“Virgem”, logo sem grande historial, o mercado de reciclagem cresce em Angola por força do “enorme” potencial, provocado pelo excesso de desperdício.
Com uma produção de 6,3 milhões de toneladas/ano, só na província de Luanda, sua capital política e centro económico, o país conta com 10 empresas a actuar no mercado de reciclagem.
Dados dão conta que 45 por cento desses resíduos vão para a reciclagem e indústrias variadas, 35 por cento podem ser utilizados como produtos fertilizantes e 20 por cento para a geração de energia.
A tabela de preço da matéria-prima varia mediante o peso do produto e a sua valorização.
Um quilograma de alumínio custa 225 kwanzas, de ferro 35-45 kwanzas, as garrafas de vidro 17, papelão 10 kwanzas, plástico duro 100-150 e garrafas de plástico 100 kwanzas.
O país apresenta, também, um potencial de valorização de resíduos na ordem de 550 milhões de dólares ano.
Empresas escondem jogo
Colocando em prática o velho ditado “o segredo é a alma do negocio”, empresas do ramo “fecham-se em copas” e não abrem o jogo quanto aos lucros, indicando apenas ser rentável e com margem para maior valorização num futuro próximo.
No jogo do “esconde-esconde” está, por exemplo, a Angola Recicla, empresa vocacionada à reciclagem de garrafas plásticas, localizada no perímetro da Zona Económica Especial (Viana).
Com capacidade de produção instalada para uma tonelada e 200 quilos por hora, a Angola Recicla, sem avançar dados em relação aos lucros, aponta que gasta mensalmente cerca de 30 milhões de kwanzas para a aquisição da matéria-prima, por intermédio das associações de catadores (vasculhadores de lixo), empresas de recolha e triagem de lixo e outras pessoas.
Já o produto transformado (reciclado) é vendido a indústrias de vários sectores que estão a adaptar-se para receber materiais reciclados.
Falta de regulação cria entraves no mercado
Embora considere o mercado propício para o investimento, a gerente da empresa Angola Recicla, Patrícia Carvalho, apela à necessidade de maior organização do sector, com normas que separe cada entidade.
Para Patrícia de Carvalho, a falta de regulamentação que distingue as empresas de recolha e selecção de resíduos das indústrias transformadoras está a dificultar a actividade.
Sem regulamentação, o mercado está a comportar-se de forma “selvagem”, devido à interferência de entidades, muitas das quais fora do seu âmbito, no dia-a-dia das empresas legalizadas, adianta.
A exiguidade de matéria-prima, diz a gestora, leva a Angola Recicla a situar a sua produção de material reciclado entre os 500 a 600 quilos por hora.
Dificuldades de financiamento ou crédito por parte dos bancos comerciais também são apontadas como inibidoras do progresso da actividade.
A empresa, cuja gestora foi a única a falar à ANGOP, avança que neste momento tem instalada uma nova linha para a reciclagem de latas, que poderá entrar em funcionamento ainda este ano.
“É importante que as entidades bancárias olhem para esta indústria, bem como se revejam as taxas de juro que são muito altos”, referiu.
Luanda monopoliza mercado de reciclagem
Além da Angola Recicla, Luanda conta com outras empresas dedicadas ao trabalho de transformar produtos abandonados em lixeiras em novas matérias-primas.
Entre elas está a cooperativa Recovasso, que trabalha em parceria com os chamados catadores de lixo.
No essencial, a empresa compra, das mãos destes colaboradores eventuais, garrafas de água mineral, para a sua posterior transformação e produção de vassouras.
Dados da empresa referentes a 2019 indicam que a sua produção chega a 100 vassouras/dia. Para a sua confecção, são necessários pelo menos 40 bidões de água mineral, muitos deles provenientes da lixeira.
A Embalang é outra empresa que se dedica ao negócio da reciclagem de lixo, concretamente na produção de toneladas de papel e de cartão canelado.
No mesmo segmento, está a empresa Vasso-Força, que produz vassouras, cadeiras, camas, utensílios de decoração doméstica, produzidos a partir de garrafas de plástico e papelão.
Artesã dá cartas entre os tubarões
Num mercado dominado por empresas ou cooperativas, Patrícia Guerreiro destaca-se entre os “guerreiros solitários” que fazem da reciclagem a via para aumentar a renda familiar e dar emprego a terceiros.
Apesar de técnica da Agência Nacional de Resíduos (ANR), Patrícia Guerreiro ganhou o gosto de transformar os resíduos reaproveitáveis em obras de arte, abrindo, desta forma, portas ao primeiro emprego a cidadãos carenciados que com ela trabalham nessa missão de “salvar o planeta” da poluição do meio ambiente.
Com mais de 10 anos praticando essa actividade, Patrícia Guerreiro diz que, apesar ser um enorme desafio, agora há mais aceitação dos cidadãos sobre as possibilidades dos resíduos para a sociedade no geral.
Com uma equipa já estruturada de quatro elementos, um ateliê em Viana, no bairro Capalanga, afirma que consegue ter uma boa rentabilidade e viver desta actividade. “Há clientes de todos os níveis”, avança.
Patrícia trabalha com pneus, latas, garrafas plásticas, cartões de ovo e árvores abatidas para produzir cadeiras, mesas, quadros, vasos de roupas, entre outras obras.
A artesã orgulha-se de ter obras fora de Angola, como na Turquia (um vaso feito de fraldas, um quadro feito de cremalheira de bicicleta, uma borboleta que representa o Palácio de Ferro e uma obra exposta no pavilhão de Angola na Expo-Dubai 2020).
Agência Nacional de Resíduos atenta ao mercado
A presidente do Conselho de Administração da Agência Nacional de Resíduos, Nelma Caetano, considerou este mercado virgem se comparado com outros países.
Na óptica da Agência Nacional de Resíduos (ANR), todos os seguidores desta actividade devem estar identificados e formalizados.
De acordo com a ANR, os resíduos mais reciclados em Angola é o plástico, papel e sucatas.