Os deslocados que fogem da insurgência nos distritos do norte de Cabo Delgado dizem que estão cada vez mais com receio de militares, cuja brutalidade é justificada por alegadas medidas contra a infiltração de jihadistas na capital Pemba.
A VOA ouviu relatos de que em bairros como Paquitequete e Natite, onde diariamente chegam barcos lotados de deslocados, as rusgas policiais e militares foram redobradas. Elementos destas forças de defesa e segurança, disseram testemunhas, torturam aleatoriamente deslocados e moradores que os acolhem.
Muitos desses casos não chegam à imprensa, porque as vitimas receiam represálias.Três vitimas de tortura das forças estatais, por terem sido confundidos com insurgentes ao desembarcar em Pemba, desistiram de entrevistas com a VOA após alegando que seriam perseguidos.
“Ultimamente há um flagrante desrespeito aos cidadãos. Como toda a população esta nervosa e as próprias forças de defesa e segurança estão no limite, nós vimos espancamentos até a morte e a proibição do trabalho de jornalistas,” diz à VOA, Luiz Fernando Lisboa, bispo da Diocese de Pemba.
Sem gravar a entrevista, um jovem contou à VOA que ficou com o braço esquerdo fracturado, em resultado de uma agressão das forças estatais, no bairro Paquitequete, na manhã do dia 13 de Abril. Tudo porque não portava o bilhete de identidade.
Três dias depois, um outro jovem foi cruelmente torturado por militares. As graves lesões nas nádegas, de 14 cacetadas, forçaram-lhe a duas semanas de cama. O seu “crime”: Conversar com amigos no quintal. Foi o único agredido na ocasião, uma vez que os amigos conseguiram fugir.
Manifestação contra a brutalidade
Os residentes de Paquitequete fizeram uma manifestação contra a brutalidade, bloqueando as ruas do bairro, queimando pneus e lançando pedras contras agentes da Polícia, na noite de 22 de Abril. A Policia, em mais uma incursão, disparou balas reais e lançou gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes.
Incidentes do género são reportados noutras partes da província. A 25 de Abril, dois jovens foram executados, supostamente por forças estatais na ilha do Ibo, quando foram encontrados por militares a ver fotos e vídeos no telefone, sobre a insurgência.
Isso aconteceu um dia antes de ter sido raptado o sheik Kidume, que liderava uma mesquita ligada à Africa Muslim, em Palma; e do desaparecimento misterioso do jornalista Ibraimo Mbaruco, da Rádio Comunitária de Palma. Os dois continuam desaparecidos.
Abordado pela VOA sobre os raptos, o representante do Congresso Islâmico em Pemba, recusou-se a comentar, dizendo que apenas podia falar do Ramadão, e lembrando que denunciou às autoridades, em 2012, a introdução do radicalismo no Islão nos distritos de Cabo Delgado.
As autoridades policiais raramente prestam declarações à comunicação social sobre as atrocidades e raptos, e nas raras aparições dizem que estão em curso investigações.
No último contacto com a VOA, em finais de Abril, o porta-voz da Polícia de Pemba, Augusto Guta, disse que não foi localizado o jornalista Ibraimo Mbaruco, refutou o envolvimento das autoridades em atrocidades e pediu apoio da população para ajudar a localizar o jornalista Mbaraco.
E fez uma promessa: “estamos a trabalhar (…) vamos voltar a comunicar, porque é do nosso interesse garantir a integridade física” dos cidadãos
Nyusi admite atrocidades
Após várias críticas da sociedade civil, o presidente Filipe Nyusi admitiu, a ocorrência de violação de direitos humanos.
Nyusi disse que “por conta do cumprimento dessas medidas [combate aos insurgentes] ocasiões há em que temos sido confrontados com algumas alegações de violações de direitos humanos perpetrados pelas autoridades e outros actores”.
“Verdadeiras ou não, estas informações devem sempre merecer a nossa e a vossa atenção com a máxima serenidade e sem emoções,” disse Nyusi.
Os refugiados esperam o fim de atrocidades de todos os lados – autoridades e insurgentes – para retomarem suas vidas.