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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

José Eduardo dos Santos quis “proteger os seus”, mantendo-se no poder

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FONTE:RFI

O historiador angolano Bruno Kambundo passou a pente fino o legado dos 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos. O porquê de uma tal longevidade política e de tantas reticências em deixar o poder, não obstante uma saúde já débil ? Será ele o homem da guerra civil ou o da paz ? O universitário do Instituto superior de ciências da eduacação de Luanda e da Universidade católica respondeu a estas e outras questões.

RFI: No dia seguinte à morte do antigo presidente angolano, José Eduardo dos Santos, continuamos a explorar os meandros do seu legado.

Com Bruno Kambumdo, historiador angolano do Instituto Superior de Ciências de Educação de Luanda, começamos por falar do peso que a longa e dura guerra civil angolana teve na trajectória de José Eduardo Santos.

Bruno Kambundo: Na verdade é um dos marcos, dos marcos negativo se quisermos desenhar, que marca o percurso político do presidente José Eduardo dos Santos. Mas é preciso também lembrar que a guerra civil, independentemente de, nesta altura, o líder do país ser José Eduardo dos Santos, foi feita por duas partes. Independentemente disto, Angola e o mundo o mundo não pode deixar de lembrar José Eduardo dos Santos como uma figura de destaque na História contemporânea da África, pelo pelo que ele fez e pelo legado que deixou.

Está-me a dizer, então, que, em relação à guerra civil, portanto, a Unita tem a sua quota parte de responsabilidade, como terá o MPLA e, por inerência, José Eduardo dos Santos?

Sim, penso que é assim que deve ser vista a coisa porque foram os angolanos que lutaram entre si, houve mortos do lado da UNITA e do lado do MPLA. E, por esta razão, eu penso que o olhar da coisa não deve ser vista apenas tendo José Eduardo dos Santos no centro. Sim é um acontecimento que vai marcar de forma indelével aquilo que foi o percurso político de José Eduardo dos Santos, mas há aqui também outros actores que precisam muitas vezes de ser lembrados.

Ainda por cima em plena Guerra Fria, ainda por cima com alianças externas de um lado e do outro, não é?

É, de facto. Como sabe a própria guerra civil teve uma mão de sombra da Guerra Fria que é a UNITA a ser apoiada pelos Estados Unidos da América e o MPLA pela União das repúblicas socialistas soviéticas. Mas, neste momento de dor, precisamos me parece, que é olhar para os feitos positivos que o José Eduardo dos Santos fez.

E então quais são os feitos positivos que gostaria de destacar?

Pois, o José Eduardo dos Santos é aquela pessoa que procurou unificar os angolanos depois daquele período e, como se disse, abriu-se o país para a democracia. Foi o grande pacificador, há elementos muito cinzentos neste seu percurso.

Há também aqui elementos que devem ser destacados como estes; tentou dar aos angolanos outro nível de vida. Independentemente de não termos hoje ainda aquilo que gostaríamos de ter, mas já começam a desenhar aqui bons elemento para termos um futuro cada vez melhor.

Mas não tem a noção de que os últimos anos do seu mandato ficaram marcados também por uma repressão raras vezes atingida, repressão de movimentos juvenis, da sociedade cívica? Estamos a pensar em rappers, em pessoas que estavam a ler um livro, tido como revolucionário. Houve de facto aí uma última fase de mandato onde José Eduardo Santos porventura também ficará associado a alguma forma de repressão de uma sociedade civil em emancipação!

De facto o último período do mandato de José Eduardo Santos foi de facto conturbado, também isso em face da própria abertura da sociedade civil angolana que começou a despertar dos apertos em o país vivia. O cabeça, o líder, tomou posições que, em muito, deixaram a desejar aos angolanos. Estava-se a falar dos “15+2”, que José Eduardo dos Santos e a sua equipa colocou preso. É um acontecimento, sim, que marca de forma negra este período final do seu mandato.

Isso demonstra que os angolanos começaram a perceber que, independentemente do José Eduardo dos Santos ter caminhado e tentar dar um incentivo de vida aos angolanos havia ainda questões sociais que deveriam ser bem enquadradas.

Ele ficou mais de 38 anos no poder e, ao fim ao cabo, tem-se a impressão que ele acaba por ceder o poder em 2017 a João Lourenço mas, numa primeira fase, mantém a presidência do MPLA…

O que criou ali, teve-se noção, alguma bicefalia, algum mal-estar entre um chefe de Estado, que já não era José Eduardo dos Santos, e um presidente do MPLA, que ainda era José Eduardo Santos. Até se fazer essa transição, em que medida é que, de facto, tem a noção de que lhe foi custoso deixar o poder?

Parece que a história de vida do José Eduardo dos Santos foi marcada com mais anos do poder do que outra coisa. José Eduardo dos Santos aprendeu mais a mandar do que a cumprir. E pode-se entender que não queria , me parece também, abandonar o poder assim.

Mas acha que o fez por por razões de saúde, já na altura?

Sim e não. A questão da saúde pode ser, sim, um elemento fechado, mas também porque queria proteger os seus. Queria dar garantias de aquilo que tinha conquistado poderia ser, de facto, preservado.

Quando diz os seus refere-se à sua família?

A sua família, os seus próximos.

E aí vai ser a descida aos infernos, nomeadamente com “Zenu” que vai ser preso, condenado e também Isabel dos Santos que vai perder todos os cargos que tinha e vai perder todas as benesses que tinha na Sonangol, na Cruz Vermelha e por aí adiante não é?

Infelizmente este é o lado positivo da História, a História conta-se por si mesmo.

E hoje o que vamos assistir depois é que os filhos vão acabar pagando os erros que o pai cometeu e que também os filhos, em alguns momentos, acabaram aliados aquilo que o pai foi fazer.

E acha que este acontecimento vai poder ser, de alguma forma, capitalizado pelo MPLA na perspectiva das eleições de 24 de Agosto? Refiro-me à morte de José Eduardo Santos.

É um acontecimento que pode ser entendido como um factor que venha a impulsionar o MPLA, ou não. Vai depender muito da forma como o MPLA vai aproveitar esses passos.

Pode ser uma faca de dois gumes: esta herança de José Eduardos dos Santos?

Pode sim, olhando pra aqueles acontecimentos passados, que envolvem a família de José Eduardo dos Santos e a forma como estes vão reagir. Se não houver uma atenção cuidada poder-se-á criar até mesmo uma dispersão de elementos que já estão alinhados ao partido, ao MPLA.

Aliás já se está a haver algumas divergências relativamente à organização das exéquias. A família, pronto, tem alguns amargos de boca com o regime, por o regime ter decidido… o presidente João Lourenço, ter falado com a última das esposas de José Eduardo dos Santos, não estar em contacto com os filhos.

Nem se sabe muito bem como é que será possível viabilizar as exéquias em Angola e com que escala? Será com honras de Estado? Acha que será esse o formato por que Angola vai optar, apesar de os filhos, aparentemente, não quererem aproveitamento político das exéquias na sua terra natal?

Independentemente do que venha a acontecer temos que convir que José Eduardo dos Santos é uma figura nacional, que tem os seus filhos mas a assunção pelo Estado angolano deve… e penso que vai ser um facto porque foi o segundo presidente da Angola. E aquele que mais tempo durou no poder e, por esta via, não tem como?! Eu penso que os angolanos vão procurar chorar, juntos com a família, e desejar uma caminhada feliz a José Eduardo dos Santos.

Mas acha que este acontecimento não vai ter impacto no calendário definido para as eleições gerais, ou seja a data de 24 de Agosto poderia ser cabalmente cumprida?

Eu penso que sim, eu penso que não haverá implicações no calendário eleitoral: está decretado desde já luto nacional de cinco dias. Poderá haver alguns ais, mais no que diz respeito à data não me parece que venha a acontecer alguma coisa que venha a alterar.

Falou da duração da longevidade dos mandatos de José Eduardo dos Santos: mais de 38 anos. Paul Biya, nos Camarões, Teodoro Obiang Nguema (na Guiné Equatorial) porventura terão sido aqueles que, em África, conseguiram ultrapassar este recorde, esta marca de José Eduardo dos Santos.

Mas essa é uma questão temporal: para além do tempo, de ele ter durado tanto tempo qual seria assim a palavra ou as palavras que acha que o melhor caracterizariam José Eduardo dos Santos e o seu regime de 38 anos?

Penso que o Presidente dos dez anos de Santos tem dois momentos. Há um momento de abertura que é o momento em que José Eduardo dos Santos vai permitir uma a reconciliação nacional no período, pós 1992, sem com isto fazer caça às bruxas porque José Eduardo e Santos inclusive conseguiu assegurar a vida de muitos dos seus opositores ! E, além disso, há também essa abertura democrática que veio do Santos viu-se obrigado (a promover).

Ou seja em 1992 acha, mesmo, que ele acreditou na paz e que a reconciliação fosse possível e que as eleições pudessem decorrer na sua plena acepção da palavra?

Como angolano acho que sim porque depois de acompanhar o número de mortos que a guerra civil vinha fazendo não deveria pensar de outra forma.

Pensar na paz era pensar no bem dos angolanos. Mas há aquele período também que se marca do princípio do seu mandato e o fim que são períodos assombrosos, períodos de dificuldades e também de instabilidade na sua gestão. E provavelmente na balança estes períodos que, em alguns momentos, vão ser os mais destacados. Mas precisamos sempre lembrar que houve momentos bons e maus ao longo da sua governação.

Os angolanos estão condoídos com este passamento físico de José Eduardo dos Santos e esperamos que na relação [entre a] família e os Estado angolano possam, como os africanos gostam, dialogar para que possamos levar José Eduardo dos Santos ao caminho dos vivos.

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