Decisão que suspende atividades de emissoras de TV a partir desta quarta-feira é questionada quanto à sua legalidade. Empresas da família do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e da Igreja Universal foram notificadas.
A partir da madrugada de ontem quarta-feira (21.04) foram suspensas as actividades da TV Record, da Zap Viva e da Vida TV em Angola. O Governo diz que os canais, vistos por intermédio de plataformas de distribuição de televisão, estariam a operar ilegalmente no país. A Zap anunciou que entregou documentos solicitados pelas autoridades e espera que sejam agora criadas as necessárias condições para a normalização do canal Zap Viva.
A medida abrange vários jornais, revistas, sites e rádios sem atividade efetiva nos últimos dois anos e entra em vigor após o Governo detetar “inconformidades legais”, segundo um comunicado do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS).
O MINTTIC refere que a Rede Record de Televisão em Angola tem como diretor-executivo um cidadão não nacional. O comunicado divulgado pela agência Lusa indica também que os quadros estrangeiros da Record Angola, que exercem a atividade jornalística no país, não se encontram acreditados nem credenciados no Centro de Imprensa Aníbal de Melo.
O que diz a Record
O ministério determinou a suspensão, a partir desta quarta-feira (21.04), do exercício de atividade de televisão das empresas e dos jornalistas estrangeiros vinculadas ao grupo Record.
Em comunicado divulgado em sua página no Facebook, a Record TV África diz que “sempre pautou pela legalidade nos mais de 15 anos presentes em Angola e em todo continente Africano”. O órgão diz que foi surpreendido com a medida e promete “buscar os esclarecimentos referente às supostas irregularidades alegadas”, lê-se na nota.
A “suposta ilegalidade” surge num momento em que este órgão de origem brasileira publica com frequência matérias críticas sobre a “parcialidade” do Governo angolano no conflito que envolve a direção da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e um grupo de bispos e pastores dissidentes, que alegam ser os legítimos donos da instituição fundada pelo bispo brasileiro Edir Macedo.
A Record TV África entregou um “recurso hierárquico” contra a decisão da Direção Nacional de Informação e Comunicação do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social de suspender a emissão do canal. “Com isso, informamos os nossos colaboradores, parceiros comerciais e as centenas de milhares de telespetadores que se encontram em Angola, de Cabinda ao Cunene, que o nosso canal se manterá em exibição enquanto decorrer a apreciação do referido recurso”, referiu a nota.
Pluralidade questionada
O presidente da sucursal angolana do Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA-Angola), André Mussamo, acredita que o pouco esclarecimento do Governo sobre a identidade de outros órgãos legais e ilegais abre portas para especulações pelo fato de se ter citado apenas três órgãos que operam há anos em Angola.
O jornalista diz que estes canais se tornaram “persona non grata” para as autoridades desde que deixaram de ser apenas repetidores de conteúdos de entretenimento, na maioria das vezes comprados de outras produtoras.
“O jornalismo destas estações é que se terá tornado o amargo da boca que despoletou com esta decisão extrema. Nós, do MISA, consideramos extrema. Não estamos contra ela 100% porque não conhecemos os meandros e somos defensores da legalidade. Aliás, estamos num Estado democrático e direito”, lembra Mussamo.
O presidente do MISA-Angola afirma ainda que a suspensão do exercício de jornalismo a estes órgãos retira a pluralidade de informação que já é escassa em Angola. “Se a democracia é acima de tudo multiplicidade de canais de expressão, diversidade de opinião e promoção da diferença não temos outra conclusão a tirar agora à quente, senão de que este é eventualmente, um murro sobre o estômago da liberdade de expressão”, opina.
Mesmo com esta visão, Mussamo prega cautela para julgar a decisão do Governo: “Teremos de ser suficientemente ponderados e aprofundar um pouco mais as razões de fundo para percebermos se é legitima ou não”.
Empresas sem registo
O MINTTIC diz no seu comunicado que detetou que as empresas provedoras de televisão por assinatura – TV Cabo, DSTV Angola e FINSTAR (detentora da ZAP TV), embora estejam devidamente legalizadas – distribuem os canais Zap Viva, Vida TV e Rede Record “sem o registo para o exercício da atividade de televisão em Angola”, pelo que os canais Zap Viva e Vida TV têm de assegurar a sua “veiculação”.
Para o secretário do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, a suspensão das actividades destes canais de televisão não são da competência do Executivo, mas dos órgãos de justiça. Cândido questiona as leis em que o Governo se baseou para suspender os canais.
“A Lei de Imprensa confere ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, competências para suspender órgãos de comunicação social apenas quando estes órgãos, uma vez licenciados, alterem os elementos que apresentaram por altura do licenciamento”, explica.
A antiga deputada do MPLA, Tchizé dos Santos diz que a medida expõe a “ditadura” de João Lourenço e reforça perseguição política à família dos ex-presidente José Eduardo dos Santos, que detém dois dos três canais suspensos, a Zap Viva e a VIDA TV.
“Claro que isto é uma perseguição motivada pelos caprichos pessoais do Presidente da República contra pessoas que o irritam. Por isso, é que só três canais foram atacados, dois dos quais nem sequer estão registados como canais angolanos – tal como a Disney Channel , tal como a BBC e a CNN. Então, se é ilegal, desafio o Presidente João Lourenço a mandar fechar a CNN, a mandar fechar a BBC, a mandar fechar a France 24, a TVE, a RTP. Se é ilegal desafio o Presidente João Lourenço a mandar fechar o canal dos americanos em Angola”.