A Associação Nacional de Cuidados Continuados denuncia que, um ano após o pedido de ajuda ao Governo, as unidades continuam a trabalhar no limite e com os recursos mínimos.
A Rede de Cuidados Continuados permanece na iminência do colapso: Um ano após o alerta e pedido de ajuda ao Governo, pouco mudou e persiste o problema de subfinanciamento e falta de enfermeiros. José António Bourdain, presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados, adianta que em 2020 houve um ligeiro aumento do valor pago pelo Estado, mas não foi suficiente e continua a ser muito difícil manter estas unidades abertas.
“Não mudou praticamente nada, infelizmente. Aliás, receio que o próprio Plano de Resiliência também não corra bem, quer na área social em geral, quer nos cuidados continuados em particular.”
Entre 2011 e 2021, houve “apenas um único aumento dos preços dos cuidados continuados”. Foi em janeiro de 2019, quando o preço subiu 2,2%, e depois de a Associação Nacional de Cuidados Continuados ter colocado “uma providência cautelar em tribunal, para que o Governo cumprisse o que assinou, com os representantes do setor social, em 2018”, esclarece José António Bourdain, em declarações à TSF.
“Agora, recentemente, houve um aumento apenas em longa duração”, entre as quatro tipologias principais que se inserem nos cuidados continuados. “Percentualmente nem sei qual o valor; foi anunciado que era de 6%, mas, na realidade, não foi, porque o preço assenta em quatro componentes e só aumentaram duas.”
José Bourdain lembra que a vacinação contra a Covid-19 desviou ainda mais enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde. “Há uma série de outras unidades em dificuldades financeiras, e também com falta de enfermeiros”, constata.
“Infelizmente também vivemos numa sociedade – no passado não era assim – em que os jovens tiram as suas licenciaturas e vão de férias. Espero que agora, quando a vacinação acalmar – não digo terminar porque não acredito -, estes dois mil, 2200, licenciados saiam para o mercado de trabalho, independentemente de muitos emigrarem.” Ainda assim, o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados espera que a partir de setembro ou outubro comece a haver mais enfermeiros disponíveis no mercado de trabalho. Ainda que o Governo tenha anunciado contratações públicas, José Bourdian teme que “o problema dos enfermeiros se mantenha”.
O problema de subfinanciamento também faz parte do dia-a-dia das unidades de cuidados continuados, com muitas em risco de ter que fechar portas. “Não vemos solução à vista. Houve este aumento este ano, não haverá mais, com certeza. De acordo com aquilo que o Governo escreveu no acordo para o setor social, com os representantes do setor social, prevê-se um estudo dos preços, que já anda a ser prometido há dois anos mas que nunca se concretiza.”
O horizonte mais próximo é a promessa de aumentos no Orçamento do Estado para 2023. “Não me parece que o problema seja resolvido a curto prazo”, comenta o responsável, temendo que “haja unidades a fechar, porque o Estado não paga a tempo e horas, porque há muitas dívidas das famílias, e tudo isso contribui para que tenham prejuízo e não consigam sobreviver”.
O presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados lamenta que a frase de há um ano, de que a rede está à beira do colapso, continue a ser uma realidade. “A cada dia que passa o problema agrava-se cada vez mais, e só não colapsou ainda por causa – vou usar uma expressão da moda – da resiliência”, atira.
“Há instituições que têm uma dimensão maior, e têm património, como é sabido. As pessoas deixam heranças às instituições, e lá vão andando…” É o caso da Santa Casa da Misericórdia de Santiago do Cacém, que apresenta um “prejuízo enorme nos cuidados em atraso” e teve “salários em atraso”. Para resolver o problema, venderam um terreno. “É uma solução a curto prazo. A longo prazo, não resolve o problema.”
José Bourdain reconhece ainda que, após inúmeros pedidos de reunião ao Governo, já conseguiu partilhar as preocupações à ministra da Saúde e à ministra da Segurança Social, mas pouco mudou. “Consegui reunir, através de uma plataforma online, a ministra da Saúde. Alertei-a para várias situações, nomeadamente para o PRR e para os financiamentos e outras dívidas do Estado. A ministra desconhecia que havia dívidas do Ministério da Saúde desde 2015.”
São seis anos de atraso no pagamento das dívidas, mas o responsável garante: “O maior problema de todos é o subfinanciamento.”
No final do ano passado, devido à falta de enfermeiros, a Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração e Manutenção, em Sintra, fechou portas, e os 25 utentes tiveram que ser transferidos para outras unidades das regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Centro.