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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Embaixador José Patrício: «Os EUA não negligenciam o papel de Angola no xadrez continental e como actor privilegiado na resolução de conflitos»

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José Gonçalves Martins Patrício é um nome de destaque no histórico da diplomacia angolana, tendo sido, entre outros cargos desempenhados «fora de portas», o primeiro embaixador de Angola nos Estados Unidos. Em entrevista ao Novo Jornal, o embaixador de carreira faz uma retrospectiva no «difícil, prolongado e complexo» processo, para que o Estado deixasse a famosa blacklist de países com os quais a mais poderosa Nação do mundo não mantinha relações diplomáticas para o reconhecimento formal.

O processo que culminou no reconhecimento de Angola pelos Estados Unidos da América (EUA), a 19 de Maio de 1993, foi difícil e prolongado?

Sim, muito difícil, prolongado e complexo. Estávamos no rescaldo da Guerra Fria e o Governo do MPLA era tido como comunista, aliado da ex-União Soviética.

Esse estigma perdurou, apesar do desmoronamento dos “muros ideológicos”. Por outro lado, a UNITA era o aliado privilegiado dos Estados Unidos, do conjunto de todas as frentes de guerrilhas que engajavam as sucessivas administrações norte-americanas. Renomados congressistas e senadores, como Jesse Helms e Dan Burton, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, eram indefectíveis apoiantes do líder da UNITA.

Eram influentes articuladores das políticas e das ajudas aos movimentos de guerrilha que eles apoiavam e financiavam para a derrubarem os governos ditos de esquerda e rotulados de comunistas. Este contexto explica um pouco o clima de adversidade em que decorreu esse processo.

Há quem considere que foi uma das maiores e mais intensas batalhas diplomáticas que Angola conheceu?

Sem dúvida. Foi das mais complexas batalhas diplomáticas sair da famosa “blacklist” de países com que os Estados Unidos da América não tinham relações diplomáticas para o reconhecimento formal.

Lembro que o professor Chester Crocker, então subsecretário de estado norteamericano para África, engendrou uma ardilosa estratégia de sucessivos “linkages”, na qual definia associações em matéria de condicionalidades para a resolução do conflito angolano.

Por exemplo, para a implementação da Resolução 435/78 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a Independência da Namíbia, impunham a retirada das tropas cubanas de Angola. Os passos subsequentes foram os Acordos Tri e Quadripartidários assinados em Nova York, a 22 de Dezembro 1989, entre os Governos de Angola, Cuba e da África do Sul, que conduziram à Independência da Namíbia e ao derrube do Apartheid, na África do Sul.

Com essas premissas, criaram-se as condições para o início das negociações directas entre o Governo angolano e a UNITA, processo sempre monitorado pelas administrações norte-americanas.

Na altura, o lobby da UNITA em Washington era forte, certamente terá influenciado o surgimento de algumas resistências internas e externas ao reconhecimento? Qual foi a estratégia do Governo liderado por José Eduardo dos Santos?

A estratégia do Governo angolano era a de afastar todas as interferências externas e, com essas premissas, desencadear o diálogo entre as partes desavindas no conflito interno, para pôr fim às hostilidades militares que gangrenavam o tecido social angolano.

Foi dentro desse contexto que se deu início às negociações de Bicesse de que resultou o fim da guerra em Angola e a realização das primeiras eleições multipartidárias.

Ter Bill Clinton como Presidente dos EUA facilitou o processo e acelerou o reconhecimento?

Nem por isso. A política externa norte-americana não depende muito dos presidentes. Podem, quanto muito, atrasar ou acelerar, mas interferem mais nas suas linhas de força, os comités do Congresso e do Senado, o aparelho do Departamento de Estado e o Conselho Nacional de Segurança.

Não nos esqueçamos de que foram administrações republicanas quem mais teve engajamento nas fases mais complexas e decisivas do conflito angolano, pois estiveram 12 anos sucessivos na Casa Branca.

O Presidente Bill Clinton foi apenas um actor circunstancial no reconhecimento, porque o Governo angolano tinha cumprido todos os pressupostos dos Acordos de Paz, e a UNITA, reiteradas vezes, violava não só esses Acordos como todas as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre Angola.

A sua nomeação para chefiar a Missão Permanente de Angola junto da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Dezembro de 1991, terá sido já uma estratégia do Governo angolano para a normalização das relações entre Washington e Luanda?

Não só do Governo angolano, como também da administração norte-americana. Washington e Luanda tinham acordado abrir representações em cada uma das capitais como sinalização do processo do reconhecimento. Parece um anacronismo, mas a nossa entrada na OEA foi patrocinada pela administração norte-americana que, na altura, tinha o Governo na “lista negra”. Enfim, fenómenos da realpolitik.

Ter sido o primeiro embaixador de Angola nos EUA, para além das responsabilidades acrescidas, deu-lhe uma certa visibilidade política?

Sim. Ser o primeiro Embaixador de Angola nos EUA dava visibilidade política, mas também causava algum ruído nas hostes internas. Hoje, com o distanciamento temporal de mais de 20 anos, posso revelar que tive uma conversa com o Presidente José Eduardo dos Santos, na qual propunha que fosse libertado dessa função, porque havia sectores que questionavam que aquela responsabilidade não fosse atribuída a um quadro jovem como eu, naquela altura.

O Presidente agradeceu o meu gesto, disse que estava a par deste sentimento de reserva, mas quase que, em tom de reprimenda, disse que era da sua estrita esfera de competência tomar essa decisão. No dia seguinte, fui nomeado ao cargo de primeiro embaixador de Angola nos EUA, o que me orgulha bastante, sobretudo por ter a consciência do dever cumprido.

Quando chegou a Washington, qual foi o ambiente que encontrou?

Falo em termos político e diplomático. Cheguei a Washington no dia 01 de Dezembro de 1990, e o ambiente político e diplomático era de alguma hostilidade e expectativa reservada, uma vez que todos os velhos pilares da UNITA ainda estavam activos e era preciso minúcia e resiliência na desmontagem daquela máquina que se passeava sozinha e com tapete vermelho nos corredores do poder em Washington. Abrir uma Missão Diplomática é um grande desafio para qualquer diplomata, no seu caso.

Estamos a falar dos EUA. Como foi para si em termos de selecção dos quadros, de preparação da estrutura e de colocar a “máquina” em funcionamento?

Foi bastante desafiante abrir uma Missão Diplomática e ainda por cima constando da “lista negra” de governos não reconhecidos, para não dizer inimigo. No início éramos três diplomatas, o falecido embaixador Salvaterra e o actual embaixador, Francisco da Cruz, que chefia a nossa Missão Diplomática na União Africana.

O embaixador Salvaterra, meu adjunto, ficou com as responsabilidades administrativas, e eu e o embaixador Francisco da Cruz dedicávamo-nos à frente política e diplomática. A contribuição do embaixador Francisco da Cruz foi inestimável, pois se tratava de um quadro com profundo conhecimento da realidade política norte-americana e da minha faixa etária, o que agregava outras energias ao combate político e diplomático.

 

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