Dezenas de mulheres e crianças morreram à fome e doenças em campos de deslocados e abrigos improvisados por falta de alimentos e assistência médica após o ataque à localidade de Palma, na província moçambicana de Cabo Delgado, em Março, por um grupo armado ligado ao Estado Islâmico, disse à VOA nesta sexta-feira, 1, o movimento da sociedade civil Voluntários Anónimos de Moçambique (VAMOZ).
Milhares de pessoas em Palma, que já viviam uma situação de isolamento por causa dos ataques do grupo armado localmente conhecido por al-Shabaab, viram a sua condição deteriorar com a escassez de alimentos e as restrições para o seu reabastecimento, situação que degenerou para um drama humanitário.
Campanha de 40 dias de salvação
Pouco depois do ataque a Palma e após intensas negociações com o governo e as tropas estatais, o VAMOZ conseguiu chegar com a primeira ajuda a Quitunda, bairro de reassentamento transformado em campo de deslocados perto do porto de Afungi, e o que viu “foi chocante”.
“Há cerca de 40 dias tínhamos uma situação de mães e crianças em estado de desnutrição muito, muito avançado, houve inclusive falecimento de crianças, algumas mães, idosos não tenho registo disso, mas outros faleceram por falta de alimentação”, explica Joana Martins, coordenadora da resposta humanitária em Cabo Delgado.
Em média, prosseguiu, havia na zona de Quitunda “quatro ou cinco falecimentos por semana”, um número que reduziu drasticamente após uma intervenção de choque do grupo que mantém um grupo de voluntários permanentes na região, que conta com uma parceria de uma empresa de logística marinha da Holanda.
A também voluntária fundadora da VAMOZ destaca que nas primeiras reuniões que manteve com as lideranças locais, nos meses de Junho a Agosto, para uma consulta sobre as necessidades da população deslocada, surpreendeu-se com a resposta.
“A primeira coisa que foi pedida, foram panos branco para poder fazer as cerimónias fúnebres” frisa, acrescentando que logo a seguir, a distribuição de comida era acompanhada por “kit” de panos brancos, que eram entregues aos líderes.
Joana Martins acrescenta que os sinais de alarme para a necessidade de ajuda humanitária em Palma começaram a aparecer com clara evidência um mês após o ataque ao distrito berço dos megaprojetos de gás, quando o movimento de voluntários mobilizou equipas médicas e a fazer chegar as alimentações.
“Os que tinham ficado (em Palma) eram pessoas mais vulneráveis, que não conseguiram fugir do ataque e havia uma urgência humana”, recorda Joana Martins, afiançando que vários doentes crónicos, com tuberculose e HIV tinham sido forçados a suspender o tratamento por falta de assistência médica.
Desde então, continua, o grupo iniciou um programa piloto a preparar localmente papas nutritivas e a administrar medicação de choque para desparasitação das crianças com o apoio de equipes médicas das forças governamentais e dos serviços de saúde local.
“Nós chegamos a 32 mil refeições que conseguimos distribuir, mas esse não é o indicador, o indicador muito mais precioso é que não houve mais nenhum falecimento por desnutrição”, durante os 40 dias de implementação do projecto piloto, que continua active.
Apoiar em condições de insegurança
Apesar das condições críticas de segurança, Joana Martins afirma que o grupo continua a “dar apoio à população em zonas recentemente libertadas ou pessoas encontradas”, sempre que solicitado pelas Forças de Defesa e Segurança.
“O risco é grande, é um desafio logístico porque é uma zona completamente inacessível, um desafio de segurança, mas existem muitas pessoas para assistir, e são quase todas vulneráveis”, observa.
A ajuda humanitária continua a acontecer num contexto muito desafiante, segundo Martins, “por ser em zona de uma guerra activa, o que significa que o nível de perigo é exponencial, para os que vão ajudar e os que precisam de apoio.
“Não é o ideal (dar uma refeição) porque é uma refeição por dia, é uma papinha, mas dentro do nosso melhor conseguimos salvar as vidas humanas que estavam por um fio, por exemplo de bebês que as mães faleceram, e isto é a grande conquista”, conclui.
VAMOZ no terreno
A VAMOZ nasceu por ocasião da passagem do ciclone Idai em Março de 2019 por Moçambique e está activa em Cabo Delgado desde 2020.
Após a suspensão em Abril das operações de evacuação da Total e das Nações Unidas em Palma, por falta de segurança, o grupo mobilizou parceiros que continuaram a evacuar sobretudo “pessoas feridas, crianças com deficiências e doentes, mulheres grávidas e idosos.”
O movimento se destacou por criar a campanha #todosporCaboDelgado, que levou ajuda aos deslocados em Nampula e Pemba, e pela plataforma #hope4palma, que permitiu reunir à família mais de 5.064 deslocados, dos 5933 que tinham sido registados na plataforma como desaparecidos.
A organização também presta assistência psicológica a milhares de deslocados traumatizados com os ataques em Cabo Delgado, através de uma rede de psicólogos que oferecem serviço gratuito aos deslocados.