O Presidente da República, João Lourenço, prestou juramento na última quinta-feira (15), em cerimónia que marcou o fim do quinto processo eleitoral angolano e, consequentemente, das eleições gerais de 24 de Agosto.
O acto de investidura, extensivo à Vice-Presidente da República, Esperança da Costa, resultou da validação dos resultados eleitorais oficiais, pelo Tribunal Constitucional (TC), depois da sua contestação pela oposição.
Para trás ficaram lições dirigidas aos políticos e recados ou avisos expressos deixados pelos eleitores, numa disputa que fez unanimidade como a mais equilibrada dos cinco pleitos eleitorais já realizados no país.
Tal como disse a presidente do TC, Laurinda Cardoso, no acto de posse, o momento é de “extrair as consequências do resultado”, uma vez terminada a competição eleitoral, cujas regras e limites devem ser respeitados por todos.
Da leitura dos resultados validados pelo TC, o MPLA, que governa Angola desde a Independência nacional, há 47 anos, voltou a conservar a maioria parlamentar, baixando, entretanto, da maioria qualificada para a absoluta.
Confirmou-se, assim, o primeiro dos três cenários admitidos no início do processo eleitoral, ao lado de uma maioria simples ou triunfo da oposição.
Com a vitória de 51,17 por cento dos votos, o partido liderado por João Lourenço continua a dispor de mandatos suficientes para “governar sozinho” nos próximos cinco anos, sem ter que negociar pactos com a oposição.
Dito de outro modo, o MPLA não precisa da colaboração dos seus oponentes políticos para formar governo, muito menos para fazer aprovar o seu programa de governação e os respectivos orçamentos no Parlamento.
Como prova disso, o Presidente da República, João Lourenço, já formalizou na sexta-feira (16) o novo figurino dos seus auxiliares directos, com três ministros de Estado, 23 ministros e 18 governadores provinciais.
No quadro dessa mesma prerrogativa, o Chefe de Estado também tornou pública, no mesmo dia, a nova composição do seu gabinete.
Na verdade, a formação de um governo ou a aprovação de orçamentos são duas situações típicas de grande “dor de cabeça” nas maiorias simples, ou seja, quando o vencedor ganha com menos de 51 por cento dos votos.
Mas, contrariamente aos mandatos anteriores (2008, 2012 e 2017), o MPLA perdeu o poder de mudar unilateralmente a Constituição da República sem o “consentimento” da oposição, por falta de maioria qualificada.
Para aprovar leis no Parlamento angolano exige-se uma maioria absoluta de deputados em efectividade de funções ou 111 dos 220 eleitos.
Enquanto isso, a UNITA de Adalberto Costa Júnior, com 43,95 por cento dos votos, conservou o estatuto de principal partido da oposição, mas ganhou o direito de propor ou bloquear a revisão constitucional.
Em Angola, a revisão constitucional só pode ocorrer por iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos deputados em efectividade de funções, tal como estabelece a actual Constituição no seu artigo 233.º.
Assim, ao conquistar 90 assentos no Parlamento, a UNITA coloca-se muito além do número de deputados exigidos para propor alterações constitucionais.
A Constituição não deixa dúvidas em relação a isso, sendo certo que a aprovação de quaisquer alterações exige o voto favorável de dois terços dos parlamentares efectivos, sinónimo de maioria qualificada ou constitucional.
O poder de revisão unilateral da Magna Carta foi, para o MPLA, uma constante nas últimas três legislaturas, com maiorias qualificadas de 81,64 por cento (2008), 71,84 por cento (2012) e 61 por cento (2017).
A única excepção foi no primeiro mandato saído da votação de 1992, quando o antigo partido único inaugurou a democracia multipartidária com uma maioria não qualificada de 53,74 por cento.
Em regra, a maioria absoluta equivale a mais de metade dos votos apurados, dando ao seu “dono” mais mandatos que todos os outros concorrentes juntos, e a qualificada representa o tecto exigido para se alterar uma Constituição ou questões de base constitucional, podendo variar de país para país.
Alcance da votação
A UNITA saiu-se com o melhor desempenho de sempre, depois de cinco edições, com 90 deputados eleitos dos 220 possíveis, o que representa o surgimento do primeiro Parlamento equilibrado do país.
Registou-se uma ascensão de 39 lugares comparativamente aos 51 do hemiciclo anterior, saído da votação de 2017, ainda sob a liderança de Isaías Samakuva, antecessor de Adalberto Costa Júnior.
Consequentemente, reduziu de forma significativa o fosso entre as duas maiores bancadas parlamentares da Assembleia Nacional (MPLA e UNITA) quanto ao número de deputados, passando de 99 para 34.
Em sentido inverso, o MPLA perdeu 26 deputados, num deslize imposto em parte pelo eleitorado da capital, Luanda, que fez jus do seu estatuto de maior praça eleitoral do país, com 37 por cento dos eleitores.
Também contribuiu para o “emagrecimento” da bancada parlamentar do partido governante a postura do eleitorado de Cabinda e Zaire, as duas principais produtoras de petróleo, de alguma forma agastadas com o alegado insucesso das suas exigências por um tratamento especial.
Pela primeira vez, o MPLA perdeu três províncias inteiras, incluindo a capital, enquanto a UNITA estreia-se na conquista de círculos provinciais (Luanda, Cabinda e Zaire) com deputados eleitos, de forma inédita, em quase todo o país, à excepção de apenas uma província, Cunene.
Os dois maiores partidos políticos de Angola têm, por isso, e cada um à sua medida, lições claras a extrair desses resultados e da vontade popular, resultante de um eventual desgaste de imagem, por causa dos longos anos de governação (MPLA) ou por fortes sequelas dos traumas da guerra (UNITA).
Ao MPLA foi, seguramente, dada uma advertência e o benefício da dúvida para rever a sua actuação na sua relação com a plebe, mediante uma reavaliação do slogan “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”.
Sob pena de comprometer a sua hegemonia em pleitos eleitorais futuros, o MPLA é assim chamado a saber ler os sinais dos tempos e identificar as raízes do descontentamento popular, sobretudo da juventude.
Os dados disponíveis mostram, entretanto, uma alta crescente dos níveis de abstenção desde o primeiro pleito, em 1992, com 10,5 por cento e 12,6 por cento, em 2008, até atingir, este ano, o pico inédito de 55,18 por cento, contra os 23,43 por cento de 2017 e 37,23 por cento de 2012.
Para a UNITA, por sua vez, o bom desempenho conseguido nas urnas não foi, todavia, suficiente para chegar ao poder, muito por culpa da sua imagem em parte prejudicada pela lenta recuperação dos impactos negativos e destrutivos do conflito armado nas suas bases de apoio.
Com efeito, em quase todas as províncias mais duramente atingidas pela guerra, sobretudo na fase do conflito pós-eleitoral de 1992, os resultados foram favoráveis ao adversário, até nas regiões antes tidas como bastiões tradicionais do partido fundado por Jonas Savimbi.
São exemplo disso algumas províncias do centro e sul do país, com destaque para Benguela, Huambo e Bié, bem como Moxico, Lunda-Sul e Lunda-Norte, estas últimas da região leste do país.
É, de resto, a confirmação da perda do essencial das bases de apoio da UNITA cuja “factura” parece estar ainda por saldar na totalidade.
Numa análise simples, tudo leva a crer que, no geral, os ressentimentos pelos traumas da guerra se sobrepuseram aos descontentamentos contra o governo, pelo que a mudança geracional, sozinha, foi incapaz de produzir poder.
Se o comportamento da nova geração deixou de ser ideológico com uma juventude indiferente ao passado dos actores políticos, o “voto histórico” impediu, todavia, a UNITA de fazer bom proveito dos descontentes.
Nas eleições de 24 de Agosto, ficaram ainda patentes sinais de um duplo colapso do voto “militante” ou “orgânico” e do voto étnico, em contraste com alguma resiliência do voto histórico em boa parte da velha guarda.
Por seu lado, os níveis de exigência da juventude também registam desarmonia entre Luanda e o resto do país.
Dito de outro modo, a militância partidária ou a identidade étnica e regional deixaram de ser determinantes, na hora da escolha, sobretudo entre a juventude, mas o passado histórico dos partidos políticos ainda exerce algum peso nas gerações anteriores e nos que sentiram a dor da guerra.
É caso para dizer que comícios abarrotados ou enchentes em passeatas, durante as campanhas eleitorais, nem sempre significam voto garantido.