O Ano Novo na cultura Lunda-cokwe foi aberto oficialmente, ontem, na localidade de Sweja, há 25 quilómetros de Saurimo, com a realização de várias cerimónias culturais e rituais tradicionais, que incluíam súplicas e homenagens aos finados reis e outros antepassados a pedir prosperidade, saúde e harmonia entre a população.
Para o acto, um grupo de regedores, descalços, previamente seleccionados transpuseram, em passo lento e rosto inclinado, a vedação do cemitério. Depois, de joelhos, escutaram, em silêncio, o longo e respeitoso chamamento aos reis finados, por ordem da sucessão. O passo seguinte incluiu um ritual no túmulo, devidamente edificado, do malogrado soberano Mwatshissengue Watembo.
O reatamento desta actividade, suspensa desde o período colonial, “por razões políticas”, reuniu o consenso das autoridades da região leste, que assistiram ao acto, com o qual fica marcado “o regresso às origens para resgatar valores da cultura, perdidos por uma série de factores sociais e políticos”, disse o porta-voz da família real, Guilherme Martins.
Para Guilherme Martins, “a ignorância deste traço de identidade representou um desvio na forma de ser dos povos”, que antes festejavam o acto no início de cada época chuvosa, em Setembro, numa cerimónia conhecida por “Kamoxi”, na língua local e em português significa “primeiro mês”.
Geralmente o acto é marcado por músicas, que entoam alguns dos hábitos e costumes locais, a exposição de produtos do campo, utensílios de trabalho agrícola e artefactos para a pesca e caça. O aparecimento da lua nova, acrescentou, anuncia o momento ideal para as festividades, normalmente no fim de Agosto. “Nestas circunstâncias, competia ao Rei, invocar aos antepassados o que o povo precisava para ter fartura, paz e saúde”, contou.
A preservação do ritual, continuou, ajudava a alcançar os resultados almejados, mesmo sem a presença do soberano em funções no acto. “Em casos extremos, como a morte de um membro da realeza, a actividade fica circunscrita ao bairro”, explicou.
Convidados
O regedor do bairro Saulimbo (hoje Saurimo), Domingos Mandanji, destacou no acto que o ritual valoriza o reinício de uma actividade cultural importante, proibida na época colonial, facto que empobreceu, em mais de 70 anos, o legado a ser deixado às gerações jovens.
Satisfeito com a realização do acto, o regedor do Luau, a representar a província do Moxico, Castro Itumbio, vê a cerimónia como “a retoma de um ritual fundamental de prosperidade do povo Lunda-Cokwe e essencial neste período de aflição devido a Covid-19”.
O regedor Henrique Tchinganje, que representou a Lunda-Norte, pediu maior divulgação do ritual, de forma a salvaguardar um legado único às gerações vindouras. “É uma forma de preservação da identidade e da cultura cokwe deixada pelos antepassados”, disse.
Atento a cerimónia, o director do gabinete provincial da Cultura, Salvador Wanuque, confessou ser a primeira vez a ver o acto, que marca “o regresso às origens”. Após o ritual prometeu dar especial atenção à transcrição de todo o processo, com apoio dos historiadores locais e das autoridades tradicionais, para as gerações vindouras.