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Sábado, Novembro 23, 2024

Eleições em Angola e o colonialismo caviar

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FONTE:Expresso

As eleições em Angola tornaram evidente uma grande hipocrisia na análise de contextos políticos e de democracias estrangeiras. Revelaram também demasiada gente que censura comportamentos noutros que ignora ou tolera na sua própria nossa casa. É a hipocrisia política no seu esplendor. Angola não é um bom exemplo para ninguém, mas temos demasiados telhados de vidro para apontar o dedo tão levianamente

As eleições em Angola têm preenchido uma parte importante dos nossos noticiários e o enredo criado à volta do funeral de José Eduardo dos Santos tem ajudado a concentrar a nossa atenção em Luanda.

Apesar de tantos anos terem passado desde a independência de Angola, é normal que os portugueses sintam uma certa atração pelos assuntos da sua antiga colónia, seja pela saudade dos que regressaram contrariados, seja pelos angolanos que vivem em Portugal, estes dois países têm demasiada história comum para ignorarmos o que se passa cá e lá.

Mas confesso que muitos dos comentários a que tenho assistido me fazem crer que há uma nova espécie de colonialismo intelectual de norte para sul onde um conjunto de personalidades tenta analisar um fenómeno político à luz da sua realidade ou da sua utopia. Aliás o que mais me espanta é a diferença de critério, entre meter a colher no que se passa em Angola, mas não ousar dizer o mesmo ou muito pior sobre a Rússia, Coreia do Norte, Cuba ou a China. Depois ainda temos aqueles exemplos, aqueles defeitos que se apontam a Angola, mas que são exatamente iguais aos portugueses, como é o caos dos mortos nos cadernos eleitorais.

A democracia angolana é fraca? Claro que é, mas é bem melhor do que a chinesa, a norte-coreana, a russa, a cubana ou a venezuelana e não vemos os mesmos indignados a rasgar camisolas e as vestes com esses países que tantas vezes os vemos a abraçar.

Há corrupção em Angola? Claro que há. Há classes protegidas? Claro que há. E em Portugal, não nos deveria fazer confusão certos negócios de privilégio feitos pelo Estado, pelo Governo, por empresas públicas com amigos, com ex-patrões, com familiares? Alguns desses moralistas sobre Angola ou outro país africano são os mesmos que comem à mesa de fulanos que fazem exatamente o mesmo em Portugal. É uma verdadeira hipocrisia e um novo colonialismo.

Depois ainda temos a outra hipocrisia que surge da oportunidade das eleições no Brasil, cá acusam políticos e empresários angolanos, provavelmente culpados, mas não condenados, e aparecem em posts, entrevistas e manifestações de apoio a Lula da Silva, que fez exatamente o mesmo, cuja família e correligionários enriqueceram, e onde ele e outros foram mesmo presos ou condenados.

Angola, tal como Moçambique, vive há muito tempo sob liderança de um partido quase hegemónico, MPLA em Angola e Frelimo em Moçambique.

Curiosa e coincidentemente, ambos os países têm eleições presidenciais no espaço de um ano, há um segundo partido a ameaçar a hegemonia e a poder ganhar (Unita em Angola e Renamo em Moçambique) e ambos se preparam para organizar algo essencial e que poderá acrescentar muito à qualidade da sua governação: organizar eleições autárquicas. O resultado de Angola poderia ter muito impacto em Moçambique, sobretudo se a UNITA vencesse.

Ao contrário de tantos outros países, com democracias jovens e frágeis, a verdade é que apesar de todos os limites que por exemplo o Governo de Angola coloca à atuação da oposição, ao seu espaço na imprensa, etc etc, a UNITA consegue pela via democrática disputar a eleição e chegar quase aos 50%. Seja qual for o resultado final desta eleição, se não garantiu a alternância democrática anunciou que essa está para breve.

Devemos olhar para a democracia de Angola com exigência, mas sem falsos moralismos ou paternalismos. Apesar de tudo, a conquista da paz é um resultado tremendo depois de décadas de guerra. Nenhuma democracia ou sistema de justiça se implantou de um dia para o outro. Angola tem ainda um tremendo caminho a fazer contra a injustiça, pela igualdade de oportunidades e pelo Estado de Direito. A alternância democrática é desejada e recomendada em qualquer sistema democrático e se isso não fosse suficiente, a experiência que se recolhe de ambos os lados da barricada, no poder ou na oposição, são determinantes para o fortalecimento da própria democracia.

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