No debate sabatino da Rádio MFM conduzido por Alves Fernandes, que contou com a participação de Albino Pakisse, Walter Ferreira, Joaquim Jaime e de Carlos Rosado de Carvalho, referi que, os mais-velhos do MPLA falharam na gestão da transição do poder para João Manuel Gonçalves Lourenço e da retirada de José Eduardo dos Santos porque, tal como se percebe do desabafo de Boavida Neto (ex-secretário geral) à TPA que se disseminou pelas redes sociais, deixaram levar-se pela cultura do medo implantada desde a liderança de Agostinho Neto, e confundiram a sua gestão do Estado com a gestão interna do partido, onde eles nunca foram meros figurantes. E a história, com factos, confirma que quem sempre mandou e dirigiu Angola, foram os membros do bureau político do MPLA. Logo, não deveriam lavar as mãos como Pilatos, isentando-se das suas obrigações e responsabilidades.
Para mim, é incrível como mais-velhos históricos desse movimento/partido, têm medo de novatos como João Manuel Lourenço, de Luísa Damião, Paulo Pombolo & Cia e entregaram de mão beijada as suas responsabilidades a um grupo de pessoas que, nessa sucessão geracional não se identifica com eles próprios que desbravaram a mata para que se pavoneiem agora no poleiro do Sistema que nos aferrolha. E afirmo isso, porque considero que em situação normal, o óbito de José Eduardo dos Santos deveria ter sido assumido primeiro pelo MPLA, porque foi com 17 anos que começou a servi-lo, ao abrigo de um casamento de ideais que durou mais de meio século; porque não acredito, que alguém venha a ter o mesmo protagonismo no MPLA, já que, também é possível que nos próximos 20 anos esse partido possa implodir, um risco extensivo de igual modo aos gigantes. Eu esperava deles mais higiene comportamental, uma retirada com dignidade, mas têm-se portado como autênticos hipocritas, covardes, como mais-velhos sem carisma, logo, descartáveis, como está a acontecer. Já não têm expressão. Muitos deles, que vi chegar barbudos e magricelas, pobres como é evidente, são hoje milionários no quadro do compadrio da distribuição do poder e da nossa riqueza feita por José Eduardo dos Santos. Mas, como se penitencia Boavida Neto, abandonaram-no quando ele mais necessitava de companhia. Nunca o visitaram em Barcelona mesmo tendo recursos para comprar bilhete de avião e pagar hospedagem, nem durante a sua estadia em Luanda, mesmo tendo carros que não foram adquiridos com o seu dinheiro. E agora querem ou vão aparecer, querem, de novo, palco para brilhar ou dar a conhecer que afinal existem…
Nesse debate, também defendi que, independentemente das manifestações públicas, sobretudo de anônimos e não só, que expressam respeito e admiração por essa figura, nada impede que as suas exéquias se restrinjam à família directa e alguns amigos e visitantes, de várias partes do mundo, que já confirmaram o desejo de marcar presença em Luanda. Mas, nos últimos áudios divulgados pela filha, Tchizé dos Santos, acaba por ficar claro que, embora seja um sentimento que retrate unanimidade da família, alguns dos filhos, e são na certa os mais velhos, não querem o envolvimento do presidente João Lourenço, pelas razões conhecidas. E essa decisão também pode reflectir a vontade (apesar de não expressa) do próprio José Eduardo dos Santos, transmitida com subtileza nas abordagens que certamente fez com os filhos em várias ocasiões, em que terá dado conta da sua desilusão pela forma desrespeitosa como ocorreu a transição, porque é por demais evidente que está longe de ser considerada pacifica, porque transmite a perspectiva de que há “perseguição e exercício de justiça selectiva” (a expressão não é minha, dizem até advogados, mas concordo). E o silêncio de José Eduardo dos Santos, o seu autoafastamento e autoexílio em Barcelona, para lá das razões de saúde, podem reflectir esse sentimento.
Ao fazermos essa radiografia, recordamo-nos que a desilusão de José Eduardo dos Santos iniciou ainda ia a meio a campanha de João Lourenço como candidato, ao ter conhecimento de alguns dos seus pronunciamentos, mas também a forma grosseira, nalguns casos mesmo com eivo muito próximo de ordinarice, como passou a tratar algumas figuras próximas ao ex-presidente, quando até davam suporte à sua campanha. Mas, o corolário ficou por demais patente durante o congresso que confirmou João Lourenço como presidente do MPLA. Ao vê-lo deixar a sala acompanhado apenas por Paulo Kassoma, em conversa com um amigo depois de ver aquelas imagens transmitidas pela TPA, disse-lhe que, conhecendo a postura polida a que nos tinha habituado José Eduardo dos Santos, não acreditava que o veríamos de volta à sede do MPLA, ou a participar seja no que fosse relacionado com o partido que dirigiu por longos e estafantes 38 anos. Mas também disse-lhe que, esses mais-velhos não perceberam que, com a sua cumplicidade e ovação, o novo presidente do MPLA acabava de aniquilar quem no fundo assegurou a sobrevivência e a continuidade desse partido e dessa casta de dirigentes. Nem tiveram visão e destreza suficiente para entender, que as próximas vítimas, seriam eles. E o período de graça não demorou muito! Atenção, nunca defendi que José Eduardo dos Santos não devia abandonar o poder. Antes pelo contrário, sempre fui de opinião que deveria tê-lo feito já quando conquistada a paz, passando o testemunho para alguém mais jovem sim, ainda que João Lourenço, mas o cenário, como é evidente, era outro.
Considerando tudo isso, que foi de facto grave, porque, como referi, não souberam diferenciar José Eduardo dos Santos, o presidente condecorado com o título de Emérito, daquele que foi servidor público cujos actos merecem outro tipo de julgamento, da Nação e dos seus filhos que não foram tidos de forma igual, digam-nos se faz favor, porque razão esse mesmo MPLA deverá render-lhe agora homenagem? Do ponto de vista ético ou até afectivo, não faz sentido e os seus filhos reclamantes têm sim razão ao não aceitar, apesar do seu estatuto de estadista. E se depender de Tchizé dos Santos, está mais que confirmado que a acontecer o funeral de José Eduardo dos Santos em Angola, só mesmo quando João Lourenço já não for presidente. Logicamente que, não é isso que boa parte da Nação quer. O desejo é que ele, finalmente, repouse em paz, em solo da pátria que ele serviu e pacificou. Mas, o que está patente agora é que existe um conflito, que resulta do comportamento de suposto desrespeito e perseguição da liderança do país, que o bom senso exige correção para que se transponham todos os obsctáculos, com diálogo sereno com todas as partes, de preferência sem intervenção de uma viúva que, se é de facto do ponto de vista de papel assinado porque não se consumou o divórcio ao que se diz solicitado pela própria, deixou de ser antes mesmo da tomada de posse de João Lourenço, quando ocorreu a separação do casal (em consequência de questões que não são para aqui chamadas). E neste caso, esse aspecto, apesar da velha máxima que aconselha que “em maca de marido e mulher e com filhos no meio não se deve meter a colher”, é fundamental porque uma esposa, com o seu estatuto, se não existe mesmo problema bicudo, não fica cinco anos distante de um esposo adoentado. Teria sido melhor para si, continuar a fingir que estava tudo bem, como aconteceu no acto de posse do próprio presidente da República, do que fazer agora esse papel de viúva que já não é mas aceita ser.
Em suma, no todo, esse debate foi bom, foi diferente, porque nele não se ‘poliu’ a imagem de José Eduardo dos Santos. Fomos intelectualmente honestos. Tecemos críticas porque, apesar do nome sinônimo de pureza (Dos Santos), como qualquer humano José Eduardo cometeu erros (não foi o único responsável porque todos eles fizeram parte do game). Mas também reconhecemos e exaltamos o que fez de bom, e diga-se, que não foi pouco. Entre os seus últimos actos maus, disse por exemplo, que não percebi o seu silêncio cúmplice, quando se prendeu e julgou os jovens no caso de suposta tentativa de golpe conhecido como 15+2, obra desse tal general que, agora, com sentimento de culpa, se transformou em trabalhador voluntário do Governo da Província de Luanda para a área de limpeza de campas no cemitério do Alto das Cruzes. Já agora, transfiram-no para o do Benfica. Não percebi esse comportamento, porque estavam a fazer exactamente o mesmo que a PIDE, que o regime colonial que combateram.
Disse também nesse debate sabatino, e reafirmo, que o MPLA é uma máquina de terror que devora adversários e até os seus próprios filhos. E a história, desde os tempos como movimento de libertação e no pós-independência, está aí para atestar. Sobretudo, porque mataram demasiado para estabelecer o seu domínio. E nessa radiografia ao passado e ao presente, afirmei que, a morte de José Eduardo dos Santos representa, igualmente, o fim de um ciclo de “reinado” dos guerrilheiros. É que, no inventário dos sobreviventes em que incluí aqueles que já usam fraldas descartáveis, não conseguimos identificar um só que substituirá João Lourenço. Aliais, precavendo-se, com antecedência, decretou o fim desse ciclo, em que não ficarão bem na fotografia dessa tal Grande Família que conduziu o país desde a independência e é responsável pela delapidação de recursos, pelo atraso, pela miséria, por terem pactuado com o roubo e a transferência do que é nosso para injectar desenvolvimento e riqueza no país colonizador, que de forma cúmplice, recebeu-os de braços abertos. Mas, esse julgamento começa na forma como até a independência foi proclamada.
E aí, a culpa deve ser repartida entre todos os actores porque a falta de patriotismo foi geral. Eles não tinham noção do país por que lutavam para o libertar. Nesse capítulo, José Eduardo até pode ser considerado como o ilustre faxineiro desse “lixo tóxico” da nossa história que, infelizmente, também por culpa dos tais mais-velhos, ainda não enterramos devidamente, porque até a paz de que foi ‘arquiteto’, não foi completa (ou complementada para lá do calar das armas). Mas, se tiverem outras dúvidas do que afirmo, ou se quiserem fazer melhor análise, liguem a TPA. Nessa estação, até a morte do homem que dirigiu Angola por 38 anos continua ofuscada porque conseguem dar igual ou mais espaço as exéquias de Agostinho Neto. Sem passar ao largo da história, entendo que essa foi apenas a referência do início de um grande combate que, na recta final, José Eduardo dos Santos travou com a mesma serenidade e dignidade com que entrou.
Paz à sua alma! Que seja Deus a julgá-lo ou a condená-lo. Eu não, porque como humano, também já fui e sou ainda falível. Como jornalista, exerci o meu papel elogiando quando tive que o fazer, criticando quando foi merecedor, porque a ditadura implantada com o seu cunho ou a morte que pelo menos até este instante não me chamou, ainda não conseguiram silenciar-me.
Como é evidente, gostaria de tê-lo ouvido numa conversa descontraída de pé-de-orelha. E tentei várias vezes ao longo desses cinco anos de autoexílio mas, provavelmente, porque queria estar apenas no seu canto, não consegui. Mas a vida é isso mesmo. Cada um tem o seu dia e a sua hora já marcada: o que persiste, é a dificuldade em aceitarmos que a morte é a maior das certezas.