Participantes de uma mesa redonda apontaram ineficiência das políticas públicas, lacunas na lei, discriminação e não só como desafios a serem vencidos para combater o desemprego, sábado (29.08) em Luanda.
“Desemprego como fator de instabilidade social, causas e soluções” foi o tema de uma mesa redonda realizada, este sábado (29.08), em Luanda. O debate foi uma iniciativa do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA). Aberto ao público, mas com lugares limitados devido à pandemia da Covid-19, a mesa redonda reuniu políticos e membros da sociedade civil para falar sobre as causas e consequências deste fenómeno.
Dados divulgados este mês pelo Instituto Nacional de Estatística indicam que a taxa de desemprego em Angola, no segundo trimestre de 2020, aumentou 4% face ao mesmo período do ano passado. Estima-se que a taxa de desemprego esteja na casa dos 32,7%. Ou seja, o país tem cerca de 4,7 milhões de desempregados.
Para além da pandemia da Covid-19 e da crise económica e financeira resultante da baixa do preço do petróleo – que já provocou um encerramento de muitas empresas e o consequente despedimento de trabalhadores – os participantes do debate também apontam outras causas para o crescente desemprego.
“Este desemprego resulta das ineficiências das políticas pública resultantes da concepção do mercado que o partido no poder tem,” avalia Fernando Sakwayela Gomes, membro da iniciativa juvenil Projeto AGIR.
Outra causa do desemprego apontada por Fernando Sakwayela Gomes é o atraso que se regista na inserção de Angola na zona de comercio livre da região austral de África.
“Isso cria uma timidez do investimento estrangeiro no país que criaria muitos postos de trabalho”, acrescentou.
Já Aniceto Cunha, sociólogo e político do MPLA, partido no poder, enumera sociologicamente os tipos de desempregados que existem em Angola.
“Nós hoje temos o tipo do desempregado por não ter acesso à formação, mas também temos o desempregado que teve acesso à formação. O que quer dizer que é uma frustração e decepção do individuo que compreendeu que teve acesso aos códigos de formação para a sua inserção do mercado, mas muitas vezes mesmo com toda dedicação, mérito e sacrifício, não tem essa sorte,” considera.
E muitos dos que não têm essa sorte, segundo Adão Ramos, ativista político, são as pessoas portadoras de deficiência – como é o seu caso. Ramos explicou que a situação de desemprego deste grupo social é ainda mais preocupante.
“A situação é preocupante. Não vou arriscar números, mas você vai encontrar mais pessoas com deficiência desempregadas do que empregadas. Mas há leis que as protege. Há leis que protegem, estabelecem quotas para o setor público e privado para pessoas com deficiência”, explica e desafia: “Cintem-me cinco pessoas com deficiência física bem posicionadas na sociedade angolana”.
Pressionar o Estado
As conclusões e recomendações provenientes do debate serão levadas à Presidência da República de Angola.
Uma das recomendações é a revisão da atual Lei Geral do Trabalho que defende, em grande medida, o empregador em detrimento do empregado. Para Fernando Sakweyela, esta também tem sido uma grande fonte de desemprego.
“A nossa Lei Geral do Trabalho tinha de ser aperfeiçoada na proteção dos contratos de trabalho. Nós não podemos ter uma lei que protege o empregador. Se nós dissermos que esta lei é resultante do empresário político, isso é verdade,” defendeu.
Em entrevista à DW África, Joaquim Lutambi, vice-presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos, explicou que a mesa redonda visou, essencialmente pressionar o Estado a adoptar políticas públicas claras de combate ao desemprego, sobretudo no seio da juventude.
“Porque a juventude é a franja da sociedade mais prejudicada com o desemprego. Pretendeu-se refletir as causas e soluções para este problema,” resumiu.
Joaquim Lutambi disse ainda que “nessa altura, nós fizemos um levantamento, porque temos estudantes trabalhadores e a maior parte é do sector privado e particularmente de colégios – sendo certo que os colégios desempregaram os estudante-trabalhadores desde março. Estes têm famílias e ficaram sem a renda que já era pouca. Então, essa reflexão visa pressionar o Estado com vista a encontrar alguma solução para os desempregados”.
A organização recolheu todas as contribuições que irá compilar num documento a ser entregue, nos próximos dias, a algumas instituições do Estado com finalidade de criar e executar políticas públicas de combate ao desemprego, como explicou Joaquim Lutambi.
“Vamos compilar todas as contribuições que saíram desta mesa redonda e vamos chegar ao Ministério da Administração Pública Emprego e Segurança Social e à Presidência da República.”
Marchar contra o desemprego
Esta é a segunda reflexão realizada pelo Movimento dos Estudantes Angolanos que contou com uma casa cheia apesar da pandemia de Covid-19. As medidas de segurança para se evitar a propagação do coronavírus foram observadas. O MEA já pensa no próximo passo.
“O próximo passo será nos solidarizarmos também com um grupo de jovens que está a realizar uma manifestação nacional sobre o desemprego,” concluiu.
A marcha nacional contra o desemprego está prevista para acontecer nos próximos dias 27 e 28 de setembro. E vai acontecer numa altura em que continuam as críticas sobre o não cumprimento da promessa eleitoral feita pelo Presidente João Lourenço ligada à criação de 500 mil postos de trabalho.
Esta semana, a comissão económica do Conselho de Ministros anunciou a criação de mais de 80 mil postos de trabalho, um anúncio que acentuou ainda mais as críticas ao Governo angolano.