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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Jornalista da Carta de Moçambique libertado após detenção “humilhante”

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Omardine Omar da Carta de Moçambique relata à DW a detenção “ilegal” e violenta a que foi submetido quando estava a exercer funções investigativas. O jornalista, libertado neste domingo, é acusado de desobediência civil.

O jornalista Omardine Omar, do jornal digital Carta de Moçambique, foi libertado no domingo (28.06), após ficar três dias detido, primeiro na sétima esquadra da PRM em Maputo e posteriormente na cadeia central de Maputo. Durante esse período esteve isolado de tudo, sem ser ouvido e sem direito a advogado.

A detenção ocorreu na avenida Emília Dausse, região do Alto Maé, área central da capital moçambicana quando estava a executar um trabalho jornalístico. À DW África, o jornalista diz ter sido agredido e depois detido, sem justificação.

Esta terça-feira (30.06), Omardine Omar vai a julgamento acusado de desobediência civil, supostamente por ter violado o estado de emergência. O jornalista diz que é provável que processe os policias envolvidos na detenção que chama de “ilegal” e exigir a reparação de danos morais e materiais.

Esta situação não é caso único. Moçambique apresenta um ambiente de considerável pressão para o exercício do jornalismo. Ainda neste mês, os jornalistas Paulino Vilankulo e Yassin Vilankulo, da estação online Vilankulo Televisão (VTV), foram detidos e tiveram material confiscado quando reportavam um acidente de viação naquele distrito.

Jornalistas do Canal de Moçambique também foram levados à barra da Justiça depois de noticiarem acordo entre Estado e multinacionais para proteger trabalhadores dos ataques em Cabo Delgado.

 - portal de angola
Jornalista Omardine Omar<br >DR

DW África: Quando se deu a detenção? O que estava a fazer no local?

Omardine Omar (OO): No dia 25 de Junho, quando eram 11 horas eu saí de minha casa para fazer um trabalho na zona do mercado Estrela na cidade de Maputo, onde recentemente existiram umas reformas feitas pelas autoridades retirando vendedores daqueles locais. Aparentemente foram retiradas as bancas dos vendedores informais, mas isso é apenas um discurso político porque na verdade saíram as bancas, mas ficaram as pessoas. Há uma semana eu recebi uma denúncia, denunciando um documento que foi submetido no comando de polícia do conselho municipal da autarquia da cidade de Maputo de um conjunto de cidadãos expondo um conjunto de anormalidades às quais estava expostos, como intimidações que partem da polícia, ameaças, corrupção, extorsão… E eu como jornalista investigativo tinha de verificar os factos de perto, tinha que aferir a realidade do que estava a acontecer, recolher as melhores imagens e evidências concretas.

Então, naquele dia eu desloquei-me até àquele local no intuito de estar ali numa casa vizinha e depois teria um encontro com algumas fontes a nível local que vivem o dia-a-dia destas atrocidades praticadas pela polícia. Quando eram 15 horas voltei para aquele local para começar a fazer o trabalho investigativo. Chegado lá, éramos quatro pessoas dentro da viatura, estava lá o meu ajudante de campo, um irmão meu e um residente local. A casa para onde íamos era desse residente local. Quando chegámos na porta de entrada que ia dar à garagem daquela casa, aparecem agentes da unidade de intervenção rápida. Um pára em frente à viatura e outro atrás. Entretanto, eu pedi explicações aos agentes porque é que estavam a parar a viatura, uma vez que nós não estávamos na via pública, mas sim a entrar numa residência privada. Aquele era precisamente um dos aspectos que contava naquela carta [de denúncia], então eu pedi que o meu ajudante de campo pudesse ligar a câmara. Eu me apresentei: “Eu sou jornalista e estou aqui para fazer um trabalho e isso que está a fazer é violação”. E procurei saber com que base, qual era o artigo/decreto presidencial de estado de emergência que ditava que polícias parassem viaturas durante o dia e coisas daquele género. Esta pergunta criou um conjunto de problemas naquele dia.

DW África: Como se deu a detenção? De que o acusaram?

OO: A polícia cercou a minha viatura. Apareceram três polícias que me pegaram e me começaram a agredir. Ao meu ajudante de campo também agrediram. O meu primo que me foi acompanhar procurou saber [o que se passava] e também foi agredido. Fomos tratados que nem marginais e criminosos, mesmo perante a minha insistência de que não sabia porque me estavam a fazer aquilo. Fui conduzido à sétima esquadra onde passei por um dos momentos mais tristes da minha vida. Fomos humilhados e jogados numa cela fedorenta, uma cela escura, cheia de mosquitos, expostos a todos os tipos de riscos. Procurei pedir à polícia para poder falar com o meu advogado e com a minha família sobre o que estava a suceder e simplesmente disseram que eu não tinha direito de fazer aquilo, que não valia a pena porque eles não iriam permitir que eu fizesse qualquer ligação.Então, por coincidência eles pediram que eu abrisse o telefone para poder apagar a imagem e eu simplesmente recusei. Então forjou-se uma acusação de que eu estava a beber na via pública e a fotografar a polícia, o que constitui uma grosseira mentira, constitui um atentado contra a minha imagem e contra o trabalho que eu tenho feito.

Penso que este é um mecanismo que está a ser usado para me intimidar e me afastar e inibir com que eu continue a fazer o trabalho que eu tenho feito que é informar a sociedade sobre assuntos como Cabo Delgado, questões de violação dos direitos humanos e muitas outras nuances que apoquentam a “pérola do Índico”. Este é um processo que vem confirmar mais uma vez que em Moçambique não existe nenhum estado de direito, que estamos dispostos a tudo. E que [nós] jornalistas com pensamento crítico contra aquilo que é a organização vigente e contra aquilo que são as entidades governamentais não somos vistos como moçambicanos de gema. Somos vistos como postos de desgraça, como cidadãos antipatriotas. É uma situação que é de lamentar. Eu amanhã (30.06) estarei presente a um juiz, terei um julgamento sumário e vou preparado para tudo o que vier a acontecer, uma vez que não entendo porque estou a ser submetido a toda essa situação. Mas o jornalismo é uma paixão, o jornalismo é algo que me mantém firme. Trabalhar em busca da verdade, informar, defender os reprimidos, as minorias. Esta guerra que está sendo travada contra mim vem fortificar mais esta minha luta e esta minha vontade de sempre fazer o bem.

DW África: O que vai acontecer amanhã [30.06] em tribunal? Vai ser alvo de que acusações formais e por parte de quem?

OO: Amanhã serei julgado no processo 342/2020/d pela terceira secção do tribunal de Ka Mpfumo, na cidade de Maputo, acusado de desobediência civil. De facto, será um julgamento sumário com contornos de possíveis indemnizações ou o pagamento de multas por supostamente ter violado o estado de emergência, o que não é verdade. Eu estou a viver este momento de uma forma bastante sombria. Fui detido ilegalmente em duas penitenciárias em menos de três dias. Estive numa das maiores penitenciárias do país, a cadeia central, ilegalmente. Tentaram tirar-me da cadeia a meio da noite mas por razões de segurança eu rejeitei. E amanhã não sei o que me espera, se serei condenado ou absolvido. E espero que isso não venha a aborrecer mais as elites políticas que estão por trás deste processo sem nenhum sentido.

A acusação em princípio vai ser movida pelo Ministério Público, em representação do Estado, uma vez que os polícias que me detiveram são agentes do Estado. Mas com uma actuação não estatal. Parece mais um “gang” unido para extorquir e maltratar e tornar as pessoas [sentirem-se] medíocres. E um conjunto de coisas que eu podia referir pelo comportamento que se verificou durante a minha detenção e pelo comportamento que se verificou nas alegações que eles fazem contra mim. E pelas provas forjadas que poderão ser usadas neste processo que para muitos parece ser algo corriqueiro mas, na verdade, existem objectivos pouco claros, que para mim são claros, que é intimidar-me e, talvez, reduzir o número de repórteres comprometidos com a verdade e com a liberdade de expressão, com o exercício da democracia. Eu, pessoalmente, sinto-me neste momento bastante preocupado e como um cidadão que talvez esteja em listas de abate e de extermínio, porque é assim que é feito em Moçambique.

DW África: Porque esteve em duas prisões diferentes?

OO: Depois [de estar detido na sétima esquadra] fui levado para tribunal distrital de Ka Mpfumo, permaneci lá quase todo o dia sem ser ouvido. Só no final da tarde é que apareceu um oficial de diligência e entregou um documento ao polícia que de um jeito arrogante e não profissional foi-nos fazendo uma tortura psicológica. E foi anunciado que iríamos ser transferidos já na sexta-feira ao final da tarde para a cadeia central de Maputo. Alegadamente, a juíza ainda não tinha visto o processo e, por coincidência, uma das coisas que violou todo este processo – e que no nosso entender deveria ter desmoronado a partir daí – foi que a nossa transferência para a cadeia central de Maputo foi com a aprovação de um oficial de diligências e não por um juiz.

Isso levou com que o Ministério Público interviesse no processo e no sábado (27.06), quando eram pouco mais de 19 horas eu fui chamado por alguns agentes de serviço na cadeia central de Maputo que me perguntaram como é que eu fui parar ali, quem é que nos trouxe, o que seria legal, etc. Eu respondia e foi-nos dito que estávamos soltos. Uma coisa que deixou todo o mundo intrigado. Mas foi devido a uma pressão pública em vários quadrantes, que eu agradeço bastante e espero continuar a ter este apoio na plenitude porque isto parece ser o início de uma batalha que pode terminar em tragédia caso não haja protecção particularmente de jornalistas que fazem o trabalho investigativo na plenitude. Fui solto quando eram 10 horas [de domingo, 28.06].

DW África: Mediante os abusos que descreveu, pretende apresentar alguma queixa contra os polícias que o prenderam?

OO: Tudo depende da decisão que o colectivo de juízes irá tomar. Mas essa é uma possibilidade a considerar nos próximos dias. Porque, de facto, isso demonstra que nós estamos num Estado autoritário, num Estado que visa limitar os direitos activos. Então, é provável que eu venha a processar todos os policiais envolvidos na minha detenção ilegal e exigir a reparação de danos morais e materiais no qual eu e os meus colegas de viagem tivemos expostos nestes últimos dias.

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