Savana
Afinal o recém terminado conclave da Frelimo não foi apenas de palmas e hossanas
O antigo Presidente da República terá se sentido bastante ofendido quando um membro do CC sugeriu que Guebuza se tivesse deixado enganar por Teófilo Nhangumele, no calote dos 2.2. mil milhões de dólares
Por outro lado, o antigo PR acusa os camaradas do partido de estarem a promover “caça às bruxas” pelo facto de tanto criticarem o seu governo
Aos retalhos continuam a sair para a esfera pública algumas indicações do que terá sido a tónica da recém terminada sessão ordinária do Comité Central do partido governamental, a Frelimo. Os pedaços já disponíveis conseguem, de alguma forma, contradizer a ideia de coesão quase absoluta que foi vendida para o lado de fora pelo presidente do partido, Filipe Nyusi, e pelos restantes participantes do encontro.
Em relação a isso, Armando Guebuza foi claro. Disse e reiterou, quantas vezes pôde, para dizer que o tribalismo estava a assentar-se na Frelimo e a pôr em causa a unidade e coesão do grupo. Mais ainda, Guebuza coloca mesmo o risco de caso o actual ritmo do tribalismo se mantenha, chegar-se mesmo a uma situação semelhante à realidade assistida em 1962.
A referenciação a esta data tem a ver com as dificuldades que o então movimento libertador, a Frente de Libertação de Moçambique, enfrentou. Foram dificuldades sérias e profundas relacionadas com o tribalismo e falta de unidade.
De acordo com um trecho de gravação áudio a que o mediaFAX teve acesso, Guebuza, depois de lhe ter sido dada a palavra pelo presidente do partido, Filipe Nyusi, começou por dizer que tinha pedido falar para expor “algumas questões pequenas”, mas, ressalvou ele “são questões”.
Sobre a unidade nacional, Armando Guebuza terá, essencialmente, dito o seguinte:
“Outro ponto que foi tocado é a questão da unidade nacional. Retomo o que foi dito por uma camarada. De que de facto nós não estamos unidos como devia ser. O tribalismo está forte.
Ainda fraco para a dimensão e tamanho da Frelimo, mas se deixarmos continuar, voltamos para 1962, com a diferença somente de termos um País independente. A questão da unidade nacional, eu penso que é absolutamente fundamental manter-se presente em todos nós. E já agora que falamos disso, devemos compreender que a Frelimo é nossa.
A Frelimo é nossa, igualmente de cada um de nós e cada um dos 4.5 milhões que não estão aqui. A nossa responsabilidade como CC é continuarmos a trabalhar para que seja mais nossa (a Frelimo). Não digo que a Frelimo não tenha direcção.
É que a direcção também é nossa. Não posso compreender que se possa pensar que há uns mais da Frelimo do que os outros. Não faz sentido” – disse o antigo Presidente da República, deixando mesmo transparecer e, talvez confirmar a ideia de divisões profundas no seio do partido libertador.
Recentemente, um novo partido foi registado no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. É uma organização cujos membros fundadores são quase todos oriundos das bases da Frelimo, e justificaram a nova entidade com o argumento de que na actual Frelimo não há espaço para pensar diferente, nem para exigir o cumprimento de regras estatutárias da organização. É uma espécie de uma Frelimo Renovada.
Mas, ao que parece, o pedido de palavra de Armando Guebuza tinha uma razão muito mais profunda. Talvez Guebuza quisesse mesmo encontrar um espaço para responder a um camarada seu.
Óscar Monteiro, um dos militantes de primeira linha e mais da ala intelectual da Frente de Libertação de Moçambique, era o visado. Monteiro terá, durante a sessão, sugerido que Armando Guebuza tinha sido ou tinha se deixado enganar por Teófilo Nhangumele, um dos principais cérebros do calote dos 2.2 mil milhões de dólares.
Armando Guebuza não terá gostado nem tão pouco, o que o obrigou a partir para o ataque e até em tom de alguma agressividade. Jurou, de forma reiterada, que não conhecia Nhangumele e que a ideia de que ele tinha se deixado enganar representava o que considera de “caça às bruxas”. E mais. Acusou Monteiro de estar a guiar-se única e exclusivamente com base no que ouve ou lê na praça pública.
“O camarada Óscar Monteiro – eu vim a saber de algo em relação a algumas decisões que eu tomei como PR, eleito por vós, na altura. O primeiro ponto que diria, quero dizer que: Todos os mandatos vão procurar julgar o mandato anterior. Estamos num mandato e procuramos saber o que foi feito antes…que pessoas fizeram isso. Isso é caça às bruxas.
Isso é caça às bruxas. E possível que no mandato, eu também tenha caçado bruxas. Se fiz, fiz mal. Deviam me ter dito, ainda vão a tempo de dizer-me, para eu compreender. Mas voltarmos a julgar esses actos é voltar atrás, deixando todo o presente sem atenção em relação aos problemas da população.
Nesse mesmo quadro diria, o camarada Óscar foi enganado porque veio aqui dizer que eu conheço Nhangumele. Que eu deixei o Nhangumele enganar-me. Nhangumele não conheço quem é. Não trabalhou na Presidência da República. Se trabalhou foi sem meu conhecimento. Se conheço Nhangumele é aquele que está a passar nas redes sociais e nos jornais. Eu não conheço Nhangumele.
Portanto, não fui enganado por Nhangumele porque não conheço Nhangumele. A não ser que ele tenha encontrado outras vias para me enganar. Eu vi o nome de Nhangumele pela primeira vez quando eu vi a lista daqueles que estavam detidos.
Então, não será que muitos camaradas nossos estão a orientar-se apenas por aquilo que lêem para agravar situações e gerar conflitos entre nós, nessa base? Será que o Óscar está sozinho. Que eu conheço Nhangumele e, mais do que isso, me orientou.
Portanto, eu não conheço Nhangumele. Mas seja como for, não penso que seja de bom tom virarmo-nos as costas e estarmos sempre a pensar naquilo que aconteceu antes. Eu ia dizendo que penso que o problema de unidade é muito sério. Camaradas, essa é nossa organização, essa.
Uma organização de todos nós. O problema de unidade e muito sério. Preciso de continuar a sentir-me livre na Frelimo. Mas, se houver uns discriminados e outros não discriminados e outros publicamente discriminados, não é bom. Diz-se que há províncias que são más, pessoas de províncias que são más.
Alguns camaradas sabem disso, foi dito várias vezes em público, não podemos aceitar isso, não podemos aceitar isso. Essa Frelimo é nossa também. Também é nossa. Igualmente nossa. Ou mais nossa do que todos, mas é nossa também” – disse Armando Guebuza, rejeitando a ideia de que terá, ainda Presidente da República, entrado num complot com Teófilo Nhangumele e companhia para lesar o país em milhões de dólares.
A acusação do Ministério Público já remetida ao tribunal, se sabe, diz que o filho mais velho de Armando Guebuza, Ndambi, é que levou o projecto apresentado por Teófilo ao seu pai. O projecto, refere a acusação, chegou às mãos de Ndambi Guebuza via seu amigo, Bruno Tandane, este último tido como amigo de Teófilo.
Entretanto, muito poucos acreditam que Armando Guebuza tenha simplesmente sido enganado, ou pelo filho, ou então, por Teófilo Nhangumele. Há a ideia de que ele também estava a par do esquema lesivo ao Estado, daí que, de uma ou de forma, faça parte da lista dos investigados.