Os advogados do empresário Carlos São Vicente acusam a Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) de ceder a pressões políticas. A defesa entende que a detenção do antigo gestor da Sonangol não tem fundamento.
Carlos São Vicente está em prisão preventiva desde 22 de Setembro por suspeita de crimes de peculato e branqueamento de capitais. Num comunicado enviado à imprensa, a empresa de advogados do empresário acusa a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola de ceder a uma “decisão política”.
“De facto, as acusações apresentadas contra Carlos São Vicente em Angola são completamente infundadas e carecem de qualquer motivação. Isto, entre outras coisas, mostra claramente que a actual viragem dos acontecimentos é apenas motivada por uma decisão política de ir atrás do empresário e da sua riqueza”, afirma o escritório de advogados suíço Schellenberg Wittmer Ltd num comunicado datado de terça-feira e enviado esta quarta-feira (14.10) à agência de notícias Lusa.
Segundo a defesa, há uma contradição entre a ordem de prisão preventiva do empresário, em Setembro, e a resposta da PGR angolana a uma carta rogatória da Suíça, um mês antes, quando a PGR disse que não havia indícios de crime.
A PGR já veio esclarecer que a mudança de posição teve a ver com o surgimento de novos elementos processuais. “Ao tomarmos conhecimento de factos contra o referido cidadão, enviámos às autoridades suíças uma carta rogatória solicitando mais elementos que nos pudessem ajudar nas investigações”, explicou o porta-voz da PGR, o procurador Álvaro João. “Em face da resposta e de denúncias públicas que surgiram internamente, foi possível reunir mais elementos para a abertura do processo”, acrescentou.
“O processo instaurado corre os seus trâmites legais e tão logo a sua conclusão remeteremos ao tribunal para o devido tratamento”, concluiu.
Detenção é legal, diz jurista
Para o jurista Manuel Pinheiro, a medida de coação aplicada pela PGR a Carlos São Vicente é legal, embora os advogados de defesa também tenham legitimidade para fiscalizar o processo.
“Os processos são como as chamas. Podem acender e podem apagar, mas são sempre processos”, comenta. “A dado momento, a chama pode atingir um certo clímax dado o nível de combustão. A dado momento não havia nada contra Carlos São Vicente, mas depois apurou-se que havia muito combustível para acender a chama. Daí que a PGR tenha desencadeado os mecanismos legais cabíveis que conduziram Carlos São Vicente à cadeia de Viana”, resume Manuel Pinheiro.
Quanto às cartas rogatórias trocadas pelos dois países, o advogado explica que se trata de um processo normal, acrescentando que, até ao desfecho deste caso, haverá certamente outras cooperações judiciais. “Sobre esta matéria de Carlos São Vicente, vão existir outras cartas rogatórias e, inclusivamente, não será apenas com a Confederação Helvética”, garante.
Uso de possíveis lacunas
Questionado sobre se terá havido uma interferência do governo de Luanda no “caso 900 milhões dólares”, como desconfiam os advogados de defesa, Manuel Pinheiro responde que “está descartada qualquer especulação” nesse sentido.
Já o jornalista angolano Ilídio Manuel entende as razões da defesa de Carlos São Vicente. “O facto de a PGR angolana ter vacilado […] pode conduzir a esse tipo de leituras de que haja uma interferência do poder político nesse assunto”, frisa.
Por outro lado, Ilídio Manuel lembra que a independência da Justiça angolana tem sido posta em causa e, por isso, acredita que os advogados poderão aproveitar-se de eventuais lacunas da PGR em benefício do suspeito. “Essa ideia é reforçada pelo facto de, durante várias décadas, o poder judicial em Angola ter andado a reboque do poder político. É natural que os advogados aproveitem todas as fragilidades para poderem explorar essas nuances”, sublinha.
Segundo o despacho que determinou a prisão preventiva do empresário angolano, citado pela agência Lusa, Carlos São Vicente levou a cabo “um esquema ilegal” que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares.