Quando a notícia chegou, foram muitas as interrogações e as reflexões sobre tudo. Sobre a vida, a nossa existência, a infância, a juventude, diáspora ou exílio, a juventude, os amigos, Luanda, Angola, os familiares, a trágica Guerra Civil, a Paz, o Desenvolvimento de Angola, o presente e o futuro, a Religião, mas também inclusão, mas naturalmente e também as conversas de bairro, os sonhos adiados, o estado do Mundo e esta Pandemia que tocou e toca infelizmente a todos.
Toca os poderosos e os inocentes. Não sei que recado a Mãe Natureza e a Humanidade nos querem dar. Mas que é algum recado e uma boa Mensagem é, com certeza. Perguntará o Leitor porque esta introdução de palavras para falar e escrever sobre um amigo como um Músico tão talentoso e com um percurso que internacionalizou a Música, a Arte e a Cultura de Angola? Porque é necessário falar dos temas que anteriormente mencionei para falar justamente do presente e do futuro.
Se Luanda e Angola foram e são o nosso ponto de partida para as ruas do Mundo, o Mundo tem sido o nosso ponto de partida e de chegada com Luanda e Angola, porque, apesar de estarmos em Paz e de os Acordos terem sido feitos a 4 de Abril de 2002, ainda não estamos verdadeiramente reconciliados e há um longo caminho a percorrer em múltiplos sectores de actividade em Angola, nomeadamente nos domínios do Saber, das Artes, da Cultura, do Conhecimento e da Ciência e da Música, em particular, como noutros domínios.
E escrever como amigo do Saudoso Waldemar Bastos, a quem tratava por Waldas, não é uma tarefa fácil. Não é difícil também. Mas não se consegue numa página de jornal escrever as palavras todas que se deseja e quer sobre o percurso Musical de um Compositor e Intérprete como o nosso Waldemar. Porque ele é Nosso, no sentido da pertença cultural, identitária e musical, mas como filho de uma Terra em que nasceu. E esse lugar de pertença muitas vezes reclamado por ele, por razões que ele próprio viveu e sentiu por muitas incompreensões desnecessárias, mas mais tarde essa reconciliação natural com o seu espaço geográfico de nascença que é Angola, aconteceu naturalmente.
Fui testemunha desse devir do tempo nas longas conversas temáticas que iniciam este texto de Memória e Evocação sobre Waldemar dos Santos Alonso de Almeida Bastos nascido a 4 de Janeiro de 1954 em M”Banza Kongo. E falar de Angola e do Músico e Compositor Waldemar Bastos é também falar da Diversidade Cultural e Musical que caracteriza Angola.
E ser diverso é defender a inclusão e a participação livre, sem crivos, sem invejas ou mujimbos como popularmente se diz e escreve na Literatura Angolana. E por isso, cito Óscar Ribas, grande Escritor e Etnógrafo (tem sido esquecido, apesar da Conferência Internacional que se realizou na antiga Assembleia Nacional em sua Memória e Obra ) que referiu um dia ” que Luanda é a Luz dos meus Olhos que a minha Cegueira não retirou “.
E incluo nesta justa Memória ao Waldas (ele não se importa que o trate assim, porque era assim que o tratava em variados momentos informais) e por Waldemar quando as circunstâncias o imponham por razões de Valores e companheirismos nos seus momentos oficiais, vulgo Concertos e outras Cerimónias em que participou.
E Waldemar Bastos amava M”Banza Kongo, Luanda e Angola de modo muito peculiar. Era muito forte o que sentia. Como um filho que tem orgulho da sua Mãe. Qual é o filho que não se orgulha da sua Mãe? Serão muito poucos. E neste sentido, Waldemar Bastos amava profundamente Angola, foi crítico e justamente soube sê-lo e amou até falecer a Mulher que o colocou no mundo como o seu irmão, o médico Lúcio Bastos. Amou a sua Mãe, a sua Esposa, os seus filhos, o seu Povo e “Angola, Minha Namorada”.
O título de um dos LPs que guardo religiosamente que integra a vasta Discografia que está espalhada por estantes, por antigas e modernas Livrarias como a FNAC do Colombo, de Lisboa e do Porto e em casas particulares. A última vez que o ouvi foi quando disse ao meu amigo e médico Dr. Henrique Oliveira do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São José, onde esteve a primeira semana internado. E digo que ouvi, porque lhe escrevi uma mensagem escrita pessoal.
E que o Henrique entregou e ele disse e cito: “o grande Bagas esteve aí ontem (referia-se ao sábado que tinha ido à Enfermaria para entregar outra mensagem à Enfermeira de origem alentajana de serviço). As circunstâncias não permitiam vê-lo como tantas vezes desejei.
Com o meu Saudoso Pai e Mãe que orgulhosamente ainda tenho, aprendi que os Amigos devem ser visitados nos momentos difíceis da Vida, mas, em particular, nos hospitais e nas cadeias. Se Angola, Luanda, a Guerra Civil e os demais temas que abordo ao início eram motivo para Saudosos debates na Praça dos Resaturadores, no Ritz Club depois de as bandas tocarem e era na Avenida Liberdade, o espaço para conversar sobre a Terra. Mas não se esgotava na Avenida da Liberdade, em Lisboa, o espaço para conversar. Havia outros. Do alto da histórica Avenida da Liberdade, talvez o emblemático e histórico Marquês de Pombal ouvisse os nossos lamentos, os nossos anseios e expectativas.
O nosso primeiro encontro acontece precisamente na Praça dos Restauradores num amanhecer de um Inverno Lisboeta. Estava acompanhado de outros grandes amigos comuns, que era o António Fiuza e Joaquim Pereira da Fonseca (um prestigiado jornalista e Jurista Angolano que já não está entre nós) e com ele se fizeram grandes tertúlias em torno de Angola, do desejo da Paz, porque se estava em Guerra Civil e da vida no exterior.
Não era fácil e continua a não ser fácil. Não há unidade entre a Comunidade Angolana em Portugal nem na Diáspora Angola na Europa. Não há. As trincas e rivalidades são muitas. Porém, o tempo ainda passando e pelo Café Bé Bop na Rua Luz Soriano (nome de um Deputado de origem Angolana), cujo proprietário era o Zé da Guiné (outro elemento importante da Comunidade Africana), Café Brasileira, onde está sentado o histórico Fernando Pessoa, eu, Waldemar, Fiuza, falecido António Magina (grande Escultor Angolano), Joaquim Fonseca, Paleta, André Cabaço, Tito Paris, Leonel Almeida, Guilherme Galiano, Mick Trovoada, Nelson Costa, irmão de Nanecad Costa e tantos outros (perdoem-me a Memória os que não cito) conviveram de perto com o Waldemar.
Neste tempo de Memória, importa dizer que tive a honra de o ver actuar em vários palcos e aplaudi-lo emocionado em particular quando cantava “, Muxima” (um verdadeiro hino de Emoções e apelos). A sua actuação com a Orquestra Sinfónica da Gulbenkian no Centro Cultural de Belém foi memorável e inesquecível. A sua actuação ao vivo nos Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, acompanhado de vários músicos e do genial Mick Trovoada, percussionista notável de Angola e que ultimamente o acompanha faziam-nos sempre chorar e sonhar com uma nova Angola e o novo Mundo, porque o Waldemar era Universal.
A penúltima vez que estivemos juntos foi num jantar com o Pintor Rui Jordão (outra grande glória de Angola), Reginaldo Silva (prestigiado Jornalista Angolano), Mick Trovoada e Orlando. Sérgio. Depois o tempo passou e aconteceram mais dois encontros telefónicos e depois um inesquecível Concerto na Sociedade Portuguesa de Autores, em Fevereiro em Lisboa. Fui a convite de um grande Colega e Parente António Silva Santos (outro amante do Jazz e da Bossa Nova), conhecido entre os amigos por Kambinha e de novo, fizemos uma viagem que fica eternamente no meu coração, quando cantou de novo Angola e expressou as suas inquietações sobre o País e o Mundo.
Nesse dia, estava um grande amigo e Músico de Cabo Verde. Era Paulino Vieira, um génio da Música cabo-verdiana que depois jantou connosco, o Mick Trovoada e o Saudoso Waldemar. Aí cantou-se a Vida e vamos aos Restauradores como se fosse um símbolo de despedida. Mas ali conversamos muito e sem Olhar para o relógio. Estamos Juntos Waldas. Na Muxima ou em “Angola, Minha Namorada”.
À Família enlutada em Angola, Portugal é EUA, o meu Abraço sentido de Condolências Sentidas. Como escreveu o meu Primo Jerónimo Belo, “é possível amar uma cidade, como se ama uma mulher”. É verdade e exprime o elixir dos sentidos. É possível amar as Músicas do Waldemar Bastos como se ama Angola neste alegado Novo Normal que a Humanidade vive. “Muxima” pode ser a canção que mude Angola e o Mundo é surjam novas Mentalidades. Forte Kandandu, Mano Waldas. Os teus cânticos já são parte integrante da História e da Memória.
Octaviano Correia