Comissão Etíope dos Direitos Humanos afirmou hoje que não observou “abusos massivos, generalizados e sistemáticos” dos direitos humanos nas eleições nacionais.
As eleições nacionais de segunda-feira (21.06) não puderam ser realizadas em toda a Etiópia, principalmente devido a problemas de segurança e logística, mas também devido à situação na região norte de Tigray, dilacerada pela guerra e pela fome.
A Comissão Eleitoral Etíope afirmou, na segunda-feira (21.06), que a votação tinha sido geralmente pacífica, apesar de ter relatado atos de “intimidação de representantes partidários”.
Pleito sem abusos massivos
“De acordo com a nossa avaliação global nos locais que visitámos, não assistimos a violações massivas, generalizadas e sistemáticas dos direitos humanos”, disse este sábado (26.06) Daniel Bekele, o diretor da Comissão Etíope dos Direitos Humanos (EHRC), numa conferência de imprensa.
O órgão independente, mas filiado no Governo, afirmou que a votação também foi realizada, apesar de um boicote por parte de alguns partidos políticos e da prisão de líderes da oposição.
“A comissão assinala que a eleição decorreu numa altura em que os problemas se acumulam”, acrescentou, citando em particular o conflito em Tigray, onde o exército federal tem vindo a conduzir uma operação militar nos últimos sete meses que visava depor as autoridades regionais.
“Foi bom ver que as eleições foram largamente pacíficas em muitas partes do país, com a exceção de incidentes envolvendo violações dos direitos humanos em vários locais”, disse.
Antes da votação
A comissão afirmou ter observado “várias mortes” nos “dias que antecederam a votação” na região de Oromia. Numa reportagem divulgada aos jornalistas hoje, enumerou seis pessoas mortas na conturbada região.
A EHRC também disse que os membros da oposição foram espancados nas regiões de Amhara e SNNPR (sul).
Finalmente, a EHRC relatou “várias centenas de detenções” no dia da votação nas regiões de Oromia, Amhara, SNNPR e Benishangul-Gumuz, bem como na capital Addis Abeba, incluindo membros da oposição e apoiantes da oposição.
A EHRC, que não foi autorizada pela Comissão Eleitoral a observar as eleições, destacou, no entanto, cerca de 100 funcionários em todo o país para monitorizar as violações dos direitos humanos.
Crise em Tigray
Os Estados Unidos estimam que perto de 900.000 pessoas na região de Tigray, na Etiópia, enfrentam agora condições de fome no meio de um conflito mortífero, apesar de o primeiro-ministro afirmar que ali “não há fome”.
A crise da fome em Tigray é a pior do mundo numa década e as novas descobertas de fome são “aterradoras”, disse sexta-feira (25.06) a chefe da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Samantha Power, acrescentando que há milhões de pessoas em risco.
A nova estimativa mais do que duplica o aviso emitido no início deste mês pelas Nações Unidas e grupos de ajuda de que mais de 350.000 pessoas enfrentam condições de fome em Tigray.
Mesmo quando surgem relatos dispersos de pessoas a morrer à fome, o número real de pessoas que enfrentam condições de fome é desconhecido porque os combates ativos e as restrições de acesso impedem os trabalhadores humanitários de chegar a todas as partes da região de seis milhões de pessoas.
“As condições irão piorar nos próximos meses, particularmente com a entrada do Tigray na época de julho a setembro, a menos que a assistência humanitária chegue às populações mais necessitadas”, segundo a nova análise da USAID.
Isto é fome forçada, disseram os residentes de Tigray e alguns observadores. Testemunhas afirmaram terem sido impedidas por soldados etíopes, apoiados por soldados da vizinha Eritreia, de plantarem os seus campos e de as suas colheitas terem sido saqueadas ou queimadas, desde que o conflito eclodiu, em Novembro.
“Não há fome em Tigray”
O Governo da Etiópia diz ter entregue ajuda alimentar a milhões de pessoas em Tigray, mesmo quando as suas tropas perseguem os antigos líderes da região, depois de as tensões políticas terem explodido em guerra.
Mas o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2019, numa entrevista esta semana transmitida por uma rede estatal, manifestou a preocupação de que a ajuda externa a Tigray pudesse acabar por apoiar os combatentes de Tigray, recordando uma situação semelhante durante a fome devastadora da Etiópia, nos anos 80, e que não podia voltar a acontecer, disse.
“Não há fome em Tigray”, disse o primeiro-ministro esta semana à rede britânica BBC.
O novo aviso de fome aumenta a pressão sobre o Governo da Etiópia para um cessar-fogo, especialmente depois de um ataque aéreo militar etíope esta semana, num mercado movimentado em Tigray, que matou pelo menos 64 pessoas. Também a organização Médicos Sem Fronteiras disse na sexta-feira que três funcionários tinham sido assassinados na região.