Pesquisadores dizem que rede de recrutamento emergiu de células islâmicas radicais criadas por religiosos moçambicanos e estrangeiros.
Um estudo intitulado “Afinal, não é só Cabo Delgado! Dinâmicas da insurgência em Nampula e Niassa”, realizado pelos pesquisadores Salvador Forquilha e João Pereira, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), revela que no norte de Moçambique as províncias de Nampula e Niassa são campos de recrutamento dos membros dos grupos armados que atacam Cabo Delgado.
O trabalho de investigação integrado no programa de pesquisa “Estado, Violência e Desafios de Desenvolvimento do Norte de Moçambique” analisa as dinâmicas do conflito que se assiste naquela região do país desde Outubro 2017, um fenómeno que tem ramificações para além dos epicentros dos ataques terroristas, como é a existência de redes de recrutamento de jovens nas províncias vizinhas.
“O processo de recrutamento explora as dinâmicas locais, as dinâmicas socio-económicas sobretudo, alguns desses jovens chegam ao grupo dos al-Shabab (designação local) não porque inicialmente tem a vontade de chegar lá, mas são apanhados ao longo do processo da sua incorporação na rede devido à actividade económica local que é a pesca, muito comum sobretudo na zona costeira”, explica Salvador Forquilha, um dos autores do estudo, que concluiu que “ao longo deste processo muitos deles acabaram caindo nas mãos dos al-Shabab”, havendo, no entanto, aqueles que são recrutados directamente e sabem que estão a entrar na organização.
Para os pesquisadores, a rede de recrutamento emergiu de células islâmicas radicais criadas por religiosos moçambicanos e estrangeiros.
“A dimensão religiosa é uma das dimensões muito importantes presentes no fenómeno”, revela Forquilha, lembrando que houve em Niassa e Nampula jovens que começaram a criar distúrbios nas mesquitas locais à semelhança do que aconteceu em Cabo Delgado.
“Temos dinâmicas muito semelhantes em Nampula e Niassa do ponto de vista religioso, curioso é verificar como é que estas chamadas células de tendência radical se instalaram no Niassa e Nampula, seguindo uma trajectória muito semelhante da que temos em Cabo Delgado”, acrescenta o investigador, quem explica que “essas células de tendência radical, iminentemente religiosas, depois procuram mlilitarizar-se”.
Porém, Forquilha revela que a militarização das células religiosas radicais em Nampula e Niassa não se transformou em violência armada devido à pronta intervenção das autoridades.
“A colaboração entre as autoridades religiosas locais e autoridades governamentais foi muito mais coordenada e muito mais forte em Niassa e em Nampula do que em Cabo Delgado”, onde está instalada uma rede de crime organizado que tenta movimentar toda uma economia ilícita localmente, envolvendo tráfico de madeira, marfim, pedras preciosas e contrabando”.
O estudo revela que os distritos do litoral da província de Nampula, nomeadamente Angoche, Mossuirl, Nacala-a-Porto, Nacala-a-Velha e Memba, são os principais pontos de recrutamento de jovens para os grupos armados.
Na província de Niassa, os jovens são recrutados nos distritos que fazem fronteira com a Tanzânia, designadamente, Lago, Sanga e Mecula.
As entrevistas conduzidas pelos investigadores do IESE revelaram também a proveniência dos líderes destas redes de recrutamento.
“O grosso das pessoas que estão ou estavam à frente destas células ou eram tanzanianos ou então moçambicanos que estiveram a frequentar mesquitas de tendência radical na Tanzânia e muitas nas entrevistas falavam de Tanga na Tanzânia”, acrescenta aquele pesquisador quem não ouvi “menção de gente que tenha estado na Arábia Saudita, no Egito, no Irão”.
Por isso, diz, “a Tanzânia joga um papel muito importante no contexto da crise e desde o início nós pensamos que a Tanzânia não pode ser colocada de lado em qualquer que seja a equação para a resolução da crise, porque existem laços históricos muito importantes e do ponto de vista religioso e esses indivíduos tanzanianos que chegam a essas mesquitas de Mocímboa, Macomia, também no Niassa em Mecula e Memba.
Os ataques armados na província de cabo Delgado perduram desde 2017 e, segundo o Departamento de Edstado americano, são protagomizados pelo grupo denominado ISIS-Moçambique, também conhecido como Ansar al-Sunna (e localmente como al-Shabaab), liderado por Abu Yasir Hassan.
O grupo é responsável pela morte de cerca de 1.200 civis e provocou o deslocamento de mais de 670 pessoas pessoas no norte de Moçambique.