O Juiz-Presidente do Tribunal Constitucional de Angola, Manuel Miguel da Costa Aragão, enviou esta semana uma carta ao Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço informando que coloca o seu cargo a disposição.
A decisão de Aragão ocorre depois de três anos de “braço de ferro” com o Presidente da República, resultando em ambientes de pressões, desencontro de visões, e o corte de relações institucionais entre as duas entidades. Segundo constatação, a “gota de água” foi o processo de fiscalização preventiva da revisão constitucional em que João Lourenço coloca o Tribunal Constitucional numa posição subalterna a Tribunal Supremo, ao que Manuel Aragão chamou de “suicídio do Estado democrático de direito”.
“Tendo mantido a estrutura e funcionamento de ambos os tribunais, admitir a existência de uma hierarquia (seja funcional ou protocolar) entre eles, pode constituir um suicídio do Estado democrático de direito, na medida em que a sua efectivação pode criar danos à certeza e à segurança jurídica, quanto ao cumprimento das suas decisões”, argumenta o presidente demissionário do Tribunal Constitucional na sua declaração de voto vencido, anexada ao acórdão N.º 688.
De acordo com observações, Aragão mostrou total desalinhamento com a forma como João Lourenço está conduzir o país, em termos de Estado de Direito Democrático, conforme estampou na sua declaração de voto vencido.
Até Maio do corrente ano, haviam consistentes evidencias de um alegado corte de relação institucional entre Lourenço e Aragão. Em duas ocasiões distintas em que João Lourenço manifestou abordar sobre este organismo, chamou para o palácio presidencial a Vice-presidente do Tribunal Constitucional, Guilhermina Contreiras Da Costa Prata, e numa outra ocasião convocou, uma outra juíza conselheira, Júlia De Fátima Leite Ferreira, que no passado trabalhou na sede do MPLA. Manuel Aragão estava completamente colocado de lado.
A constatação de que algo corria mal entre as duas entidades, foi publicamente verificada a quando da abertura do Ano Judicial 2021, em que João Lourenço ao proferir o seu discurso de abertura citou os juízes dos órgãos de soberania (Supremo) deixando de parte o presidente do constitucional como fazia no passado. Para não mencionar no seu discurso “Senhor Presidente do Tribunal Constitucional”, o Presidente João Lourenço, usou a expressão generalista de “Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores”, conforme se vê na imagem a baixo.
Tal hostilização deu azo a especulações de que ambos estarão de costas viradas pelo facto de Manuel Aragão manter uma postura não submissa ao poder político.
Dois pontos a considerar:
Aragão era pela reposição da legalidade quanto ao processo de Manuel Pereira “Manico” que foi escolhido para Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), num processo provido de graves irregularidades. Quando o assunto foi parar no Tribunal Constitucional, o Presidente João Lourenço, por via da bancada parlamentar do MPLA, orientou a retirada da juíza Conceição Sango que tinha já preparado um acórdão para a remoção de “Manico” da Silva da CNE.
Lourenço e Aragão partilham posições desencontradas quanto a condenação do antigo ministro dos transportes, Augusto da Silva Tomás. O TC esteve prestes a soltar Tomás por considerar que das acusações que pesam sobre si, nada ficou provado que usou fundos públicos para proveito pessoal e que a sua condenação esteve eivada de falhas técnicas por conta das debilidades do juiz Joel Leonardo que o condenou. Logo a seguir, Manuel Aragão foi “ameaçado” com um processo de substituição por alegado limite de idade, que decorria no Conselho Superior da Magistratura Judicial.
A figura a quem o Presidente João Lourenço até certa altura mostrava-se inclinado para ver a frente do Tribunal Constitucional é Guilhermina Contreiras da Costa Prata. Quando em Novembro de 2017, Guilhermina Prata foi indicada como Juíza Conselheira e vice-Presidente do Tribunal Constitucional, a mesma tomou posse a contra a sua vontade alegando que não fazia gosto de trabalhar com Manuel Aragão devido a antecedentes do passado em que um era ministro e a outra “vice-ministra”.
Segundo fontes do Club-K, terá sido João Lourenço que a persuadiu a tomar posse no decorrer de uma audiência de emergência no palácio presidencial. JL convenceu-lhe a reconsiderar a nova responsabilidade e fez-lhe entender que não deveria ficar preocupada Aragão tendo em conta que depois de três anos, este completaria 70 anos de idade e consequentemente passaria a reforma obrigatória.
Nas últimas semanas Manuel Aragão deu a conhecer a seu circulo familiar que estavam sobre pressão, não obstante ao surgimento de artigos provenientes de um virtual “gabinete de ação psicológica” espalhando boatos de que era devasso e pessoa não grata.