Muitas pessoas não sabem o que significa crescer sem ter um documento de identificação. Mas pare um minuto para reflectir como isso afectaria a sua vida pessoal, profissional e financeira quando chegasse a fase adulta sem esse importante documento. Em entrevista à Voz da América, o empreendedor digital Morato Custódio falou sobre o impacto da inclusão digital e financeira em Angola.
O empreendedor digital começou fazendo uma análise geral financeira explicando que grande parte da população angolana não têm um documento de identificação, e portanto não possui uma conta bancária. Citou dados do Banco Mundial para sublinhar que 80% da população opera no mercado informal e fez uma comparação com a população brasileira para ilustrar como a falta de acesso a serviços financeiros afecta os angolanos.
“Lá podemos comprar até uma havaiana, parcelando em 12 vezes ou seis vezes, sem juros.”
Custódio explicou que essa facilidade de compra no Brasil só é possível porque as pessoas têm CPF (Cadastro de Pessoa Física). Este documento permite que os comerciantes façam uma avaliação de risco de crédito de quem compra e também facilitem serviços.
“Para uma economia em grande contracção, como é a economia angolana neste momento, seria bastante benéfico se as pessoas pudessem ter acesso a serviços financeiros que lhes permitissem comprar um carro, uma cesta básica, uma casa ou mesmo até produtos diversos de forma parcelada”.
No que toca a inclusão digital, Custódio lamentou a alta desvalorização do kwanza porque isso faz com que o custo da internet seja alto, uma vez que o preço do serviço está indexado ao dólar.
“Isso tem um efeito negativo muito grande no bolso do consumidor. O custo de acesso a um telemóvel, o custo de acesso a um computador para poder aceder à internet ainda é alto. Então ligando o ponto da questão financeira, onde as pessoas não podem nem sequer comprar um computador, um telemóvel de forma parcelada, dificilmente se consegue entrar e participar na era digital, como nas outras partes do mundo.
Como dar um salto qualitativo em direção à inclusão digital e financeira?
A nível digital, Custódio acredita que primeiramente o país precisa olhar para a internet como um bem necessário, porque é um veículo que acelera o processo de informação e conexão. Depois implementar políticas que facilitem esse acesso.
O empreendedor digital considera isso uma tarefa fácil porque grande parte daquilo que diz respeito à internet em Angola é controlado pelo Estado. “É uma questão de vontade e de implementação de políticas que facilitem esse acesso.”
Já com relação ao acesso da população a um smartphone ou telemóvel, Custódio disse que há fábricas de telemóveis em Angola.
“Eu sou promotor da primeira fábrica de telemóveis em Angola. Em parceria com o Estado nós poderíamos implementar programas que facilitassem o acesso das populações ao seu primeiro smartphone. Da mesma forma que em Portugal houve há muitos anos o projeto de acesso a um primeiro computador portátil para as crianças na escola, como o “Magalhães”. Como é feito hoje em dia na Índia, com investimentos do próprio Estado para que as pessoas possam se conectar e se tornar contribuintes ativos fiscais”.
A nível financeiro, Custódio enfatiza a importância de se ter humildade e assumir a fragilidade que o país tem. “Nós temos um país bastante desconectado entre as suas províncias. Então é extremamente difícil nós resolvermos todos os problemas da base, desde a criação de condições para que todas as crianças que nasçam tenham acesso a um documento de identificação e tudo mais.”
Custódio considera importante olhar para o continente, olhar para o Quénia, por exemplo. O país “tem um excelente exemplo de inclusão financeira. Ver o que eles estão a fazer a nível de sistemas de pagamento das pessoas e pagamentos de serviço e implementar com a Unitel, Movicel e Africell, produtos e serviços financeiros pouco convencionais para que o grosso da população possa ter acesso”.