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    Lições da refinaria de Dangote na Nigéria para as aspirações de Angola e outros países africanos de acrescentar valor às suas matérias-primas

    (Actualizado)

    Um dos temas que abordamos frequentemente é a industrialização de África e o papel do continente africano nas cadeias de valor globais. No último artigo que escrevemos, afirmámos que “em África, sabemos que, apesar da sua promessa, muitos africanos não viram os benefícios da globalização e muitos países africanos têm lutado para subir nas cadeias de valor globais. A Africa continua ligada às cadeias de valor globais pelas matérias-primas. Na verdade, até 2022, 46 economias africanas eram consideradas dependentes da exportação de commodities primárias, uma situação associada a níveis mais baixos de desenvolvimento, instabilidade económica e imprevisibilidade fiscal.”

    Leia aqui: “A re-globalização e o papel de África na criação do futuro desenvolvimento sustentável

    De acordo com dados do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a África está no fim da cadeia de valor global, sendo que a sua quota na indústria transformadora global é de apenas 1,9%. Os produtos manufaturados representaram apenas 18,5% das exportações do continente. Esta situação é ainda mais grave nos países fortemente dependentes de matérias-primas.

    Em Angola, por exemplo, segundo dados oficiais, a participação do petróleo e dos minerais nas exportações em 2023 foi de 94% e 4,26% respetivamente, para um total de 98,26%, deixando uma margem ínfima de 1,74% para outros produtos de exportação, incluindo os produtos manufaturados. Em termos de receitas fiscais, o sector petrolífero (59,6%) e o sector mineiro (0,64%) representaram 60,24% das receitas do governo angolano no mesmo período. Neste contexto, o espaço do governo na formulação de políticas de desenvolvimento é bastante limitado, uma vez que tanto o saldo externo como as receitas fiscais são fortemente impactados por fatores exógenos.

    Consequentemente, o apelo é cada vez mais forte em Angola e noutros países africanos para aumentar os esforços de diversificação e de transformação económica.

    Tem havido muito debate sobre esta questão. Politicamente, países como Angola, Gana, RD Congo, Zâmbia e Botswana, entre outros, tomaram decisões para forçar o processamento local de matérias-primas como forma de acrescentar valor aos produtos e criar uma base para a industrialização ao longo da cadeia de valor. Mas o debate não tem sido adequadamente acompanhado por uma análise dos desafios económicos que esta transformação representa.

    Lições da Refinaria de Petróleo Dangote na Nigéria

    A saga pela qual tem passado a refinaria de petróleo de Dangote, na Nigéria, é um caso de estudo interessante, que ilustra bem os desafios a montante (upstream) e a jusante (downstream) da cadeia de valor do petróleo, mas que se aplica às outras matérias-primas.

    A refinaria, com uma capacidade de 650 mil barris por dia, foi construída pelo homem mais rico da Nigéria e de África, Aliko Dangote, nos arredores de Lagos, por 20 mil milhões de dólares. A capacidade de processamento da refinaria representa mais de metade da produção diária de petróleo de Angola.

    Devido à sua dimensão, a refinaria poderá ter um impacto sistémico na industrialização da Nigéria e no mercado de combustíveis na Nigéria, em África e a nível internacional. Isto significa que a refinaria está situada num ponto da cadeia de valor onde, por um lado, as necessidades de petróleo bruto para alimentar a refinaria são enormes (Upstream), e, por outro lado, a concorrência internacional no mercado de combustíveis (downstream) deve ser grande. No caso das matérias-primas, à medida que se avança na cadeia de valor, os desafios económicos alteram-se.

    Independentemente das questões políticas que possam estar por detrás do conflito entre Dangote e o governo nigeriano, é certo que a Nigéria enfrenta o dilema de exportar petróleo bruto para obter as divisas necessárias para as importações e o serviço da dívida ou fornecer uma grande parte do petróleo para processamento interno. O mesmo dilema aplica-se ao cobalto, cobre, ouro e outras matérias-primas.

    Em uma declaração emitida na sexta-feira, a Refinaria Dangote acusou a Comissão Reguladora de Petróleo Upstream da Nigéria (NUPRC) de não aplicar a Obrigação de Fornecimento Doméstico de Petróleo Bruto (DCSO), uma disposição que exige que os produtores de petróleo bruto forneçam às refinarias nacionais uma parte da sua produção.

    Dangote solicitou ao regulador de petróleo upstream da Nigéria que force os produtores a cumprir a lei que estipula que eles devem fornecer às refinarias locais, dizendo que a fiscalização frouxa estava a aumentar os seus custos operacionais. Embora a Nigéria seja o maior produtor de petróleo de Africa, a refinaria Dangote tem importado petróleo de outros países. Mais grave ainda, segundo Dangote, a refinaria estaria a importar petróleo bruto nigeriano de comerciantes internacionais com um prémio adicional de US$ 3 a US$ 4 por barril.

    O DCSO foi criado pela Lei da Indústria Petrolífera da Nigéria de 2021, mas tem se mostrado difícil de aplicar devido à diminuição da produção de petróleo e à falta de divisas da empresa estatal Nigerian National Petroleum Corporation.

    A curto prazo, o governo nigeriano não está em condições de abdicar de divisas provenientes da venda de petróleo bruto. O Presidente nigeriano, Tinubu, enfrenta actualmente violentos protestos populares contra as reformas económicas e a instabilidade da moeda nacional naira. As finanças do governo da Nigéria dependem do petróleo que a NNPC exporta e o petróleo fornece a maior parte das reservas cambiais cruciais.

    A dívida da Nigéria aos fornecedores internacionais de gasolina ultrapassou os 6 mil milhões de dólares desde o início de Abril, à medida que a empresa petrolífera estatal NNPC se esforça por cobrir a diferença entre os preços fixos na bomba e os custos internacionais dos combustíveis. A NNPC está a negociar um empréstimo internacional com base no petróleo como garantia, o que a obriga a exportar cada vez mais. A NNPC já tem um empréstimo de 3,3 mil milhões de dólares garantido por petróleo por meio do Afreximbank.

    A participação acionaria da empresa petrolífera estatal nigeriana NNPC na refinaria de Dangote foi reduzida de 20% para 7,2% após a empresa não pagar o saldo de financiamento devido, disse Aliko Dangote, ao jornal BusinessDay.

    Por outro lado, a Refinaria de Petróleo de Dangote também teve conflitos com o regulador a jusante (downstream) sobre as importações de combustíveis, alegando que enfrentava uma concorrência desleal por parte dos importadores de combustíveis. As importações de combustíveis na Nigéria são controladas por um poderoso lobby económico e político que não tem qualquer interesse em ver crescer a produção local.

    Mas com um enorme excesso de capacidade para exportar, espera-se que a refinaria de Dangote opere num ambiente de negócios desafiante. A Dangote deve não só controlar o mercado interno, mas também conquistar mercados estrangeiros com os seus próprios mecanismos reguladores e de controlo de qualidade. E isso representa um grande desafio. Subir na cadeia de valor global implica maior competitividade, melhor qualidade e inovação.

    Diversificação económica e industrialização em Africa

    Segundo o Banco Africano de Desenvolvimento “existe uma oportunidade real para África criar empregos e promover uma transformação económica inclusiva através da produção interna e de um processo de industrialização baseado em matérias-primas, capitalizando os recursos e as oportunidades do continente apresentados pelas mudanças na estrutura da produção global. Explorar as oportunidades de industrialização de África implica acrescentar valor aos produtos nacionais, às matérias-primas e desenvolver ligações às cadeias de valor regionais e internacionais.”

    A experiência de Dangote mostra que esse processo implica uma mudança de paradigma económico e que deverá contar com um forte impulso do governo em parceria com o sector privado para ter sucesso.

    Nos últimos anos, os países ocidentais têm assistido a mudanças dramáticas no seu paradigma económico com a transição energética, o que motivou a adoção de políticas industriais por parte dos governos. A aprovação do CHIPS and Science Act (para semicondutores) e da Lei de Redução da Inflação (para a transição verde) nos Estados Unidos, a Estratégia de Política Industrial (para a economia digital e a transição energética) na União Europeia (UE) são bons exemplos desta mudança na política económica.

    Mas os países africanos enfrentam uma ordem comercial ainda ancorada no paradigma neoliberal. A falta de uma política coerente de diversificação económica e de industrialização e de recursos financeiros para a pôr em prática dificulta esta mudança de paradigma.

    O enorme peso das matérias-primas na economia impõe importantes constrangimentos à balança comercial, ao serviço da dívida e às receitas fiscais. O trade-off entre as necessidades de divisas e receitas fiscais a curto prazo e os benefícios da diversificação económica a longo prazo implica uma escolha criteriosa das políticas económicas e pode acarretar enormes custos políticos.

    No curto prazo, não existem recursos suficientes para financiar uma mudança. Muitos países africanos, incluindo Angola, debatem-se com a falta de recursos financeiros, a inflação e o peso do serviço da dívida para satisfazer até as necessidades básicas da população.

    O investimento directo estrangeiro (IDE) poderá ajudar a aliviar as restrições de curto prazo. No passado, o IDE permitiu alavancar a exploração das matérias-primas. Mas é preciso ter em conta que, quando se trata da exploração de matérias-primas, o IDE é atraído mesmo em situações de elevado risco político, económico e insegurança, pela simples razão de que o investimento tem de ser feito onde as matérias-primas existem.

    Mas à medida que os países progridem na cadeia de valor acrescentado, a relação entre o IDE e a localização da actividade económica torna-se mais complexa, tendo em conta questões como o ambiente de negócios, capital humano, inovação e infraestruturas. Não é atraindo uma empresa para investir na indústria transformadora ou no agronegócio à custa de enormes benefícios fiscais e mercados cativos que uma economia pode ser diversificada.

    Uma das grandes contribuições do economista americano Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia em 2008, foi explicar os padrões do comércio internacional e a distribuição geográfica da atividade económica, examinando os efeitos das economias de escala na produção e as preferências dos consumidores ao nível dos mercados.

    O trabalho de Krugman permitiu aprofundar o conceito de ecossistema económico como uma estrutura dinâmica composta por instituições que interagem entre si de forma colaborativa e competitiva (governo, sector privado, universidades, sindicatos…) e delimitada por políticas económicas e regulação dentro de um espaço geográfico. É através da criação de um ecossistema sólido que o IDE é atraído para apoiar a industrialização e a diversificação económica.

    O trabalho de Krugman contribui também para perspetivar a estratégia de industrialização e diversificação económica em função do mercado. Por exemplo, na primeira fase, a industrialização da China e de muitos países asiáticos foi realizada tendo em conta os mercados europeu e americano. Isto levou a China a aderir não só à Organização Mundial do Comércio, mas também a ter em conta as preferências dos consumidores ocidentais, a regulamentação dos mercados ocidentais e os padrões de qualidade desses mercados. A China tornou-se a fábrica do mundo. Só numa segunda fase, que está em curso e se acelerou devido às tensões geoeconómicas, é que a China se virou para o mercado interno.

    No lado oposto, a industrialização pode concentrar-se apenas no mercado interno, mas isso implicaria proteger o mercado interno da concorrência internacional. Uma estratégia ancorada apenas na substituição de importações não parece viável à luz da experiência passada dos países sul-americanos.

    Consequentemente, a industrialização deve ter em conta ambas as dimensões do mercado, a externa e a interna. O estabelecimento de relações de parceria e de acordos de investimento e comerciais com outros países é, por isso, um elemento essencial.

    Com base na informação de que dispomos, a refinaria de Dangote parece-nos um mastodonte, desligada de qualquer ecossistema económico (não é claro como a refinaria se integra na política e no sistema económico da Nigéria) e sem uma estratégia robusta de penetração no mercado.

    Em relação a Angola, o ministro dos recursos minerais, petróleo e gás, Diamantino de Azevedo, fez recentemente uma apresentação sobre o tema “o que o petróleo e o gás (ainda) têm para dar a Angola e o que o país pode esperar dos minerais críticos” no programa Conversas Economia 100 Makas. O ministro delineou uma estratégia coerente para estabilizar a produção petrolífera e expandir a cadeia de valor do petróleo, gás e minerais a jusante (downstream), contribuindo assim para a diversificação da economia. Resta saber como esta estratégia se enquadra no plano mais amplo do governo, em particular como aliviar as restrições de curto prazo no sector externo, na captura de divisas e nas finanças públicas e atrair IDE. A longo prazo, a estratégia de desenvolvimento beneficiaria de uma melhor abordagem das questões relacionadas com o ecossistema económico em Angola e com a estratégia de mercado do governo. As lições retiradas da refinaria de Dangote, na Nigéria, podem ser úteis para evitar os mesmos obstáculos de percurso.

    (A ultima secção “Diversificação económica e industrialização em Africa” foi actualizada)

    Por: José Correia Nunes
    Director Executivo Portal de Angola

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