Dois meses depois de actuar no espectáculo “3G do Semba”, ao lado de Paulo Flores e Yuri da Cunha, o músico angolano Barceló de Carvalho “Bonga Kuenda” volta aos grandes palcos no dia 06 de Setembro, para celebrar os seus 78 anos de idade.
À semelhança da actuação de 28 de Junho, o espectáculo de aniversário do conceituado artista decorre em Portugal, com transmissão ao vivo para milhares de telespectadores.
Em entrevista à ANGOP, a propósito de mais um aniversário natalício, Bonga disse aguardar com expectativa a actuação, e reiterou a necessidade de o país apostar na educação da juventude e de assegurar uma passagem de testemunho “suave” entre as gerações.
Com uma longa carreira musical, recheada de histórias e prémios, o músico afirma que não quer ver, em África, o que se assiste na Europa e América: a luta de velhos e novos.
“Eduquem mais os africanos, para não cairmos na mesma asneira, para que a passagem do testemunho seja suave”, exprimiu o artista, com 48 anos ligados ao mundo artístico.
Autor de sucessos como “Olhos Molhados”, Galinha Kasafa”, “Não Acode”, “Marika”, “Mariquinha”, “Currumba”, “Piô-Piô”, “Mona”, “Jingonça”, “Camakove”, “Kaxexe”, “Água Rara” e “Mulemba Xangola”, afirma que um dos pontos altos da sua carreira foi ver estrangeiros de renome a interpretarem Angola, por seu intermédio.
Outro momento marcante, para si, foi receber, das mãos do Presidente da República, João Lourenço, a Medalha de Bravura e Mérito Cívico Social de Primeira Classe, e a Medalha de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, pela Presidência Francesa.
Apesar das inúmeras conquistas, o artista residente em Portugal avança que nem tudo foi ou é um mar de rosas na sua carreira, uma vez que, ao longo de vários anos, teve de enfrentar, em terra Pátria, uma campanha que designa “anti Bonga”.
Recorda que isso culminou com a proibição das suas relíquias musicais, premiadas no Mundo com ouro e platina, de tocarem nas rádios e nos canais televisivos nacionais. Sonhador, Bonga Kwenda lamenta o facto de ter vivido no exílio e alimenta a esperança de ver os angolanos emancipados e um país que privilegia os cidadãos nacionais.
Com vasta discografia e vasto repertório, é autor de centenas de canções que atravessaram fronteiras, fazendo de si um dos principais nomes do music hall africano.
É autor, entre outras, das canções “Kisselenguenha”, “Diacandumba”, “Camboborinho”, “Marimbondo”, “Homem do Saco”, Odjo Maguado”, “Mukanje”, “Frutas de Vontade”, “Kambua” e “Sambila”, que fazem do semba a bandeira de Angola e referência de grandes estrelas de cultura mundial, entre elas o norte-americano Will Smith.
Com uma personalidade impar e uma vitalidade criativa de dar inveja, Bonga é um homem imparável no palco e cativador de todos que assistem aos seus espectáculos.
Perfil de Bonga Kuenda
José Adelino Barceló de Carvalho nasceu em 1942, em Quipiri, na província do Bengo, a norte de Luanda, em Angola. A família tratava-o carinhosamente por Zeca.
A sua infância foi passada em bairros como Coqueiros, Ingombota, Bairro Operário, Rangel e Marçal, onde se vivia um ambiente intimista de preservação das músicas e tradições angolanas, marginalizadas pela dominação colonialista presente na época.
O folclore dos musseques (bairros pobres) cedo fascinou o pequeno Zeca e por isso começou a frequentar e a participar das turmas dos bairros típicos de Angola, onde iniciou a actividade musical. Foi no bairro do Marçal onde fundou o grupo Kissueia.
Bonga resolve criar o seu próprio estilo musical, afirmando a especificidade da cultura angolana, numa época muito conturbada.
Carreira musical
Em 1972, na Holanda, lançou o seu primeiro álbum “Angola 72”, em que canta, essencialmente, a revolução e o amor à Pátria.
É por esta altura, que Barceló de Carvalho passa a chamar-se Bonga Kuenda, nome africano que significa “aquele que vê, que está à frente e em constante movimento”.
Bonga actua pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1973, aquando da celebração da independência da Guiné-Bissau, integrado num espectáculo de homenagem à cultura lusófona. Em Abril de 1974, Bonga lança “Angola 74”.
Nos anos 80, torna-se o primeiro artista africano a actuar a solo, dois dias consecutivos no Coliseu dos Recreios (Lisboa), símbolo da música portuguesa, tendo sido o primeiro africano a conquistar Disco de Ouro e de Platina em Portugal.
O seu sucesso estende-se para lá das fronteiras lusófonas e Bonga actua no Apolo, em Harlem, no S.O.B. de Nova Iorque; no Olympia de Paris, na Suíça, no Canadá, nas Antilhas e em Macau.
O seu sucesso é resultado de um trabalho árduo, intensivo e metódico e de uma imaginação criativa que caracteriza toda a sua carreira.
A marca Bonga
Bonga cria uma fusão entre a sua pessoa e a música de Angola, tornando-as indissociáveis e tendo como maior estandarte o Semba, um ritmo tradicional angolano correspondente ao samba brasileiro, mas precursor deste.
Bonga também interpretou géneros musicais cabo-verdianos, sendo responsável pela roupagem de “Sodade” para uma morna, 18 anos antes de Cesária Évora a tornar mundialmente famosa.
Prémios
Bonga recebeu inúmeros prémios de popularidade e homenagens relativamente à sua obra, onde conta com distinções várias, medalhas e discos de ouro e de platina.
Tem manifestado inúmeras vezes a sua solidariedade e altruísmo, dando concertos de beneficência para instituições como a MRAR, a Amnistia Internacional, FAO, ONU e UNICEF.
Além disso, tem participado em CD, como por exemplo “Em Português Vos Amamos”, dedicado a Timor, “Paz em Angola” ou ainda “Todos Diferentes, Todos Iguais”, um marco na luta contra o racismo.
Tem mais de 300 composições de sua autoria, 32 álbuns, 6 video-clips, 7 bandas sonoras de filmes, e álbuns com inúmeras reedições em todo mundo.
Os seus temas têm sido interpretados por ilustres artistas, como Martinho da Vila, Alcione e Elsa Soares, Mimi Lorca (França), Bovic Bondo Gala (República Democrática do Congo), Heltor Numa morais (Uruguai) e muitos artistas da nova vaga.
Além da música é um homem do desporto, que sempre se sentiu atraído pelo atletismo.
Tudo começou em tenra idade, quando revelou perante os seus amigos do bairro ser o mais rápido nas corridas e nas fugas. Depois, começou oficialmente a correr no São Paulo do Bairro Operário, rotulado pejorativamente como o “club dos pretos”.
Ingresso no Clube Atlético de Luanda
Em 1966, com 23 anos de idade, depois de ter alcançado os maiores títulos de Angola em 100, 200, e 400m, a sua entrada em Portugal dá-se aquando de um convite do Sport Lisboa e Benfica, que se deveu às suas múltiplas vitórias nos campeonatos em Angola.
O objectivo deste convite é a prática semi-profissional de atletismo. Entre 1966 e 1972, Bonga atinge por sete vezes o estatuto de campeão e permanente recordista de atletismo: onze internacionalizações nos 400 metros, nos 200 e 400 metros na taça da Europa de 1967, nove nos 4 x 400 metros e seis nos 200 metros.
Somou ainda várias vitórias em torneios, como o prémio de Viseu em 1968 (400 metros), Toddy em 1969 (100 metros), o II Grande Prémio das Festas de Santo António.