O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, chega neste domingo a Jerusalém para uma visita de quatro dias que marca uma aproximação inédita entre Brasil e Israel. É a primeira vez que um mandatário do Brasil prestigia o país com uma viagem oficial logo no início do seu mandato.
O roteiro dele, porém, não prevê visitas a cidades palestinas ou países árabes, como ocorreu com Lula em 2010, na única visita de um presidente brasileiro ao país no exercício do cargo.
Enquanto o governo Bolsonaro anuncia que esse estreitamento de laços trará parcerias positivas em áreas como tecnologia, cibersegurança e defesa, críticos da guinada diplomática falam em riscos ao importante comércio brasileiro com os países árabes e islâmicos, e em uma redução da relevância do Brasil na diplomacia internacional.
A viagem é cercada de expectativa e tensão devido à promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, reconhecendo, assim, a cidade milenar como capital israelense.
Tal decisão confrontaria recomendação da ONU (Organização das Nações Unidas) e a posição da grande maioria dos países que entendem que Jerusalém – hoje controlada por Israel – deve ser capital de dois Estados, um israelense e um palestino.
Por causa disso, quase todos os países mantêm suas embaixadas em Tel Aviv – as exceções são Estados Unidos, que por decisão do presidente Donald Trump transferiu sua representação diplomática para Jerusalém em maio, e a Guatemala, que seguiu os americanos poucos dias depois.
No Brasil, a mudança é apoiada principalmente por lideranças evangélicas que consideram Israel uma nação sagrada e acreditam que o Brasil será “abençoado” caso reconheça Jerusalém como capital. No entanto, devido à resistência da ala militar do governo e do setor agropecuário, a transferência deixou de ser dada como certa e entrou “em estudo”.
Expectativas sobre a viagem
Por enquanto, um cenário mais provável é Bolsonaro anunciar a abertura de “um escritório de negócios” na cidade milenar, alternativa que o presidente já admitiu estar em análise. Jornais de Israel já falam em tom de frustração sobre o recuo acerca da transferência da embaixada.
Ainda assim, essa possibilidade não pode ser completamente descartada, avalia Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV e especialista em Oriente Médio.
“A mudança da embaixada continua em disputa dentro do governo. A relação com Israel é questão prioritária para dois grupos, evangélicos e olavistas (seguidores de Olavo de Carvalho, como o chanceler Ernesto Araújo), que veem essa aproximação como fundamental para salvar a civilização judaico-cristã ocidental das garras do globalismo marxista cultural”, ressalta Casarões.
“Já a área econômica e ruralista teme o impacto comercial, enquanto os militares se preocupam também com a tradição da diplomacia brasileira”, analisa.
Lideranças evangélicas ouvidas pela BBC News Brasil se mostraram pouco otimistas com os resultados da viagem. A pastora Jane Silva, presidente da Comunidade Brasil-Israel, questionou inclusive a decisão de visitar o país a poucos dias da eleição parlamentar israelense, marcada para 9 de abril, cujo resultado poucos analistas se atrevem a prever.
Na sua leitura, Bolsonaro vai em apoio ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que busca se manter no poder. O israelense, por sua vez, prestigiou Bolsonaro com longa visita ao Brasil na ocasião da posse presidencial, quando arrancou uma promessa de transferência da embaixada.
“É excelente estreitar laços com Israel, mas, se não for para anunciar a mudança da embaixada, não justifica a pressa (da visita). O momento é muito delicado para sair do Brasil por causa da reforma da Previdência”, disse Silva. “O meio evangélico está muito frustrado. Ele devia anunciar a data (da mudança da embaixada), ou vai ficar como semeador da mentira.”
Acordos com Israel x riscos econômicos
As informações preliminares são de que o presidente terá compromissos em Jerusalém e Tel Aviv e fará também um roteiro religioso, ainda não detalhado.
Bolsonaro terá reunião com Netanyahu, participará de um evento com cerca de 200 empresários brasileiros e israelenses, e visitará o memorial às vítimas do holocausto Yad Vashem. A expectativa é de que serão assinados acordos bilaterais para cooperação nas áreas de ciência e tecnologia, defesa, segurança pública, saúde e aviação civil.
“Não é um mercado grande em termos numéricos, mas tem muito a oferecer ao Brasil em tecnologia, cooperação com universidades. Israel é vanguarda em cibersegurança, por exemplo”, afirma o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Fernando Lottenberg, ao defender os benefícios da visita.
Já na balança comercial, Israel não está entre os principais parceiros brasileiros. As trocas com o país não chegam a 1% do comércio exterior brasileiro e o Brasil compra mais do que vende (déficit de US$ 847,8 milhões em 2018).
Por outro lado, países árabes e o Irã respondem por quase 6% de todas as exportações brasileiras e cerca de 10% das exportações do setor agropecuário do Brasil. Em 2018, as trocas com países de maioria islâmica somaram US$ 22,9 bilhões, segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança é favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões.
Tanto a Liga Arábe, que representa 22 nações, como países do grupo isoladamente já manifestaram ao Itamaraty seu incômodo com intenção de mudar a embaixada em Israel.
Uma possível reação preocupa especialmente o setor agropecuário, já que os países de maioria islâmica recebem cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar (somados o refinado e o bruto) e 46% do milho em grãos, conforme dados levantados pela BBC News Brasil junto ao MDIC.
O Brasil é também o maior exportador de carne halal, que segue as regras de abate da lei islâmica e tem um mercado consumidor potencial de 1,8 bilhão de muçulmanos.
O presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, reconhece que não seria fácil para os países árabes substituírem essas compras, o que afasta o risco de um “comprometimento imediato” do comércio. No entanto, ele teme que a nova linha diplomática do Brasil mine aos poucos as exportações brasileiras.
Encolhimento diplomático?
Enquanto a transferência da embaixada para Jerusalém segue em discussão, a guinada diplomática promovida pelo novo governo já teve efeitos concretos quando o Brasil, na semana passada, alterou seu posicionamento histórico em votações sobre Israel no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Na ocasião, o Brasil votou contra uma resolução que tratava de violações de direitos humanos de cidadãos sírios que vivem nas colinas de Golã, região que Israel capturou da Síria na Guerra dos Seis Dias, em 1967. O documento foi aprovado com 26 votos a favor, 16 contrários e cinco abstenções. O país se opôs também a outra resolução que criticava Israel por violações cometidas nos territórios palestinos, em especial durante o conflito na faixa de Gaza em 2014.
Lottenberg, presidente da Conib, considera que essa decisão é ainda mais relevante que a transferência de embaixada. Na sua avaliação, o governo Bolsonaro está corrigindo um viés contrário a Israel que havia na política externa brasileira.
“A diplomacia brasileira, principalmente na época do Celso Amorim (chanceler do governo de Luiz Inácio Lula da Silva), ficou sequestrada pelo tema do conflito (com palestinos)”, critica.
“A posição no Conselho da ONU é injusta com Israel. É o único país que tem uma agenda permanente (de resoluções críticas) nesse conselho. Ter que ouvir o representante da Síria (país que atravessa há seis anos uma guerra civil) falar de violação de direito internacional é uma piada de mau gosto.”
Casarões, da FGV, afirma que o Brasil tem uma longa tradição de equidistância no conflito árabe-israelense e destaca a boa relação mantida com Israel durante o governo Lula. Na sua avaliação, o governo israelense teve responsabilidade na piora da relação durante a Presidência de Dilma Rousseff quando insistiu em indicar como embaixador no Brasil o colono Dani Dayan, ex-líder de assentamentos judaicos na Cisjordânia, nome que foi rejeitado.
Para a professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP) Arlene Clemesha, a aproximação de Bolsonaro com Israel não se resume a uma mudança na diplomacia brasileira para o Oriente Médio, mas se insere numa transformação mais ampla de “alinhamento” com os Estados Unidos e outros países com governos “populistas de direita”, como Hungria e Itália.
“A posição do Brasil no mundo é uma construção lenta. O Itamaraty, desde o governo Fernando Henrique, vem construindo uma maior autonomia do Brasil no mundo. Para ter voz independente, tem que ter conhecimento das principais questões internacionais, um histórico de posicionamentos”, ressalta a professora.