O Brasil é mesmo um lugar cheio de surpresas e onde o mundo dá muitas voltas. Em 2019, a roda da fortuna levou o então juiz federal Sergio Moro, aclamado herói anticorrupção pela direita, ao posto de ministro da Justiça do governo do então presidente Jair Messias Bolsonaro.
Houve uma fúria grande na esquerda: pode o juiz da Lava Jato, que colocou o então candidatíssimo Luiz Inácio Lula da Silva na prisão, assumir um cargo no governo do candidato que se beneficiou dessa ação do juiz? Obviamente isso cheirava mal.
E não só desqualificou o trabalho da Lava Jato como um todo, mas foi um prego no caixão do combate à corrupção no Brasil.
Tiro no pé
Depois, a roda da fortuna levou Sérgio Moro para baixo. Espera-se para breve a cassação do seu mandato de senador. A transição de juiz para político, que parecia promissora, agora parece fadada ao fracasso.
Sem querer entrar aqui no mérito das decisões que Moro tomou contra Lula, sempre achei as ambições políticas dele um tiro no pé. Não só no dele, mas da democracia brasileira. A Justiça no Brasil já tem um forte jeito de atuar de forma política, o que não contribui, a meu ver, para um fortalecimento das instituições democráticas.
Sei que Bolsonaro não se importava com isso, mas Moro deveria ter tido mais bom senso e antenas para isso. Na democracia, não basta jogar de forma limpa: precisa ter uma aparência limpa.
Déjà vu
E o que dizer do fato de Lula colocar o ex-juiz do STF Ricardo Lewandowski no mesmo ministério que Moro ocupava? Como magistrado, Lewandowski deu várias decisões favoráveis a Lula. Votou a favor do entendimento de que um condenado poderá ser preso apenas após o trânsito em julgado do seu processo.
Mais tarde, Lewandowski não só deu à defesa de Lula acesso às provas dos processos contra o petista como ainda decretou o trancamento de uma ação penal em tramitação e de três investigações. Assim, repetiu a atuação que teve durante o Mensalão, quando emitiu decisões favoráveis aos réus petistas. Como fora nomeado, em 2006, por Lula, partes da sociedade entenderam sua atuação como parcial.
Em fevereiro, Lewandowski vai para o Ministério da Justiça, para substituir Flávio Dino, que faz o caminho inverso, de ministro para magistrado do STF. Tendo em mente todas as críticas à nomeação de Moro por Bolsonaro, a escolha de Lewandowski por Lula parece um déjà vu de sinal trocado.
O próprio Moro comentou a escolha de Lewandowski na sua conta na plataforma X: “Fica então entendido que aceitar cargo em ministério não é e nunca deveria ter sido causa de suspeição.”
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
O texto reflete a opinião do autor.
Por Thomas Milz Jornalista e fotógrafo