem canalizados para fazer projectos de um milhão, 500 mil dólares?
Fazia uma grande diferença. Disseram que este financiamento é para programas estruturantes.
Há alguma coisa mais importante que estruturar os pequenos e médios empresários?
Não há. Sentamo-nos, o Presidente da República ainda só era candidato, apresentámos um conjunto de sugestões entre as quais, a mais importante, a criação de um conselho de concertação económica empresarial.
Mas foi criado este conselho ou grupo….
Não. O senhor Presidente juntou, no Centro de Convenções de Talatona, meia dúzia de pessoas que ele entendeu convidar de acordo com o seu critério e dentro destas pessoas nomeou uma que fosse falar de economia ou que fosse falar da educação. Ou seja, temos ali uma conversa com a sociedade civil e não com os empresários. E, lamentavelmente, por ele ser constantemente mal assessorado ao nível da comunicação e de imprensa, não deixa as pessoas falarem. Chama as pessoas, mas depois ninguém pode responder, ninguém questiona. Este não é um modelo que um líder deve ter, o líder deve falar, mas também ouvir, aliás, ouvir mais do que falar.
E qual seria o melhor modelo?
Nós apresentámos várias cartas ao Presidente, nenhuma delas teve resposta, em que falávamos do conselho de concertação económica empresarial.
O que é o conselho de concertação económica empresarial?
Um exemplo: o senhor Presidente da República conseguiu 1.000 milhões de euros, vamos sentar e, entre os interesses do Governo e a realidade do empresariado angolano, analisar como poderíamos articular para nos complementarmos e reforçar a economia com estes mil milhões. Isso chama-se concertação. A diferença com
a auscultação é que, quando faço auscultação, chego, ouço e vou-me embora, enquanto, na concertação, eu não só falo, ouço, mas negoceio, chego a um plano operacional. O Presidente iria alinhar a sua equipa económica e não só, nós iríamos alinhar as nossas várias associações e juntos teríamos conseguido aproveitar não só estes mil milhões como mais mil milhões e mais mil milhões. É preciso também que o Presidente continue a fazer o combate à corrupção porque, senão, todos estes dinheiros só vão para o canal da corrupção como aconteceu com o dinheiro da China. E quando não conseguirem colocar neste canal da corrupção, o dinheiro vai voltar.
Voltando à linha de financiamento do Deutsche Bank…
Quando ouvimos dizer que agora o mais importante é a diversificação da economia, nós dizemos que isso é impossível. É impossível diversificar a economia sem primeiro pôr regras justas, sem primeiro afastar muito dos nossos concorrentes que eles próprios são os que estão a distribuir os dinheiros, são os governantes, fazem concurso, ficam com tudo. O próprio João Lourenço já tinha dito que isso era para acabar por isso é que o apoiamos.
Os empresários não têm culpa nenhuma pelo subaproveitamento desta linha de financiamento?
Há uma realidade que o Senhor Presidente precisa de dar conta: a classe empresarial angolana está completamente descapitalizada e descapacitada. Quando você verifica que os seus filhos não foram para a escola, estão raquíticos e não têm forças nas pernas, você não vai culpar os seus filhos. No mínimo, você vai meter a mão na consciência e dizer assim: ‘eu, MPLA, governei durante 46 anos e não consegui capacitar os meus filhos’.
Mas um dos ‘filhos’, entenda-se o Grupo Carrinho, foi elogiado pelo Presidente João Lourenço, realçando que começou com pequenos negócios e hoje é o único grupo que conseguiu beneficiar da linha de crédito do Deutsche Bank…
Primeiro o que o Presidente fez a elogiar um único grupo angolano acho que, no mínimo, não é simpático para a classe empresarial angolana porque, de certeza, o próprio Grupo Carrinho saberá reconhecer que há mais grupos que também sabem trabalhar. Mais uma vez, o Presidente foi meter-se numa área que mais valia deixar à outra entidade pronunciar-se. O Presidente da República ainda está a tempo de vir conversar com os empresários e a pergunta que não se cala é porque é que até hoje o Presidente da República, desde 2017, quando apoiamos a candidatura dele, não se sentou com os empresários. Fomos convidados para participar numa iniciativa pelo ministro Manuel Júnior. Ligou para mim, pediu-me para ir até ao Palácio, e convidaram-nos para entrar no Grupo Técnico Empresarial. Quando o ministro de Estado convida a Confederação para entrar no Grupo Técnico Empresarial, só posso concluir que é uma iniciativa do Gabinete do Presidente da República.
Mas a confusão do poder, pensar que o Grupo Técnico pode substituir a reunião e iniciativa de todos os empresários angolanos não, faz sentido. Não deve ser o Presidente da República a dizer quem representa o empresariado angolano, nem deve ser o Presidente a criar um gabinete que represente os empresários angolanos.
Volto ao elogio do Presidente a um grupo empresarial. Não é questionável que apenas uma empresa tenha conseguido ter acesso à linha de financiamento?
Não é questionável, é uma vergonha. O Presidente da República tem toda a razão: é uma vergonha, mas a vergonha é para a governação do MPLA. Não é vergonha do povo angolano, mas vergonha dos líderes que o povo angolano tem.
Mas esta empresa cresceu com esta mesma governação…
Mas este é um mistério que fica para resolver, porque é um mistério. Como é que todos angolanos não conseguem e apenas alguns conseguem, porque não é só a Carrinho, há as estrelas da companhia.
Este nosso Governo tem algumas empresas que são estrelas, que levam tudo como o Governo anterior também tinha as suas estrelas, mas não vou entrar por aí, penso que é uma questão para a Procuradoria-Geral da República e da sociedade civil.
Determinado empresário defende que se está a combater o monopólio criando-se outros monopólios. Concorda?
O que se passou com o Grupo Kero, isso sim, é que é uma vergonha. Tiraram o Kero a um grupo empresarial angolano, alegando que tinha dinheiro de origem duvidosa e vai dar-se a um grupo eritreu que também tem sócios angolanos com rabo escondido, não há um critério transparente. Rebentaram com o Kero, rebentaram com o Candando e agora estão a entrar novos candidatos que também não se sabe qual é a origem do dinheiro deles, não existe nenhuma investigação que nos mostra de forma clara e transparente que eles são mais limpos que os outros. Isso, sim, é que é uma vergonha, tirar aos angolanos para dar a estrangeiros. Sou a favor do investimento estrangeiro, a única coisa de que não sou a favor é que os estrangeiros que venham para Angola sejam para comprar os nossos dirigentes e fazerem do país o paraíso deles e o inferno dos angolanos. Os estrangeiros que vierem para trabalhar normalmente são bem-vindos, mas o que vier para entrar no jogo da corrupção de alguns dirigentes é nosso inimigo.
No processo de privatização, nota sinais de estrangeiros que tenham vindo para entrar no jogo da corrupção?
O próprio facto de o Governo avançar para as privatizações, sabendo que o angolano está pobre. A grande maioria dos angolanos que tem dinheiro neste país, o próprio Presidente já disse, são os marimbondos. Então, estão a privatizar para os marimbondos e os amigos estrangeiros.
O Presidente, pelo menos, não se identifica como marimbondo já assumiu ter investimentos na agricultura e que muita da comida que comemos é produzida na sua fazenda…
Estamos a ver alguém que é membro do Governo. Deve estar a fornecer, se calhar, ao exército porque não vi nada no Mercado do 30. Deve estar a fornecer às instituições com bons contratos porque não estamos a ver nada. Mas também acredito que o que produz não chega para Angola toda. Agora, por exemplo, mandaram vir toneladas e toneladas de milho para Angola. Não seria mais fácil produzirmos aqui?
Haverá capacidade?
Há aqui uma coisa que se chama vontade política. Temos estado a propor o lançamento das pequenas moageiras. Existem as grandes moageiras, estão no Porto de Luanda e agora estão a montar outra no Porto do Lobito. Isto é para favorecer as empresas que importam e são projectos de milhões em que todos têm estrangeiros no comando, nomeadamente libaneses a comandar o negócio do pão e do trigo. Toda esta área eles é quem dominam. Agora os eritreus e turcos também estão a entrar no negócio. Não é mais fácil e mais patriótico, em vez de fazerem moageiras nos portos para financiar os filhos dos outros, fazerem centenas de pequenas moageiras no Huambo, no Uíge, etc.? Uma vez o Presidente da República disse que ‘grão a grão a galinha enche o papo’, então porque é que não começamos aqui?
Sabe quanto tempo se leva a produzir o milho? Três meses. Quase o mesmo tempo necessário para comprar o milho no estrangeiro e chegar aqui, ser embalado e distribuído.
Portanto, o milho importado para a Reserva Estratégica Alimentar poderia ser adquirido internamente?
Ser produzido aqui porque temos um vizinho que é um dos maiores produtores mundiais de semente, a Zâmbia. Também devíamos apoiar os produtores nacionais de sementes. É um crime aquilo que se fez com o petróleo, agora está a fazer-se com a agricultura. Já devíamos estar a vender gasolina e continuamos sem refinaria porque há quem ganhe a importar gasolina. Também há quem ganhe a importar sementes.
Em ano eleitoral muita coisa acontece. Também pode concretizar o desejado encontro entre o Presidente e a classe empresarial?
Costumo dizer que nunca é tarde, mas ‘a mulher de César não só tem que ser séria, tem que parecer ser séria’. Nesta recta final o que podemos fazer?
O que é que este Governo, depois de ter perdido estes cinco anos de oportunidade, está em condições de fazer?
Só distribuir dinheiro à toa que é o que talvez se esteja a preparar para fazer. Pegar no erário, ir com os capatazes das eleições e distribuir, mas qual é a seriedade disso?
Todo o mundo recebe, passado um tempo estraga tudo outra vez. Por isso é que não podemos embarcar neste tipo de soluções eleitoralistas. Angola precisa de reencontrar-se com ela mesma, precisa de rever e reformar o Estado, conforme está não serve Angola.
Em Setembro concedeu uma entrevista à Radio Essencial que foi retomada pelo Valor Económico em que se manifestou favorável à alternância do poder…
Temos de pensar o seguinte, pôr todos os angolanos a pensar. Será que vamos permitir que, mais uma vez, sejam os partidos políticos a comandar a vida de toda uma nação?
Será que a sociedade civil não tem o direito de começar a exigir mais dos partidos, seja do MPLA, seja da UNITA? Será que nós, como cidadãos, estamos a fazer a nossa parte ou também estamos naquela gula de uma ‘fezada’ (tacho) ou uma nomeação e não fazemos a nossa parte? Temos Angola que merecemos e, se Angola está assim, o grande culpado é o povo angolano. E se Angola quer mudar, então o grande vencedor tem de ser o povo angolano. Temos de saber quem são os partidos que estão disponíveis para avançar com uma assembleia constituinte, fazer uma Angola através de reformas do Estado, através do pacto do social, então vamos pôr todo o mundo a pensar, sociedade civil, as religiões…
Já agora, estou a dar em primeira mão: brevemente daremos uma conferência de imprensa, vamos avançar com o congresso da nação que vai ter lugar em Maio.
O que será?
Significa que a sociedade civil vai convidar os partidos políticos candidatos a governo a pronunciarem-se sobre o que pretendem fazer.
Acredita na participação do MPLA?
Já falei com alguns dirigentes do MPLA, com dirigentes da UNITA, dirigentes da Frente para a Democracia, dirigentes do PRA-JA. A reacção em relação aos dirigentes da Frente Patriótica Unida é boa. Relativamente a alguns dirigentes do MPLA, a reacção é expectante.
Não dizem que não vão participar, mas vamos ver de que forma é que vão participar porque, como sabe, ainda ontem o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, fez um apelo para que o Presidente João Lourenço avance para os debates.
Acredita que teremos debates com todos os candidatos ou cabeças-de-lista nas eleições?
Quem não for para debate perde a credibilidade porque já não é com maratonas que nos vão convencer.
Queremos saber dos políticos o que é que pretendem fazer do país, porque, mesmo que a UNITA ganhe e entre com estes poderes que o MPLA tem, não vai prestar um bom serviço à nação.
Para o Presidente João Lourenço, a UNITA o que mais sabe fazer é patrocinar actos de vandalismo…
Mas o Presidente é só uma pessoa, Angola tem 30 milhões de pessoas. A opinião dele é boa, mas vamos ouvir o que é que Angola fala e é bom ouvir o que Angola fala, porque Angola não está contente, está com miséria, está com fome, os angolanos estão a emigrar.
Angola está a deixar de ser país onde se possa viver e temos a responsabilidade de parar com isso. A história do país mostra que tem sido assim.
O povo reclama, o partido no poder, conhecendo o povo que tem, muda as coisas nos últimos seis meses antes das eleições e…
Quando assustarem já está.
O que é que o MPLA quer que já está? Já tem água? Não. Já tem luz? Não. Angola está melhor? Não. Então já está o quê? Endrominaram-nos? Não nos vão endrominar.
Então acredita mais no “2022 vão gostar”?
Sou a favor da alternância democrática, o país tem que mudar. O meu pai pode ser muito bom a conduzir, mas a minha mãe também sabe conduzir, os meus irmãos também sabem. Porque é que só o meu pai tem direito de conduzir quando até está cansado, está velho ou já bebeu? Ainda vai conduzir, vamos todos partir a cara na parede. Tem que haver alternância em qualquer parte do mundo para uma boa democracia, uns entram, outros saem. A alternância é salutar e o MPLA não pode ter medo de ir para a oposição. A oposição também é um sítio digno onde se aprende muito e se pode fazer muito para o país.
Não será o povo que tem medo da alternância?
Tem medo porque está a ser amedrontado e ameaçado. Só que desta vez o povo vai pôr tudo.
Acredita que, depois deste primeiro mandato que lhe foi dado praticamente pelo ex-Presidente, João Lourenço está preparado para deixar o poder sem que tenha um mandato conquistado pela sua governação?
O presidente Trump também gostaria de ter ficado mais um mandato e não ficou. Isso tem a ver com a governação de cada um. Uns merecem dois mandatos, outros só um. O povo é quem vai decidir. Não se pode culpar o Presidente pela governação de um conjunto de pessoas, o Presidente João Lourenço não está sozinho, representa 46 anos de governação onde ele participou com os mais altos cargos. Não se pode dividir o partido com um antes e um depois. É essa governação de 46 anos que tem que ser melhorada.
Acho que o MPLA deveria aproveitar descansar um bocado, fazer uma autocritica, ver onde é que falhou, ver porque é que já não tem alternativas, porque é que teve de abrir o comité central, mais parece uma feira de vaidades e de amizades.
Não concorda com este alargamento do comité central do MPLA?
Não é a maneira mais correcta de alargar o comité central, primeiro.
Segundo, um partido em que todos são do comité central… Antigamente ser do comité central tinha uma mística, agora qualquer ‘puto’ é do comité central.
Mas os tempos mudam, as organizações renovam-se, reinventam-se…
Mas quando você vê gente de qualidade fora do comité central e gente sem qualidade no comité central. Quando você olha bem para o perfil das pessoas; quando você vê como é que está o bureau político; quando vê o MPLA antigo, que era de políticos e o MPLA actual em que lá já não vê quase político nenhum, você se pergunta que MPLA é esse?
É contra os partidos políticos com uma forte presença de tecnocratas?
A política não é feita para tecnocratas, é feita para políticos. Não podemos ser de um partido político e não nos preocuparmos com a vida das populações, isso não é tecnocrata, isso é amor ao povo, vontade de servir o povo. Depois vou contratar um tecnocrata para o governo e mesmo alguns tecnocratas têm de ter sentido político para saberem que quem nos dá o emprego é o povo, quem merece ser servido é o povo.
Mas quem governou durante os 46 anos são os políticos que supostamente têm qualidade…
Não estou a dizer que têm qualidades, estou a dizer que a política se faz com políticos. Quando você olha para um partido político e vê que uma boa parte dos que estão lá não entendem nada de política, são mais bajuladores, oportunistas e muitos deles gangsters…
E que opinião tem da criação do grupo de conselheiros, constituídos por políticos mais velhos?
Acho que o conselho dos mais velhos é sempre importante, é preciso saber se estes mais velhos podem ou não falar porque a experiência que tive dentro do meu partido, que é o MPLA, sempre demonstrou que, quando quisesse falar, me mandavam calar, não conseguia falar, já expliquei isso. Os mais velhos estão aí talvez para decorar, para dar a ideia de que estamos unidos.
Na entrevista de Setembro, defendeu o regresso de José Eduardo dos Santos para unir os angolanos. José Eduardo dos Santos já está em Angola. Correspondeu à sua expectativa?
Pelas imagens que vi do presidente José Eduardo dos Santos, percebi que ele fisicamente não está em plena força e, quando um homem com aquela idade não está fisicamente em plena força, é natural que as ideias dele também não se imponham.
Mas aquilo que também me pareceu é que há espécie de um pacto do silêncio para não prejudicar o partido, é a ideia com que fiquei. Tanto que este congresso não trouxe nada de novo, continua o “quando assustarem já está”.
Não ouvi dizer quando vão resolver o problema da luz, da água, da fome, até dizem que a fome é relativa. Quando uma liderança pensa que a fome é relativa, mas quando a pessoa que está a passar fome sente o estomago, desmaia ou morre porque não comeu, para este a fome não é relativa.
Mas parece que o povo recebeu esta descrição do Presidente sobre a fome de forma natural?
Quando não há mais nenhuma outra opção, senão a revolução, a revolução acontece e neste momento, face às injustiças, ás grandes diferenças entre uns que têm tudo e o povo que não tem nada, não vai dizer que o povo recebe com naturalidade, o povo está zangado, está triste, está humilhado. A tropa não tem dinheiro, os polícias não têm dinheiro, a bófia não tem dinheiro, ninguém tem dinheiro, o dinheiro não circula.
Eventualmente foi ameaçado ou recebeu alguns conselhos na sequência da entrevista que concedeu em Setembro? Foi muito crítico!
Não recebi nenhuma ameaça, recebi questionamentos, queriam saber se eu tinha saído do MPLA ou não. Respondia que ainda não tinha saído mas que ponho esta possibilidade em cima da mesa porque não estou a ver grandes mudanças. Ameaças, estou habituado a ser ameaçado. O meu avô paterno chama-se Gervásio Ferreira Viana, é fundador número 1 da Liga Nacional Africana. O meu pai, Gentil Ferreira Viana, fundador do MPLA, torturado, furaram-lhe o olho só porque disse que, no MPLA, tinha muita corrupção e que era preciso acabar com o presidencialismo. Passados mais de 40 anos, o Presidente João Lourenço vem falar a mesma coisa. Três anos na cadeia torturado nem sequer uma carta a pedir desculpa porque ele não fez nada, foi preso político.
De quem?
Do MPLA. Quando o meu pai morreu, teve enterro de Estado, pediram para falar mal do MPLA, mas não aceitei.
Diz que está a analisar o que pode acontecer. Acredita em mudanças que lhe possam mover não só a manter-se no MPLA como a trabalhar activamente para a vitória do MPLA?
A minha conversa com o MPLA acabou, não tem mais conversa. Disse o que tenho para dizer, dei a possibilidade de me fazer ouvir, não me quiseram ouvir, não se mostraram sensíveis. Se não se mostraram sensíveis, a conversa acabou, já não temos mais nada a dizer uns aos outros, é só desejar boa sorte ao MPLA, que faça uma boa campanha, mas do meu lado não vão contar.
Ao desejar boa sorte ao MPLA, está a desejar a vitória?
Desejando boa sorte significa que não se metam a fazer batota porque essa é a sorte que podem ter, apoiar umas eleições justas e transparentes porque, se entrarem pela via da batota, Angola vai ser levada a ferro e fogo e é isto que a gente não quer. Que ganhe o melhor.
Para 2022 foi aprovada um pacote financeiro para os pagamentos dos atrasados às empresas nacionais. Disse que o dinheiro não está a circular, este pacote vai permitir certamente alguma liquidez, mas há quem defenda tratar-se de campanha eleitoral. Que leitura faz?
Acho que deve lembrar-se dos empresários das dívidas, são aqueles que não fizeram nada e receberam milhões à pala da dívida. Como o sistema continua pouco transparente, o que vai acontecer é que aqueles que trabalharam muito não vão receber e aqueles que nada fizeram vão ter milhões no bolso.
Tem atrasados a reclamar?
Não quero falar da minha situação particular porque não me parece que deva reclamar questões pessoais em público. Mas conhecendo o universo dos meus associados, há muita gente que trabalhou para o Estado e que não recebeu mas, conhecendo o historial, também sei que muita gente que nada fez assinou uns papéis, fez umas correções e recebeu centenas de milhões, são os tais empresários da dívida. Não me estranha nada que, neste momento, as pessoas bem comportadas, bem alinhadas possam ver muito dinheiro a entrar nos seus cofres, mas não há cofre que possa comprar a dignidade de um povo e é uma boa oportunidade para vermos realmente se o nosso povo tem dignidade ou não.
Além da “vergonha”, referindo-se aos empresários, que outra declaração o Presidente lhe chamou atenção?
O presidente diz que falou com os empresários, mas não falou.
O Presidente disse que falou e sempre que possível fala….
Não é assim que se fala com os empresários. Temos que institucionalizar o diálogo entre o Governo e as associações empresarias. Quer dizer, que tem que ter hora marcada, local, delegações de um lado e de outro, tem que ter regimes de funcionamento, actas. Tudo isso é que vai ajudar o Presidente da República e toda a sua equipa a dizer sim estamos em diálogo.
Enquanto o diálogo for de cima para baixo, não é diálogo, é uma orientação superior, não há parceria. Você escreve uma carta ao Presidente, não tem resposta, isso é que é uma vergonha. O Presidente da República recebeu várias pessoas, recebeu quatro associações, das quais duas são nossas associadas. Acontecem coisas no gabinete dele que, se calhar, ele nem sabe. Fui convidado para o Conselho da República, quem me telefonou foi o Edeltrudes, eu estava fora. Disse-me para me apresentar numa sexta-feira. Quando o Presidente da República convida um cidadão para um órgão desses, só temos que agradecer, dizer que é uma honra e uma ordem.
Então, comprei bilhete de regresso, estava no aeroporto para embarcar, telefona-me o Edeltrudes a dizer que “não é bem assim, mas vamos utilizar para o desenvolvimento com os negócios com a China”. Eu mandei dizer que não estava satisfeito. Até hoje ninguém se dignou a receber-me para me explicar para que palhaçada foi aquela.
Suspeita de alguma coisa?
Claro que suspeito. Que há alas mais radicais que não queriam ter uma pessoa não controlável e, se calhar, aconteceram movimentações no palácio, mas, para mim, tanto faz porque não fui eu quem pediu. Agora, quando me convidam e depois há este destrato, quer dizer que o gabinete do Presidente no mínimo não está a ter a delicadeza suficiente para tratar estes assuntos. Como você viu, sou empresário e não preciso de receber nada e nem estou atrás de nenhum tipo de financiamento, porque tenho medo de pedir dinheiro e depois não pagar, estou sempre com muito cuidado.
Perfil
Empresário e militante convicto, Francisco Viana, natural de Golungo Alto, Kwanza-Norte, é presidente da Associação Empresarial de Luanda e fundador do Fórum dos Empresários de Língua Portuguesa.
Já foi catalogado de “patrão dos patrões”, título que agora rejeita.
Assumido militante do MPLA, sendo actualmente membro do Comité Provincial de Luanda, considera-se um “militante triste e calado”.