Numa afirmação que pode ser entendida como resposta à oposição e a alguns sectores da sociedade, o Presidente da República esclareceu, ontem, que não é justo e correcto dizer-se que as eleições autárquicas foram adiadas, porque “não se adiam eleições que nunca foram convocadas”.
Ao discursar, no Parlamento, sobre o Estado da Nação, o Presidente João Lourenço lembrou que a realização das autárquicas, em 2020, tinha sido uma recomendação do Conselho da República, em 2018, mas este desejo não foi materializado por falta de uma base legal.
“O Conselho da República é um órgão consagrado na Constituição, com o papel de aconselhar o Chefe de Estado sobre matérias que este coloca aos dignos conselheiros. Embora não possa ser entendido como uma decisão, porque o Conselho da República não tem tal competência, mesmo assim, o conselho prestado foi acatado e o Executivo deu imediatamente início à produção e aprovação das propostas de diplomas legais que constituem, no essencial, o Pacote Legislativo Autárquico, tendo-os remetido à Assembleia Nacional, órgão legislativo, para os aprovar” lembrou.
O Titular do Poder Executivo sublinhou que “não se convocam eleições sem que assentem numa base legal, sob pena de não serem consideradas válidas”.
“Estamos todos interessados na realização dessas eleições que vão acontecer pela primeira vez em Angola e que farão emergir um novo tipo de poder que, com certeza, vai aliviar em muito o peso da responsabilidade que hoje recai sobre o Estado, na resolução dos problemas quotidianos que afligem o cidadão na sua comunidade”, garantiu.
Segundo o Chefe de Estado, “se, por um lado, estamos todos interessados na sua realização, por outro também é verdade que somos todos responsáveis pela criação das condições necessárias”.
“O Executivo, o Parlamento, os partidos políticos, a Comissão Nacional Eleitoral, a sociedade civil, todos temos tarefas por realizar para garantir o sucesso deste processo que hoje está mais próximo de se concretizar do que antes de 2018, porque, pelo menos, temos algo de concreto feito, temos já aprovadas uma boa parte das leis necessárias”, defendeu.
João Lourenço acredita que todas aquelas instituições são idóneas, a ponto de não defenderem a hipótese de realizar essas eleições antes do fim do corrente ano, porque “seria irrealista e de uma grande irresponsabilidade”.
Novo paradigma de governação
O Chefe de Estado considerou que o novo paradigma de governação também se aplica à necessidade de se descentralizar o poder de decisão sobre as questões mais prementes da vida diária das populações, que vai passar a caber em grande parte às administrações municipais e, mais tarde, às autarquias locais.
Nesse sentido, lembrou, foram aprovadas e estão em curso as novas estruturas orgânicas de 163 dos 164 municípios do país alinhadas com os novos desafios da desconcentração administrativa e financeira e da contratação de um quadro de pessoal próprio, respeitando a tipologia do município e a sua capacidade de resposta à demanda de serviços.
João Lourenço referiu-se à aprovação e publicação, no âmbito do Pacote Legislativo Autárquico, das leis da Tutela Administrativa, Organização e Funcionamento, Regime Financeiro das Autarquias Locais, Regime das Taxas das Autarquias, Lei Orgânica sobre as Eleições Autárquicas e a Lei da Transferência de Atribuições e Competências do Estado para as Autarquias, estando, ainda, por se aprovar, entre outros, o Projecto de Lei sobre a Institucionalização das Autarquias.
Para a consolidação do Estado de Direito e Prevenção e Combate à Corrupção e Impunidade, um dos pilares do novo paradigma de governação, é fundamental, segundo João Lourenço, a acção do organismo reitor da Justiça e dos Direitos Humanos, “onde há progressos que devem ser assinalados”.
No plano legislativo, disse, tem havido a aprovação de diplomas fundamentais, por exemplo a Lei da Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa e a legislação no domínio das Técnicas Especiais de Investigação e Obtenção de Prova, como a Vigilância Electrónica, Regime de Identificação e Localização Celular ou o Regime de Escutas Telefónicas.
“No plano institucional, tem estado a agir de forma dinâmica a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção e o Gabinete de Recuperação de Activos, ambos da Procuradoria-Geral da República, e foram revitalizados os mecanismos de investigação e instrução criminal junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e da Polícia Nacional. Também tem sido actuante a Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE)”, sublinhou.
No que concerne ao combate à corrupção e branqueamento de capitais, João Lourenço disse estarem em curso, em todo o país, vários processos-crime e cíveis com alguns já transitados em julgado.
Delapidação do erário
O Presidente da República voltou a referir-se ao dinheiro delapidado do erário, admitindo que o valor pode aumentar consideravelmente.
“O Estado terá sido lesado, em pelo menos, 24 mil milhões de dólares americanos, e dizemos pelo menos porque à medida que se vai aprofundando as investigações à volta de alguns processos em curso e de seus prováveis protagonistas envolvidos vão-se descobrindo coisas novas, sendo muito provável que mais tarde se venham a anunciar números bem maiores que este, que, por si só, já ultrapassa o valor da dívida de Angola para com o seu principal credor”, disse.
No âmbito do processo de recuperação de activos, revelou, o Estado já recuperou bens imóveis e dinheiro no valor de 4,9 mil milhões de dólares, sendo 2,7 mil milhões em dinheiro e 2,1 mil milhões em bens imóveis, fábricas, terminais portuários, edifícios de escritório, edifícios de habitação, estações de rádio e televisão, unidades gráficas, estabelecimentos comerciais e outros.
Segundo o Chefe de Estado, o Tribunal de Contas redobrou a acção de fiscalização da ilegalidade das finanças públicas e de julgamento das contas que a lei sujeita à sua jurisdição.
Esta intervenção do Tribunal de Contas, disse, tem permitido moralizar a execução financeira do Estado, diminuindo as margens de oportunidades para a prática da corrupção e a execução irregular do Orçamento do Estado.
“Na verdade, no que respeita ao combate à corrupção e à impunidade, mudou significativamente a percepção que, tanto dentro, como fora do país, se tem deste nefasto fenómeno”, garantiu.
Direitos Humanos
O Chefe de Estado lembrou, ainda, que Angola ratificou a quase totalidade dos instrumentos jurídicos internacionais sobre Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas e da União Africana e é membro do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
João Lourenço referiu-se ao ranking da liberdade de imprensa deste ano, compilada pela organização Repórteres Sem Fronteiras, no qual Angola subiu 15 pontos em três anos, ocupando, actualmente, a posição 106.
“Também ao nível do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, segundo a edição de 2019 divulgada no passado mês de Janeiro, Angola subiu 19 pontos e melhorou a sua pontuação, saindo neste ranking da posição 165 para a 146”, acrescentou.
Reforma da Justiça e do Direito
No domínio judiciário, João Lourenço informou que prosseguem os trabalhos para a instalação do Tribunal da Relação de Luanda, após a recente inauguração dos Tribunais da Relação do Lubango e de Benguela, no quadro do novo mapa judicial de Angola.
No plano da reforma da Justiça e do Direito, continua a trabalhar-se na principal legislação de referência, nos domínios da organização judiciária, Direito Penal e Processual Penal, Direito Civil, Comercial, de Família e Processual Civil, Direito Administrativo e Direito dos Registos e do Notariado.
“Tendo sido já aprovadas, pela Assembleia Nacional, em breve serão promulgadas as leis que aprovam os novos Código Penal e Código do Processual Penal, dois importantes instrumentos de protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos”, sublinhou.
Outros diplomas, igualmente, importantes foram já aprovados. Entre eles, o Presidente referiu o novo Estatuto do Provedor de Justiça e o regime de organização e funcionamento da Provedoria de Justiça.
João Lourenço referiu-se, também, ao desafio que o Estado assumiu de garantir a todos os cidadãos nacionais o Registo de Nascimento e Bilhete de Identidade, a emitir tanto no país, como nas representações diplomáticas e consulares.
O programa, iniciado em 2019, pretende fazer o registo formal de nascimento de mais de nove milhões de pessoas e atribuir o B.I., pela primeira vez, a mais de seis milhões e 300 mil, disse.
No sector da Justiça e Direitos Humanos, afirmou, estão em curso outros projectos estruturantes, com elevado impacto social, económico e político, designadamente o de legalização e regularização do património habitacional do Estado e a implementação do registo predial em todo o país.
“Para a melhoria do ambiente de negócios, entraram em funcionamento vários serviços on-line. Foi, também, aprovada a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos e criado o Prémio Nacional de Direitos Humanos, que visa distinguir, anualmente, personalidades e instituições que prestem um contributo de destaque na protecção, promoção e aprofundamento dos direitos humanos e da cidadania no país”, sublinhou.