O ex-procurador-geral da República Cunha Rodrigues sublinha que “o país tem um problema com as escutas”. Em entrevista à Renascença e ao Público, afirma que “os meios tecnológicos evoluíram de tal maneira que os agentes da justiça se sentiram atraídos para, numa linguagem comum, investigar sentados”.
Questionado sobre se é verdade que “muitos processos existem só com base em escutas”, responde assim: “Admito isso”. E argumenta que distorceu-se o sentido inicial da utilização de escutas: “A escuta é um meio de adquirir meios de prova. A jurisprudência agora entende que ela próprio é uma prova. Não era essa a finalidade inicial”. A consequência, alerta o ex-PGR, é que há vários cidadãos – além do escutado – que são lesados no processo. “Deixam de ser escutadas só as pessoas que têm que ver com o processo, mas a família, os amigos e pessoas que não têm nada que ver com o assunto. Penso é uma matéria que hoje lesa direitos fundamentais das pessoas e que devia ser analisada em profundidade”.
Relativamente ao facto de a atual PGR, Lucília Gago, achar normal que João Galamba tenha sido escutado durante quatro anos – admitindo até que podia ter sido durante mais tempo -, Cunha Rodrigues acha errado que alguém seja escutado por um período desses. “A senhora procuradora-geral tem a opinião dela. A vida política tem uma exposição muito maior. E, portanto, para se tornar eficaz e livre de pressões, não deve estar sujeita, por qualquer motivo mínimo, a esse tipo de actuação intrusiva de escutas, muito menos durante anos.” E deixa outro aviso: “Todos os meios intrusivos da vida privada e da autonomia individual devem ser usados com parcimónia e segundo o princípio da proporcionalidade. No meu tempo havia muito menos escutas porque não havia meios para fazer escutas. Eu sempre fui muito prudente nessa área porque a escuta é um meio invasivo, intrusivo da vida privada e da própria capacidade de as pessoas agirem e interagirem sem medo e sem receio.”
Cunha Rodrigues sublinha que os membros de um Governo são “iguais como pessoas” a qualquer outra pessoa mas “não são iguais como cidadãos”. “Exercem funções públicas, funções de muito melindre que têm também de ser protegidas, num sentido que não podem gerir a coisa pública com uma pressão constante sobre eles e com ameaças de que a vida pessoal e familiar venha para a vida, para a praça pública.”
Outra crítica à PGR: Cunha Rodrigues defende que não devem ser usados recortes de jornais como meios de prova. Pergunta dos jornalistas: “Num processo da Start Campus houve um recurso de medidas de coacção em que o Ministério Público apresentou um documento anexo com duas mil páginas com recortes de jornais. Ou seja, é o Ministério Público que utiliza as notícias que foram feitas com base em violação de segredo de justiça a seu favor. Acha que o Ministério Público é que está a alimentar algumas notícias para depois fazer pressão junto dos juízes?”. Resposta: “Não, não acho isso. Mas eu não juntaria a um processo. Até porque as notícias e os jornais não nascem nas redacções. Nascem porque há pessoas que levaram às redacções os factos. Muitas vezes são pessoas interessadas num processo. Portanto, é uma maneira de pressionar a justiça”.