Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, disse que foi a Paris fazer um controlo médico. Declarações causaram indignação no país, cujo sistema de saúde está à beira do “colapso” com a pandemia da Covid-19.
No mesmo dia em que Umaro Sissoco Embaló anunciou a renovação, pela quarta vez, do estado de emergência, a 26 de Maio, o chefe de Estado apanhou o avião rumo a Paris para fazer um controlo médico.
“O que é normal, porque penso que cada um possa ter um problema de saúde, não é uma questão de outro mundo. Já estou em forma e a recuperar”, afirmou Sissoco Embaló na terça-feira (02.06).
No entanto, nem todos partilham da visão do Presidente da República, sobretudo numa altura em que milhares de guineenses não conseguem viajar para o estrangeiro devido às restrições impostas pelo estado de emergência.
“A Guiné-Bissau tem apenas um hospital em condições razoáveis para assistir os cidadãos, e neste momento não é possível controlar os casos de coronavírus. Temos, ainda assim, alguém que diz ser Presidente da República, que vai para França e não tem o mínimo de vergonha ou receio de dizer ao povo que foi lá curar-se, e que isso é normal”, afirma o activista Sumaila Jaló em declarações à DW África.
O sistema de saúde tem-se deparado com a falta de quase tudo. Um relatório das Nações Unidas, divulgado a 29 de Maio, alerta para o risco de “colapso” do sistema devido à pandemia. A Guiné-Bissau é o país da África lusófona onde há registo de mais infecções com o novo coronavírus, com 1.339 casos e oito mortos.
No país, há um médico por quase 6.000 habitantes e não há especialistas de cuidados intensivos, de acordo com o relatório da ONU. O laboratório de testes da Covid-19 tem suspendido regularmente os trabalhos por falta de condições.
“A sociedade guineense já está acostumada a conviver com a estratificação, a segregação existente entre uma classe política elitista, corrupta e que usa o dinheiro do povo para levar a sua vida de luxo, com outra classe, do povo, abandonada à miséria e sem condições mínimas de alimentação e de tratamento nos hospitais nacionais”, comenta Sumaila Jaló.
Uma “situação paradoxal”
As declarações de Umaro Sissoco Embaló levantam a velha questão dos líderes africanos que não investem no sector da saúde dos seus países porque recorrem sempre ao estrangeiro, à procura dos hospitais mais sofisticados, enquanto o povo tem dificuldades em aceder a centros de saúde de qualidade.
“É uma situação paradoxal”, afirma Carlos Sambú, um activista que apoiou a candidatura de Umaro Sissoco Embaló nas presidenciais de 2019.
“De facto, a luta do próprio Sissoco é criar as condições básicas para o sector saúde. Ainda é cedo para lhe atribuir responsabilidades, mas o Presidente deveria ser o primeiro a dar o exemplo. Não deveria violar o estado de emergência e as restrições que decretou. Isso depende da coerência política de cada um. Sou crítico ao abandono do sistema sanitário do país por parte dos próprios responsáveis.”
Saná Canté, advogado de profissão e líder do movimento de Cidadãos Conscientes e Inconformados, organização que não reconhece Sissoco Embaló como Presidente tendo já entrado com uma acção judicial junto ao tribunal da CEDEAO, também critica a viagem a Paris.
“Perante uma pandemia que o Governo não está a conseguir controlar no país, com os casos a aumentar, vem aqui arrogar-se do estatuto de privilegiado para ir a outro continente tratar da sua saúde.”
O jovem activista conclui que se trata de um “abuso” de poder por parte do Presidente da Guiné-Bissau: “É o erário público do Estado da Guiné-Bissau, é a contribuição dos cidadãos guineenses, na qual faz gozo. […] É um exemplo para o povo da Guiné-Bissau tomar em conta: ‘salva-se quem puder, mas ele, entretanto, tem todas as condições para se safar’.”