Agora que já está na reforma, Gomes Pedro aposta tudo nas suas lavras, em Quirima do Hola, cerca de 12 quilómetros a leste da cidade de Ndalatando, no Cuanza-Norte, onde semeou, em Outubro do ano passado, muita ginguba, milho, feijão e mandioqueiras. Três meses depois, o agricultor está desanimado com a baixa colheita, em consequência da falta de chuvas na região.
“Por falta de chuvas, a colheita de amendoeira, milho e feijão está muito fraca, e as mandioqueiras secaram”, disse o agricultor, temendo que a situação piore, em Fevereiro próximo. “Acho que no próximo mês não será possível colher a ginguba e o milho. E, também, já não tenho sementes para a segunda época agrícola”, referiu.
Mais traumatizada com a estiagem, por depender exclusivamente da lavra, está a agricultora Engrácia Esteves, que também actua na zona do Quirima do Hola. Na semana passada, ela lançou algumas sementes de feijão à terra para aproveitar a umidade provocada pelas enxurradas registadas durante três dias no mês de Dezembro, no ano passado. “Será que este ano vai chover muito?”, questionou-se.
A anciã atirou as sementes à terra neste período que os agricultores chamam de “pré-cacimbo”, devido a ausência de chuvas e por não haver qualquer previsão confirmada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INAMET). Desta forma, a produção de alimentos agrícolas nos municípios de Golungo Alto, Cazengo, Lucala e Cambambe, fica comprometida.
“Em Dezembro, cultivei muito feijão, milho e mandioca. Mas a produção de feijão não está boa, por falta de água. A fome vai castigar-nos. Mas Deus é maravilhoso. Não vai faltar qualquer coisa para podermos aproveitar”, disse.
Na zona do Quilombo, a três quilómetros da cidade de Ndalatando, Maria Francisco trabalha a terra para sustentar os seus cinco filhos. Muito triste com a situação, a camponesa acredita que a fome será a dura realidade a ser registada nos próximos meses de Fevereiro, Março e Abril. “Precisamos de apoios. Vamos necessitar de sementes para minimizar a situação durante a segunda época agrícola, que arranca próximo mês”, apelou.
Manuel Rocha, técnico agrário que avalia a situação na zona da Quirima, local onde o Governo distribui sementes de milho, feijão amendoim, mandioca, arroz, batata-doce e rena, para assegurar a produção numa área com mais 40 hectares, lamenta a situação. “O que estamos a ver aqui é uma catástrofe. Não teremos a colheita esperada”, disse.
Com a falta de chuvas para irrigar os campos, mais de 10 mil famílias de Cazengo, Cambambe, Lucala e Golungo Alto enfrentam sérias dificuldades para desenvolver a actividade agrícola na região. O relatório de 2019/2020 do Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) confirma que houve uma redução drástica nas culturas do milho, feijão, amendoim e batata-doce, em comparação com a campanha 2018/2019.
Segundo o documento, no ano passado choveu mais nas localidades de Quiculungo e Ambaca, com 1953.2 e 1447.6 milímetros, respectivamente. As populações dos municípios de Lucala, com 378.7 milímetros, e de Cambambe com 579.5 foram as mais sacrificadas, e nos meses de Outubro de 2019, e Abril de 2020, os mais chuvosos.
As culturas mais afectadas foram as de feijão, milho e amendoim, porém os camponeses que semearam em princípios de Outubro fazem algumas colheitas. O documento do IDA não evoca o volume de precipitações necessárias para uma campanha saudável.
Produção de cereais e tubérculos
Na última campanha agrícola, os camponeses do Cuanza-Norte produziram 2.839,6 toneladas de feijão, 772,14 de amendoim, 735,2 toneladas de milho, 7.259, 98 de batata-doce e 9.434,8 toneladas de banana. A produção de batata rena tem um registo de 1.518,5 toneladas, 8.079,6 de hortícolas e 33 toneladas de feijão macunde.
No relatório, o IDA avança que a maior parte da produção é destinada à comercialização, sobretudo nos grandes centros comerciais das províncias de Luanda e Malanje. Explica que os produtores venderam cerca de 95 por cento de toda a produção de batata rena, 85 de hortícolas, 80 por cento de milho, 85 de amendoim e 70 por cento da batata-doce e da banana. No mesmo período, apenas 65 por cento da produção do feijão foi comercializada.
A área projectada para o cultivo do milho foi de 1.531,76 hectares, cujo rendimento médio por hectare varia entre os 400 quilogramas nos municípios de Ambaca, Banga e Cambambe, e 550 no Golungo Alto, Quiculungo e Lucala.Produziu-se amendoim em 1.478,77 hectares e o rendimento é semelhante ao do milho. A batata-doce cultivada em 1.141,56 hectares rendeu entre nove, em Ambaca, e cinco toneladas por hectare, nas localidades da Banga, Bolongongo e Ngonguembo.
Quanto ao feijão produzido numa área de 4.711,85 hectares, o maior rendimento foi registado na mu-nicipalidade de Samba Cajú, com 750 quilos por hectare, seguido do Bolongongo com 650. Os piores foram registados nos mu-nicípios de Ambaca e Cambambe, com 500 quilogramas por hectare.
Para a produção de feijão macunde, foram preparados 74,54 hectares de terra, com rendimentos assinaláveis, em Bolongongo e Quiculungo, ambos com 450 quilogramas por hectare. Dados da Campanha Agrícola 2016/2017 apontavam para uma mé-dia de produção na ordem dos 800 quilogramas de milho, pelos camponeses da região, enquanto às empresas produziam cerca de 1,900 toneladas por hectare.
Os indicadores reflectem a insuficiência de alimentos na província. O engenheiro agrónomo, Joaquim Pedro, defende a formação de quadros nos vários níveis e especialidades, bem como a reparação das vias de acesso às principais zonas de cultivo. O especialista em agronomia sugere o recurso à mecanização para a derruba, lavoura, sacha, colheita, bem como a instalação de corrente eléctrica nos campos agrícolas para assegurar o funcionamento de electrobombas, infra-estruturas de conservação dos alimentos agrícolas, e a criação de fábricas de agroquímicos e fertilizantes.
Joaquim Pedro explica que hoje irriga-se mais com motobombas, equipamentos bastante dispendiosos em combustíveis e manutenção, daí a razão das electrobombas. Adianta que, por falta de conservação, em certos momentos as hortícolas estragam-se ou são vendidas a preços baixos.
“O ponto de partida seria a lavoura anual de 400 hectares por município. Se assim fosse, imaginem o que teríamos em cinco anos?”, questionou, para acrescentar que acções como estudos dos solos, investigação científica, legislação que obriga as empresas a terem agrónomos e muitas facilidades no acesso a créditos bancários, não devem ser ignoradas.
No relatório, o IDA recomenda a capacitação dos técnicos do sector, principalmente em metodologias de escolas de campo, e apoio aos camponeses com sementes de hortícolas para fomento, uma vez que só os municípios de Cambambe e Ambaca é que produzem hortícolas.
Produção de mandioca
Ainda de acordo com o relatório do IDA, os agricultores do Cuanza-Norte produziram, em cerca de 18.449,7 hectares, um total de 202.304,4 toneladas, das quais mais de metade foi vendida nos principais mercados da capital do país (Luan-da). As melhores safras foram registadas nas localidades de Bolongongo e Quiculungo, com 37.434 e 33.423,2 toneladas, respectivamente.Bolongongo e Quiculungo também tiveram os melhores rendimentos médios, na ordem das 25 toneladas por hectare, enquanto os mais baixos, na ordem das 15 toneladas, foram assinalados no Lucala, Ambaca, Samba Cajú e Cambambe.
O documento do IDA ignora as reflexões sobre a colheita das folhas da mandioqueira (kizaca), um dos alimentos mais consumidos na região, e nem faz alusão a praga, que há mais de dois anos tem vindo a provocar o apodrecimento precoce da mandioca, e nalguns casos impede o desenvolvimento normal do tubérculo.Alguns agrónomos falam em virose e, segundo um jornal especializado em assuntos agrícolas, “Agrojornal”, são conhecidos pelo menos 17 tipos de virose da mandioca, das quais oito ocorrem em África. O Agrojornal revela que as viroses são disseminadas nas estacas utilizadas, rotineiramente, como propagação vegetativa ou pela mosca branca.
A disseminação, através de estacas, pode causar a introdução de doenças para novas áreas, e ser responsável pela ocorrência de enfermidades nas zonas onde há pouca ou nenhuma propagação provocada pela mosca branca.
Em entrevista ao Jornal de Angola, os engenheiros agrónomos José Augusto Martins e José Castame defendiam a extinção da plantação afectada e a consequente introdução de novas variedades, resistentes às pragas.
“Na minha fazenda realizamos um trabalho aturado de selecção. Por exemplo, quando fazemos uma plantação, temos de purificar o material. Tudo aquilo que deixa uma mancha sintomática deve ser eliminada para deixar aquelas plantas sãs”, disse José Castame.
Para o engenheiro florestal Célsio Luamba, a solução passa pela formação do pessoal e aquisição de fitofármacos. Alguns camponeses acham que a extinção é a solução mais complexa, porque os deixaria meses sem o tubérculo até que as novas plantações começassem a render.
Apesar do hábito diário de comer o tubérculo e seus derivados, os camponeses entendem que a sua extinção seria viável se houver garantias de doação de alimentos durante o “jejum” produtivo. Da mandioca produz-se a farinha de bombó (fuba), que milhares de famílias a transformam em funge e consomem todos os dias a hora do almoço ou jantar. Mas há quem come o alimento a qualquer hora do dia.
Porém, há uma luz no fundo do túnel para a resolução da crise, a julgar pelas experimentações de raízes e tubérculos, com destaque a uma variedade de mandioca, que decorrem na cidade de Ndalatando, na Estação Experimental Agrícola do Quilombo, afecto ao Instituto de Investigação Agronómica (IIA).
Segundo o chefe da Estação do Quilombo, Célsio Luamba, o objectivo é estudar a capacidade de adaptação da mandioqueira às características edafoclimáticas da região, de resistência às viroses e as possibilidades de aumento do rendimento produtivo por hectare.
O responsável acrescenta que a planta em causa apresenta certas vantagens, quando comparada com a nativa, porque tem crescimento precoce. É doce e resiste à estiagem. “A outra vantagem das diversas variedades de mandioca, em relação às várias culturas alimentares, é o seu processo produtivo que estende-se até Abril, no final das chuvas”, explicou.
Paralelamente a isso, o IDA instalou 29 campos de demonstração de mandioca, onde são administradas técnicas sobre o uso correcto do compasso, comprimento ideal da estaca a plantar.Além de servir de alimento para os seres humanos, a mandioca é também utilizada como ração animal, descartada ao solo como adubo orgânico e na produção de álcool para o fabrico de bebidas, perfumes e medicamentos.
A nível do país, o IDA calcula que mais de 85 por cento do que se produz pertence às famílias camponesas, que ainda trabalham à base de enxadas e catanas, dependem das chuvas para irrigar os campos, usam sementes sem germinação testada, carentes de adubo, e diversos meios de combate às pragas.
Preparação das terras
Na Campanha Agrícola 2019/2020 foram preparados 22.764,5 hectares de terra, dos quais 1.040 foram com uso de meios mecanizados. O Jornal de Angola sabe que pelo menos 997 hectares foram lavrados com charruas de particulares, com maior incidência em Cambambe (462 hectares), Ambaca (196,5) e Lucala com 120,5 hectares.
Os interessados chegam a pagar até 80 mil kwanzas, pelo trabalho realizado em cada hectare de terra. O valor em causa retraiu a intervenção do IDA no processo, por ter feito a sua programação financeira a contar com o preço de 60 mil kwanzas por hectare, dos quais 15 mil seria o valor da comparticipação de cada um dos beneficiários.
Por esse motivo, o IDA lavrou apenas 43 hectares de terra nos municípios de Ambaca e Lucala, dos 550 previstos. Sem recurso a tractores, os municípios de Bolongongo e Ngonguembo ficaram de fora. Com recurso a catanas, enxadas, machados e outros meios rudimentares, as famílias camponesas do Cuanza-Norte prepararam cerca de 21.723,65 hectares de terra.
Segundo o relatório, o Instituto de Desenvolvimento Agrário teve à disposição 20 toneladas de sementes de milho e 250 quilogramas de massambala, tidos como insuficientes para apoiar 16 mil e 318 famílias, que trabalham numa área com cerca de um hectare e meio.
“Este defíce tem sido compensado com as reservas de sementes que cada camponês faz, em cada fim de colheita ou recorrendo ao mercado para aquisição”, lê-se no documento. O IDA recebeu também 60 toneladas de adubo (12.24.12), 25 toneladas de Sulfato de amônio e 30 de ureia.
Para melhor organização e desenvolvimento da agricultura, os camponeses da localidade filiaram-se em 485 associações e 100 cooperativas agrícolas. Ambaca e Cazengo têm mais associações, com 68 e 64, respectivamente, enquanto o Cambambe, com 18, e Cazengo com 19, possuem o maior número de cooperativas.
Quanto às mulheres camponesas, o número de filiadas nas associações agrícolas é de 40.179, e nas cooperativas 7.269, quase o dobro dos homens.Várias instituições participaram do processo produtivo, através de programas específicos, destacando-se o apoio dado aos camponeses pela organização não-governamental Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo (ADPP) por via dos Clubes de Agricultores, e pelo Instituto de Reinserção Social dos Ex-Militares (IRSEM).
No Cuanza-Norte, as administrações municipais desencadeiam um Programa de Combate à Fome e à Pobreza, com a preparação de terras para as associações e cooperativas agrícolas, acção semelhante à que é desenvolvida pelo sector dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria.