A Rede dos Defensores de Direitos Humanos apela à intervenção urgente do Presidente Filipe Nyusi e da Procuradoria-Geral contra as campanhas de ameaças, incitação ao ódio à intolerância contra vozes independentes.
Em Moçambique estão a ser levadas a cabo “campanhas de ameaças e de incitação ao ódio e à intolerância contra defensores dos direitos humanos, activistas sociais, académicos, organizações da sociedade civil e media independentes”, afirma a “Rede Moçambicana dos Defensores de Direitos Humanos” (RMDDH).
Devido à gravidade da situação, a Rede Moçambicana de Defensores dos Direitos Humanos (RMDDH) apela à intervenção urgente, tanto do Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, quanto da Procuradoria-Geral da República. “O seu silêncio e a inacção dos órgãos da Justiça perante graves violações dos direitos e liberdades fundamentais concorrem para a institucionalização da impunidade e do clima de medo na esfera pública moçambicana”, lê-se na carta enviada ao chefe de Estado moçambicano, datada de 24 de Fevereiro.
Em entrevista à DW África, esta sexta-feira (26.02), o activista e representante da RMDDH, Adriano Nuvunga, diz que a rede solicitou uma audiência ao Presidente da República e à Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, para abordar estas questões a bem do Estado de direito e democrático, da justiça, da segurança e da ética pública.
DW África: A que tipo de ameaças se refere concretamente a RMDDH?
Adriano Nuvunga (AN): Se se recorda, nos últimos oito anos, desde que se assassinou barbaramente o professor Gilles Cistac [em março de 2015], as ameaças, os sequestros com motivações políticas, mas, particularmente, a institucionalização do discurso de ódio por parte de um grupo de moçambicanos ligados ao poder, tem estado na ordem do dia. E aquilo que nós vimos nos últimos tempos, os assassinatos são perseguidos de discursos de ódio. Então, dissemos não! É neste contexto que a Rede Moçambicana dos Defensores dos Direitos Humanos enviou aquela carta ao Presidente da República [Filipe Nyusi] e pediu um encontro com a Procuradora-Geral da República [Beatriz Buchili].
DW África: Diz que os autores das ameaças são pessoas ligadas ao poder. Há foram identificadas?
AN: Nós indicámos algumas das pessoas na carta. Nós estamos a dizer que é do conhecimento público que parte das pessoas que tem estado a incitar a ódio, desde há algum tempo a esta parte, são pessoas que são acarinhadas pelo poder público em Moçambique.
DW África: Na nota a rede refere-se também ao caso concreto e actual do antigo ministro da Saúde, Hélder Martins. O que é que aconteceu a Hélder Martins?
AN: O que aconteceu foi que esse ilustre, Julião Cumbane, publicou uma nota, chamando o Hélder Martins de um velho caduco branco, que quer ser mais importante que os moçambicanos pretos na sua terra. Isto é inaceitável, não somente porque o Hélder Martins é um dos libertadores de Moçambique, mas também porque Moçambique é uma nação pluriracial. É uma nação que à luz da sua Constituição tem no seu tecido social pessoas das mais variadas origens. Isto é inaceitável por particularmente vir de uma pessoa que recebe salário do Estado e que ocupa uma posição para a qual foi nomeada pelo primeiro-ministro. Proferiu um discurso que já estava a ganhar força. Isto é inaceitável. [Julião Cumbane é um alto dirigente da FRELIMO, que ocupa cargos públicos, entre os quais PCA dos parques de Ciência e Tecnologia. Tem feito uma série de publicações nas redes sociais a favor do Governo e contra os críticos do Governo].
DW África: Tem a esperança que a Procuradoria-Geral da República ainda vir a pegar nestes casos e investigá-los com eficácia e determinação?
AN: A minha experiência de luta democrática mostra que não se pode perder a esperança. É um evento muito simples, que pode resultar em uma Procuradoria-Geral mais activa, e pode retirar a Procuraria da posição onde se encontra de servilismo em relação ao poder público. Acredito que sim, isso ainda é possível. Apesar de, neste momento, a Procuradoria mostrar pelas suas acções que está mais preocupada em defender o poder do dia do que propriamente as liberdades e os direitos humanos no país.
DW África: E o Presidente da República pode contribuir para uma solução ou é parte do problema?
AN: Eu acredito que o Presidente da República pode [ajudar]. E note que este Presidente que nós temos é um Presidente jovem. Filipe Jacinto Nyusi era cidadão, contrariamente ao Presidente Samora Machel, ao Presidente Joaquim Aberto Chissano, ao Presidente Armando Guebuza, que chegaram à presidência como libertadores, como heróis. Este não! Nyusi está a construir o seu percurso de estadista através do exercício da democracia, com base na Constituição da República. Por isso acredito que o Presidente da República pode e vai a tempo de deixar um legado importante.