Uma em cada seis crianças vivia em pobreza extrema antes da pandemia de Covid-19. Um relatório do Banco Mundial e da Unicef revela que 365 milhões de crianças em todo o mundo lutam por sobreviver com menos de 1,61 euros por dia. Assinala-se esta terça-feira o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.
O relatório intitulado Global Estimate of Children in Monetary Poverty: An Update revela que a África subsaariana representa dois terços das crianças que vivem em lares que lutam para sobreviver com uma média de 1,61 euros – a medida internacional para a pobreza extrema. O sul da Ásia é responsável por quase um quinto destas crianças.
Apesar de se ter registado uma diminuição moderada do número de crianças que vivem em pobreza extrema entre 2013 e 2017, o Banco Mundial e a Unicef alertam para “para um progresso preocupantemente lento, desigualmente distribuído, e em risco devido ao impacto económico da pandemia Covid-19″.
Segundo o documento, “apesar de as crianças representarem cerca de um terço da população mundial, cerca de metade dos que vivem em situação de extrema pobreza são crianças”.
As crianças têm mais do dobro da probabilidade de viverem em pobreza extrema do que os adultos (17,8 por cento as crianças vs. 7, 9 por cento dos adultos). Apesar de todas as regiões do mundo terem registaram níveis variáveis de declínio na pobreza extrema entre as crianças, na África Subsaariana, assistiu-se a um aumento de 64 milhões no número absoluto de crianças a lutar para sobreviver com 1,61 euros por dia, de 170 milhões em 2013 para 234 milhões em 2017.
O relatório refere ainda que “as crianças mais novas são as mais pobres – quase 20 por cento de todas as crianças com menos de cinco anos no mundo, nos países em desenvolvimento, vivem em lares extremamente pobres”.
Segundo a Unicef e o Banco Mundial, “ pobreza infantil é mais prevalente nos países frágeis e afectados por conflitos, onde mais de 40 por cento das crianças vivem em agregados familiares extremamente pobres, em comparação com quase 15 por cento das crianças noutros países”.
“Estes números só por si devem chocar qualquer um. E a escala e a profundidade daquilo que sabemos sobre as dificuldades financeiras provocadas pela pandemia apenas servem para piorar ainda mais a situação”, considera Sanjay Wijesekera, Diretor de Programas da Unicef.
Segundo Sanjay Wijeseker, “os governos precisam urgentemente de um plano de recuperação para as crianças para evitar que um número inestimável de crianças e das suas famílias atinja níveis de pobreza nunca vistos durante muitos, muitos anos”.
Dados do Banco Mundial e da UNICEF sugerem que a maioria dos países respondeu à crise provocada pela pandemia de Covid-19 “através da expansão de programas de protecção social, particularmente transferências monetárias”
Para a Unicef e para o Banco Mundial, “as transferências monetárias têm demonstrado responder à pobreza monetária e multidimensional e melhorar a saúde, nutrição, e os resultados cognitivos e não cognitivos das crianças”.
“As transferências monetárias proporcionam uma plataforma para investimentos a longo prazo em capital humano. Particularmente quando em combinação com outras medidas de desenvolvimento infantil, e associadas à prestação de serviços sociais de alta qualidade”, acrescentam.
No entanto, as duas entidades recordam que ”muitas das respostas são de curto prazo e não são adequadas para responder à dimensão e à recuperação no longo prazo”.
E defendem ser “mais importante do que nunca que os governos aumentem e ajustem os seus sistemas e programas de protecção social para se prepararem para choques futuros. Problemas multidimensionais – como a pobreza – exigem acções e políticas diversificadas”.
A situação em Portugal
Em Portugal, os dados do Eurostat de 2019 revelavam que 22,3 por cento das crianças viviam em situação de pobreza, a maior taxa de risco de pobreza entre todos os grupos etários.
A OCDE estimava em 2018 que em Portugal serão necessárias cinco gerações para que os descendentes de uma família de baixos rendimentos alcancem o nível médio de rendimento.
Em 2018, os dados do Instituto Nacional de Estatística revelavam que a taxa de risco de pobreza é mais elevada em famílias com filhos, nomeadamente, em famílias numerosas (30,2 por cento) e em famílias monoparentais (33,9 por cento.
“A actual crise da Covid-19 continuará a ter um impacto desproporcionado nas crianças, mulheres e raparigas, ameaçando inverter os ganhos duramente conquistados na luta pela igualdade de género. As medidas de protecção social têm um papel crucial a desempenhar na mitigação dos mecanismos de sobrevivência dos pobres e dos mais vulneráveis”, afirma Beatriz Imperatori, Directora Executiva da Unicef Portugal.
Para a responsável, “combater as desigualdades é um investimento crucial para as crianças e também para quebrar o ciclo intergeracional de pobreza e exclusão social”.
A Unicef Portugal apela a uma abordagem à pobreza baseada nos direitos da criança que promova uma alteração de paradigma e análise das suas causas e factores.
“Consequentemente recomenda a adopção de uma resposta integrada que inclua, entre outras: medidas destinadas a aumentar o rendimento das famílias, o acesso a serviços sociais, a educação e saúde de qualidade desde os primeiros anos de vida, intervenção precoce, transportes e mobilidade, e melhoria das condições de habitabilidade” remata o relatório.