Na vila da Chibia, pouco mais de 40 quilómetros a sul da cidade do Lubango, foi desenhado, há oito anos, um projecto empresarial com potencial para revolucionar a história agrícola de Angola, ao apostar num programa de multiplicação de sementes de milho, batata rena e feijão.
Com unidades de produção nos municípios da Chibia e Humpata, na Huíla, e Ombandja, no Cunene, o projecto, desenvolvido pela Jardins da Yoba, empresa que actua nos ramos da agricultura, pecuária e indústria, pretende contribuir, de forma significativa, para o aumento progressivo da independência alimentar do país.
Em 2016, o grupo empresarial foi indicado pelo Programa Nacional de Sementes para, numa parceria com IIA (Instituto de Investigação Agrária) e o CIMMYT (Centro Internacional de Melhoramento do Milho e Trigo), corporizar o melhoramento e selecção de sementes.
Em reportagem no Sul de Angola, “Andando o país pelos caminhos da agricultura e do desenvolvimento”, o Jornal de Angola esteve numa das fazendas, a da Mukuma, situada pouco mais de dez quilómetros da vila da Chibia e pode ver a estratégia seguida para a incorporação científica, tecnológica e da cadeia de negócios, no caminho para uma produção e multiplicação sustentável e permanente de sementes.
A referência que se tem, hoje, deste projecto é de que a multiplicação de sementes pode, também ser um caminho a seguir, num momento em que Angola está confrontada com uma seca severa, com impacto muito significativo para as reservas alimentares.
Referenciada nesse domínio, o Grupo Jardins da Yoba está indexada ao mercado da África Austral e investe em tecnologia de vanguarda e no “know-how” dos melhores engenheiros e técnicos, algo que lhe permite contribuir para a produção e diversificação da economia com produtos de “excelência”, como nos foi dito na Chibia por técnicos envolvidos no projecto, cujo investimento já vai em 10 milhões de dólares.
A convicção que há nesta companhia agrícola é que o prestígio das variedades de sementes de milho e de batata que produz, a sua aceitação e valorização pelas empresas agrícolas, agricultores e camponeses justificam o investimento feito até aqui, para a sua expansão e especialização.
Em conversa informal com técnicos que trabalham no projecto, percebe-se, facilmente, a preocupação com o aprimoramento da qualidade dos grãos, para a obtenção de óptimas colheitas pelos utentes de sementes multiplicadas. Há, pois, cautela no manejo, para evitar falhas que comprometam todo o processo.
Uma maior procura em relação à efectiva capacidade de oferta, aumento da carência interna em relação à semente importada, com a tendência em alta da procura no país, resultado da corrida ao sector agrícola, são apontados, também, como razões de “peso”, para esse investimento no segmento da multiplicação de sementes.
As soluções inovadoras no segmento de sementes, desenvolvidas no Jardins da Yoba, estão, também, em linha com as oportunidades de negócios, com a tendência da procura em alta, à luz do PIAAPF (Plano Integrado de Aceleração da Agricultura e Pescas Familiar), sobretudo o apoio à agricultura familiar, que representa o maior volume de comércio.
À reportagem do Jornal de Angola foi explicado, com detalhe, que um dos principais objectivos é, precisamente, a intervenção para o estabelecimento de uma reserva fitogenética e o asseguramento dos desenvolvimentos científicos, para capitalizar o seu aproveitamento económico, algo que passa pelo estabelecimento de um Catálogo Nacional de Variedades. Os peritos do projecto sinalizaram o seu impacto para a diversificação económica, com maiores taxas de incorporação nacional, o que abre caminho para a substituição directa e indirecta de bens passíveis de serem produzidos internamente.
Como se diz noutro espaço desta peça, o núcleo do negócio, está na produção de sementes de milho e de batata rena, mas há, também, uma aposta mais ambiciosa em fileiras como cereais, hortícolas e frutas, em que os números são já significativos e com perspectivas de aumento progressivo, para satisfação tanto de produtores, como dos consumidores finais.
Unidades produtivas
O engenheiro agrónomo João Saraiva é o director-geral do Jardins da Yoba. Foi nosso cicerone, enquanto permanecemos na Fazenda Mukuma, uma das quatro unidades agrícolas que compõem a empresa. Foi, pois, por ele que pudemos perceber todo o trabalho que é feito naquela região Sul de Angola, para a multiplicação das sementes, um projecto considerado único no país.
A Fazenda Mukuma estende-se por 320 hectares, sendo que 100 representam a área irrigada, 70 são pivôs rotativos, outros 10 por aspersão, para a produção de hortícolas e 20 irrigados de forma localizada, com o foco para a plantação de citrinos.
Na Mukuma são multiplicadas sementes de milho e batata rena, devidamente licenciadas pelo Serviço Nacional de Sementes, como explicou João Saraiva, que revelou, de seguida, números “interessantes”, a traduzir o potencial de cada um dos pólos agrícolas do conglomerado empresarial. Indicou que na Mukuma há capacidade instalada para a produção de 135 toneladas de sementes de milho, 175 de batata rena, 150 de citrinos, 85 de massango e 10 de hortícolas.
“A obtenção de semente pré básica e básica é feita nas fazendas da Mukuma e Humpata, com programas assistidos, numa parceria pública-privada, com o Instituto de Investigação Agronómica (IIA)”, adiantou João Saraiva.
O responsável explicou, depois, que na Fazenda Chaungo, mais à Sul da vila da Chibia, em direcção à província do Cunene, há condições que permitem uma produção que pode chegar às 620 toneladas de sementes de milho, num espaço de 500 hectares de terra arável, no vale aluviar do rio Caculuvar, o mais importante da região.
Tal como na Mukuma, no Chaungo 75 hectares são irrigados com recurso a pivôs rotativos e 20 com rega gota-a-gota, num pomar de mangueiras, que alimenta uma indústria de processamento de doces de frutas, como manga, goiaba, morango e mirangolo, implantada na Chibia.
Já na Fazenda Humpata, próximo do Lubango, os números disponibilizados pelo director-geral dos Jardins da Yoba são, na verdade, mais modestos. Foi-nos dito que a produção se situa em 50 toneladas de sementes de milho e outras 200 toneladas de semente de batata.
Trata-se, afinal, apenas de 150 hectares de terra agricultável, dos quais 10 irrigados por pivô e 60 por gota-a-gota. Mas essa unidade, situada no “cobiçado” perímetro irrigado da Humpata, tem uma importância acrescida, por acolher os blocos de multiplicação de semente básica e o respectivo programa de assistência técnica. Aqui, o cobiçado está mesmo entre aspas, pois nesse perímetro estão implantadas algumas das mais bem sucedidas fazendas da Huíla.
Um detalhe: Foi na Fazenda Humpata que na campanha agrícola 2018/2019 foi realizada, com sucesso notável, a multiplicação comercial das primeiras sementes híbridas em Angola, no que viria a constituir-se num registo importante na história agrícola do país.
No perímetro irrigado da Gangela, actualmente em visível estado de abandono, está a Fazenda Maheque, que chama a si a produção de tomate, para o qual destina 10 hectares com irrigação gota-a-gota. Outros 33 hectares, de um total de 50, são irrigados com pivôs rotativos, como constatou a reportagem do Jornal de Angola.
“Aqui, temos potencial para a produção de 350 toneladas de semente de batata rena e 100 de milho”, explicou-nos João Saraiva, que se mostrou particularmente preocupado com a inactividade do perímetro irrigado da Gangela.
Por tudo o que representa para a produção de alimentos, o perímetro irrigado da Gangela deve ser destacado. É considerado um activo importante.
Trata-se de um espaço de 1.200 hectares irrigáveis e é considerado o segundo maior da província da Huíla, depois do da Matala, cerca de 200 quilómetros a Leste do Lubango e que possui 11 mil hectares. Sabe-se que, entre 2007/2009, a barragem da Gangela foi reabilitada, passando a dispor de uma albufeira para a retenção de 3.000 milhões de metros cúbicos de água, uma bacia de dissipação, dique de derivação, estação de bombagem e dois canais de 24 quilómetros.
O engenheiro agrónomo revelou que a sua empresa avançou com uma proposta “concreta”, para a viabilização do perímetro da Gangela, que prevê, no essencial, o agrupamento de produtores de citrinos, com o Jardins da Yoba a servir de âncora, mas que aguarda resposta do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) e do Ministério da Agricultura e Pescas.
Multiplicação partilhada
De volta aos cereais. O principal traço das fazendas e unidades de gestão partilhada é, como se vê, a multiplicação de sementes, sobretudo de milho. Perguntamos a João Saraiva sobre a sustentabilidade, a longo prazo, de um programa com essa dimensão. “Vamos recorrer à contratação de multiplicadores locais, especializados, para nos assistirem na escala de multiplicação”, respondeu.
Argumentou que “um agricultor especializado, com terra protegida, acesso ao sistema de irrigação, conhecimentos técnicos ou disponibilidade para aprender, poderá aceder a um programa de multiplicação partilhado com o Jardins da Yoba, como já se faz noutros países”.
João Saraiva faz contas e perspectiva uma boa safra para os próximos tempos. “Temos actualmente, em terra, feijão para semente, com a expectativa de colhermos 65 toneladas na Fazenda Chaungo e 30 na Makuma”, afirmou.
Em Ombandja, na margem direita do rio Cunene e com solos predominantemente arenosos, mas com textura fina, está a Fazenda Chivemba, de gestão partilhada com um grupo empresarial local. A sua importância assenta na multiplicação de sementes de milho, em contraciclo com as regiões do Planalto Central.
Ao Jornal de Angola foi revelado que esta é uma condição de “extrema importância”, nos intervalos de produção, que permite o alargamento entre as épocas de sementeira e da colheita. A Fazenda Chivemba pode produzir até 700 toneladas de milho, enquanto uma outra, a Tandanda, também na margem direita do rio Cunene, mas a jusante da barragem hidroeléctrica da Matala, deve arrancar em Agosto próximo. A Tandanda leva a vantagem de estar numa zona de precipitações mais regulares e já possui infra-estruturas para armazenamento em silos, devendo os seus blocos produtivos serem os primeiros a serem plantados, segundo os seus gestores.
Investimento milionário
O investimento de 10 milhões de dólares, feito até agora no Jardins da Yoba, segundo o seu director-geral, representa metade de fundos próprios e, outra, um financiamento do Programa Angola Invest, estando em fase de reembolso.
João Saraiva indicou que, nesta altura, a companhia agrícola está em negociações para obtenção de um outro financiamento, com que pretende passar para a especialização e expansão da sua actividade, algo que poderá culminar com um aumento de 2.000 para 5.000 toneladas a capacidade de processamento.
Novas indústrias
A estratégia para a multiplicação de sementes prevê, também, a montagem, na comuna da Arimba, de um centro de processamento e armazenamento de semente de milho e outros cereais (massango e massambala), bem como de leguminosas (feijão e soja) e uma moagem de fuba de milho, esta para substituir a actual em operação na zona da Mapunda (Lubango), com capacidade para 1.200 toneladas por ano.
A escolha dessa localidade, para acolher a infra-estrutura, capaz de processar anualmente 1.000 toneladas de sementes diversas, não é inocente. Além de estar entre a cidade do Lubango e a Chibia, dois dinâmicos pólos comerciais, a Arimba tem a proximidade da EN 105, um importante nó rodoviário, que dá a garantia do escoamento rápido e seguro de toda a produção para as áreas de consumo.
Nesse pólo industrial, prevê-se a instalação, igualmente, de uma moagem para fuba de milho, sendo, aliás, este o objectivo primário de um novo projecto de investimento, como apurámos de fonte do grupo empresarial. Na vila da Chibia, foi-nos, igualmente, mostrado um centro de processamento e conservação de semente de batata, preparado para armazenar, em temperatura adequada, 1.200 toneladas, algo muito valorizado, numa região onde em épocas de boa safra, há relatos recorrentes sobre dificuldades de escoamento de produtos para o circuito comercial.
O centro está equipado com a mais moderna tecnologia, que garante a preparação anual de 1.000 toneladas de tubérculos de semente de batata rena, bem como uma unidade de limpeza, selecção e empacotamento, seguindo os mais exigentes padrões comerciais, como explicou o director-geral da Jardins da Yoba.