Mais de 50 anos após a sua chegada a Paris, desertores da Guerra do Ultramar e opositores ao regime de Salazar, retraçaram os seus passos na capital francesa para lembrar o que viveram nas décadas de 60 e 70 como exilados políticos, fugidos de Portugal, chamando a atenção para a importância de acolher hoje quem procura refúgio na Europa. A RFI acompanhou esta visita.
Esta visita guiada por uma história oculta pela Cidade das Luzes começou na Câmara Municipal do 13º bairro, onde os exilados portugueses chegavam pela primeira vez, muitos através da Gare de Austerlitz, ali vivendo nos primeiros meses e arranjando trabalho, como relata Fernando Cardoso, presidente da Associação de Exilados Políticos Portugueses.
“Este bairro tem um significado especial para muitos portugueses, porque muitos morámos na rue de Moulinet e frequentávamos um café onde agora está o centro comercial, portanto já não existe. A Câmara Municipal do 13º bairro é um ponto central”, disse o presidente da Associação de Exilados Políticos Portugueses.
Quem os acolhia era Vasco Martins, chegado a Paris no início dos anos 60 por se opor à Guerra do Ultramar, e que militava nos movimentos de esquerda da capital.
“Era uma casa que eu ocupei em outubro de 1968 e que a partir daí recebeu muitos desertores, refratários, jovens portugueses que recusavam fazer a guerra colonial”, explicou o exilado político.
Foi em Paris que se despertaram também as consciências de muitos imigrantes portugueses que tinham abandonado o país por razões económicas e que ao comprarem jornais contra o regime ou participarem em reuniões sindicais, conheciam, pela primeira vez, a liberdade.
“Era ambivalente, havia um certo receio [de se expressar livremente], mas havia a possibilidade falar aqui. E isso fazia com que nós, nas primeiras manifestações íamos perdendo o medo e muitas pessoas que nunca tinham reagido, especialmente do interior, aqui viam que trabalhando eram respeitados. Do ponto de vista histórico, a revolução portuguesa, foi muito criada na emigração aqui. Em Portugal havia muito receio, mesmo se não houvesse polícia, era como se houvesse polícia na nossa cabeça e aqui não”, disse Fernando Martins.
A visita na capital francesa faz parte de um projecto europeu que agrega investigadores e associações de Portugal, França e Dinamarca para contar a história dos exilados portugueses aos mais jovens, o projecto #ECOS.
Mas estas atividades servem sobretudo para alertar que estes movimentos continuam ainda hoje, como explica a investigadora Sónia Ferreira.
“Este projeto é pegar numa história que achamos que é importante continuar a contar, especialmente tendo os protagonistas connosco. Mas a história do exílio português é uma história de hoje em dia. Todos os sentimentos que estas pessoas tiveram nos anos 60 e 70 estão muito próximos do que sentem os refugiados hoje em dia”, disse a professora da Universidade Nova de Lisboa que participa no projecto.
É nos passos destes exilados que falam abertamente das suas experiências, que muitos franceses de origem portuguesa reconhecem a sua própria história. É o caso de Anne Marie Esteves que nestes relatos encontrou também argumentos para combater as ideias de extrema-direita que rejeitam atualmente a imigração em França.
“A história da imigração portuguesa faz parte da história francesa. Estamos quase no período eleitoral e ainda temos a Marine Le Pen e as suas ideias, sempre a falar na imigração e nunca falamos da história da imigração portuguesa. A história repete-se e é por isso que é importante trazer o meu filho a este passeio. Para ele não se deixar enganar por certas mensagens políticas”, disse esta francesa com origens portuguesas.
Mais de meio século depois, estes exilados políticos portugueses prometem continuar a partilhar as suas histórias para que outros refugiados possam continuar a encontrar abrigo em França.