Netflix começa a disponibilizar o filme moçambicano “Resgate”. Em entrevista à DW África, o realizador Mickey Fonseca fala sobre o caminho percorrido para chegar à maior plataforma mundial de streaming: “É um sonho”.
Estreia esta quarta-feira (29.07) na Netflix o filme moçambicano “Resgate”. Trata-se da primeira produção de um País Africano de Língua Oficial Portuguesa a ser exibido na maior plataforma mundial de streaming, que está disponível em 190 países.
É a primeira longa-metragem escrita e realizada pelo moçambicano Mickey Fonseca e um dos poucos filmes independentes produzidos no país.
“Resgate” conta a história de um jovem que se vê forçado a entrar no mundo do crime e tem de lidar com as consequências das suas escolhas. Retrata também a realidade recente dos raptos de empresários no país.
Foi filmado em Moçambique entre 2017 e 2018 e parcialmente editado em Portugal (edição de cor) e África do Sul (edição de som). A produção executiva ficou a cargo dos dois fundadores da Mahla Filmes, Mickey Fonseca e Pipas Forjaz – que tratou da direcção de fotografia e edição.
A estreia mundial aconteceu a 18 de Julho de 2019 em Maputo e Matola, onde esgotou salas de cinema por mais de uma vez. O filme também já tinha sido exibido noutras salas moçambicanas em Nampula, Tete e Chimoio e em Portugal.
Em entrevista à DW África, o realizador explica que levar o filme para a Netflix provou que o “sonho era mesmo possível” de ser realizado. Fonseca espera agora que Moçambique passe a valorizar mais a cultura e o cinema para que se possa “levar o país para o mundo”.
DW África: Como surgiu a oportunidade de distribuir um filme na Netflix?
Mickey Fonseca (MF): A oportunidade de distribuir um filme na Netflix surgiu com muito esforço. Surgiu porque eu acredito que o mundo está interligado. Acredito que todo o mundo se conhece. Então, através de pessoas que eu conheço tive sorte de chegar à Netflix, de pôr o filme à porta deles e de ter a sorte de eles verem o filme. Eles viram o filme e levaram ainda um tempo para me responder. E depois voltaram a responder e a mostrar interesse. Daí para frente começámos a negociar.
Mas foi um processo feito por nós, não temos nenhuma distribuidora. Foi um processo feito por nós de seguir, de ir atrás, de acreditar de que éramos capazes de meter o filme na Netflix e de conseguirmos alcançar o nosso objectivo, o nosso sonho.
DW África: E foi necessário algum investimento extra ou alguma produção extra?
MF: Do nosso lado não. Não tivemos que fazer nenhuma produção extra. Foi mais do lado deles [Netflix] quando eles decidiram que iam ficar com o filme. Primeiro o filme ia passar só em língua portuguesa com legendas em inglês e em francês. Mas depois viram o potencial do filme e disseram que podia ter um maior alcance. Então, decidiram fazer a dobragem no Quénia para inglês para poderem ter um maior alcance em África e no mundo. Mas isso foi um investimento do lado deles.
DW África: Será que esta visibilidade internacional vai fazer com que altere alguma coisa no apoio do Governo moçambicano à cultura e ao cinema?
MF: A gente espera que sim. Estamos a trabalhar mesmo para isso. Não é fácil aqui em Moçambique fazer filmes. Não é fácil fazer filmes em nenhuma parte do mundo, mas aqui em Moçambique especialmente. Não temos apoio nenhum. O sector privado também não ajuda muito. E nós trabalhamos nesse sentido que era para provar que era possível levarmos o país para o mundo, através da nossa cultura, através do cinema. E ter o filme na Netflix acho que vai mudar a maneira das pessoas pensarem e olharem para o cinema porque é uma maneira de levarmos o nosso país para fora, a nossa cultura para fora. E acho que vão começar a dar um pouco de mais-valia ao cinema, acredito que sim, e à cultura. É o que a gente espera.
DW África: Este filme, “Resgate”, retrata um assunto muito particular de Moçambique: o rapto de empresários. Também aborda outras questões locais, quer explicar?
MF: A ideia do filme começou quando começaram os raptos aqui em Moçambique, mas depois desenvolveu-se para uma história de um jovem. As dificuldades que um jovem passa e as decisões que ele tem de tomar para superar essas dificuldades. E, às vezes, aqui [em Moçambique] os jovens, porque são um pouco marginalizados, porque há falta de emprego etc., acabam entrando no crime. Mas o crime muitas das vezes não compensa. Eu queria mostrar esse lado, queria mostrar o lado das dificuldades, de o que é capaz de levar um jovem a entrar no crime e as consequências que isso tem mais à frente na vida deles.
O resgate é uma história de amor. É uma história de um jovem que tem uma família, mas que tem que tomar uma decisão. E a decisão que ele toma acaba o afectando, a família e o resto da vida deles. Então, é um filme que relata os raptos, mas que também fala de outras dificuldades sociais que a gente enfrenta aqui em Moçambique.
DW África: Quais são as próximas histórias que quer trazer para o cinema?
MF: São várias. Nós estamos cheios de histórias, eu gostaria de contar tantas histórias. Mas nós abordamos mais as histórias sociais, as histórias que têm a ver connosco, que têm a ver com o dia-a-dia e que podem, de alguma maneira, pôr as pessoas a pensar, a reflectir um pouco sobre alguma mudança que tem de se fazer, sobre algum diálogo que se tem de ter à volta de certos aspectos para podermos melhorar e para podermos ter uma sociedade melhor.